Merchandising entra em cena no cinema

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Apesar do interesse renovado do público pelo cinema nacional, os produtores brasileiros continuam contando com uma fonte restrita de recursos na hora de captar dinheiro para a produção de longas-metragens. Basicamente, essa verba vem de leis de incentivo fiscal. É por isso que a adoção de uma prática muito comum em Hollywood, mas rara entre as produtoras nacionais, passou a ser recebida com interesse no país. Chamado de "product placement" nos Estados Unidos, o recurso é um velho conhecido da televisão - a exibição de produtos e marcas em obras de ficção, ou simplesmente, merchandising.

No cinema americano, a prática remonta a 1925, quando "Wings" - o primeiro a receber o Oscar de melhor filme - levou ao cinema cenas com o chocolate Hershey's. No Brasil, um dos raros exemplos é "Ensaio sobre a Cegueira", lançado pela O2 Filmes em 2008. Logo no início do longa aparecia um carro da Fiat.

A julgar pelo interesse de produtoras e anunciantes, no entanto, até o fim do ano o espectador vai ver muitas outros filmes com merchandising de produtos.

"Quanto mais usual se tornar essa prática, mais autossuficiente será o mercado cinematográfico brasileiro", diz Priscila Jansen, sócia da Casé Filmes, responsável por produções como "Cilada.com" e "Muita Calma Nessa Hora".

O cinema brasileiro movimentou R$ 225 milhões em 2010, quando foram lançados filmes como "Tropa de Elite 2", de grande aceitação popular. No ano passado, as bilheterias renderam R$ 166 milhões, uma queda de 26%.

Em média, o custo de produção de um longa-metragem no Brasil é de R$ 5 milhões. Mais de 50% desse total costuma vir dos recursos obtidos com as leis de incentivo fiscal. As produtoras querem mudar esse cenário, reforçando as verbas obtidas na área de marketing, que hoje são marginais. A Casé Filmes usou o recurso em "Muita Calma nessa Hora", de 2010, depois de fechar acordo com a rede de pizzarias Domino's, a operadora Embratel e a cadeia de restaurantes Spoleto.

A Conspiração Filmes, responsável por produções como "Dois Filhos de Francisco" e "A Mulher Invisível", firmou acordo com a Procter & Gamble (P&G) em torno da produção "Gonzaga: De Pai para Filho", uma biografia de Luiz Gonzaga e Gonzaguinha, com estreia prevista para outubro. A marca Gillette foi a escolhida para aparecer em cena, diz Eliana Soárez, diretora executiva da Conspiração. As marcas Gillette e Nextel também vão aparecer na comédia "Os Penetras", outro longa da Conspiração, com estreia marcada para o fim de novembro. "Cada vez mais nossa equipe comercial vai procurar empresas para oferecer merchandising", afirma Eliana.

Companhias tentam evitar exposição forçada nos filmes, que afastam o consumidor em vez de atraí-lo

A P&G tem sido uma presença constante no cinema brasileiro. No filme "De Pernas pro Ar 2", uma coprodução da Globo Filmes e da Morena Filmes, a marca Oral B vai aparecer em cena. O filme estreia em dezembro.

Quem for ao cinema assistir aos longas "Se Puder Dirija" e "As Fantásticas Aventuras de um Capitão", ambos da Total Filmes, também vai ver ações de merchandising. A Renault firmou um acordo para que um de seus carros apareça na primeira produção, e o Banco do Brasil será mostrado no outro longa. Os dois filmes têm estreia prevista para o primeiro semestre de 2013.

O merchandising não interessa apenas aos cineastas. As produtoras têm se aplicado ao trabalho de convencer os anunciantes de que investir em cinema dá retorno, diz Walkiria Barbosa, da Total Filmes.

O consenso entre as produtoras é que esse esforço tem dado resultados. "Hoje, a ideia do merchandising já é recebida de uma outra forma quando vamos conversar com anunciantes", afirma Andrea Barata Ribeiro, sócia da O2 Filmes.

Um dos chamarizes para as marcas é o chamado sistema de "janelas" de exibição. A carreira de um longa começa na sala de cinema, mas depois de um tempo previamente definido o filme segue para vários meios: TV por assinatura, TV aberta, DVDs e Blu-rays. Mais recentemente, novos elos foram acrescentados com os serviços de vídeo sob demanda na internet ou na própria TV, como Netflix e Netmovies. Ao fazer merchandising, o anunciante consegue aparecer em vários meios diferentes com um único investimento. "É uma oportunidade ainda pouco explorada pelos anunciantes", disse a Globo Filmes, em nota.

O risco, advertem produtoras e profissionais de marketing, é o anúncio forçado, que irrita o espectador e pode ter um efeito contrário ao desejado. "A ação tem que ser discutida com o diretor e o roteirista para ser feita de uma maneira segundo a qual o produto poderia estar no filme mesmo sem merchandising", diz Eliana, da Conspiração.

Situações em que o personagem paralisa a ação para lavar a roupa ou a cabeça - mostrando ostensivamente o sabão em pó ou xampu - são desaconselháveis. O melhor, dizem os profissionais do setor, é que a agência de publicidade selecione histórias em que o produto se integre à trama de maneira natural. Foi o que aconteceu em "Se Puder Dirija". Como a trama se desenrola dentro de um carro, não foi difícil incluir no filme o merchandising da Renault.

Carros, aliás, estão entre os exemplos mais bem feitos de merchandising no cinema americano. É o caso de uma sequência que mostra os atores Shia LaBeouf e Megan Fox às voltas com um Camaro 1976 que tem vida própria. Na verdade, o veículo é um disfarce usado pelo robô Bumblebee em "Transformers", de 2007. Ao descobrir a verdadeira identidade do carro, a personagem de Megan reclama do disfarce escolhido, e diz que o veículo é velho. Temperamental, o robô assume a forma do novo Camaro, da Chevrolet, e continua assim até o fim do filme.



Veículo: Valor Econômico


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