No Brasil a capacidade de estocagem corresponde a 60% do necessário, enquanto em Minas está abaixo de 50%. Situação eleva preços aos consumidores e reduz o lucro dos produtores
Sem silos suficientes para guardar toda a produção agrícola do estado, produtos são destinados da safra para o consumo, criando distorsões no sistema de abastecimento das grandes cidades, com alimentos sobrecarregando entrepostos como a Ceasa, na Grande BH
No ano em que o setor agrícola brasileiro festeja uma safra recorde de grãos, produtores rurais amargam as deficiências do setor logístico do país e a impossibilidade de converter o aumento da produção em lucros. Não bastasse a tão citada situação crítica das rodovias, o que encare (e muito) o frete, a capacidade de armazenamento do Brasil está muito aquém da recomendada. Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indicam que para os armazéns comportarem a atual demanda seriam necessários investimentos para aumentar em 40,3% a capacidade. Em Minas, o déficit é ainda maior que a média nacional: a safra de grãos é mais que duas vezes superior à capacidade de armazenamento.
A consequência principal é a obrigação de o produtor escoar de uma vez toda a produção, tendo em vista a falta de espaço para mantê-la. Com isso, por se tratar do período de safra, os preços estão em baixa – às vezes até abaixo do custo de produção – e o gasto com transporte em alta, reduzindo a margem de lucro do produtor e aumentando o valor para o consumidor. Caso o produtor tivesse a sua disposição armazéns adequados, poderia reter parte da safra e esperar alguns meses até a oferta de determinado produto diminuir e o preço voltar a ser vantajoso.
Neste ano, por exemplo, no período da safra da soja, produtores comercializaram a saca da commodity por R$ 40 a R$ 45. Se tivessem condições de armazená-lo poderiam ter obtido até R$ 80 pelo mesmo produto. “A oferta de unidades de armazenamento é deficitária em todo o país. Para nós, o drama é maior ainda. Realmente, é um fator complicador”, reclama o presidente da Cooperativa Agropecuária do Noroeste de Minas (Coanor), Irmo Casavechia.
Agricultor de Unaí, principal produtora de grãos do estado e sexto PIB agrícola do país, ele afirma que os armazéns existentes na cidade são suficientes para receber apenas 30% da produção de grãos da região. Entre os mais de 250 produtores do Noroeste de Minas, são poucos (no máximo 10) os que contam com armazéns em suas propriedades. Dessa maneira, a cada safra os agricultores são obrigados a vender rapidamente a produção, escoada por rodovias. “Temos que colocar as mercadorias em cima de caminhões, que viajam em estradas ruins. Enfrentamos também gargalos para a exportação. Mas o nosso produto chega a os portos e têm que ficar esperando vários dias para o carregamento nos navios. Quem paga por tudo isso é o produtor”, reclama Irmo Casavechia.
Apesar das críticas, a situação de outros estados é ainda pior. Em Mato Grosso, o milho chega a ser armazenado a céu aberto, o que provoca perdas consideráveis e reduz a qualidade do produto. No interior paulista e paranaense, mesmo com a disponibilidade de armazéns para estocar grãos ensacados, a característica das culturas é de armazenagem a granel, o que praticamente indisponibiliza seu uso.
Planos
Diante desse cenário, o governo federal elabora um estudo com medidas emergenciais para reduzir o gargalo do armazenamento de grãos. Em dezembro, deve ser anunciado pacote para implantar parcerias público-privada (PPP) em todo o país. No mês passado, o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Mendes Ribeiro, antecipou que entre as medidas deve estar a venda de armazéns ociosos da Conab e aplicação de recursos em unidades onde há déficit de armazenamento. “O excesso de demanda num período curto aumenta o custo. O frete da safra é mais caro; ocorre aumento da demanda da infraestrutura portuária…”, afirma o superintendente da Gestão da Oferta da Companhia Nacional de Abastecimento, Paulo Morceli.
Ele cita ainda que as condições de armazenagem na infraestrutura à disposição do governo federal são ainda mais precárias. Devido às exigências mais rigorosas do governo, o número de armazéns regulares é bem menor. Uma das obrigatoriedades para cadastro é a comprovação da chamada “quebra zero”, ou seja nenhum grão pode ser descartado no período de estocagem. Mas, segundo Morceli, há desde goteiras e infiltrações até defeito no sistema de termometria, entre alguns dos problemas recorrentes.
Com isso, enquanto a capacidade de estocagem em Minas é de 5,6 milhões de toneladas, o volume credenciado pela Conab para atender o governo federal é inferior a 8% do total. São apenas 19 armazéns aptos no estado e 934 com impedimentos. Situação semelhante se repete no resto do país. Somente 5,92% da capacidade total de armazenagem pode ser usada pelo governo. O ideal, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), seria a capacidade de armazenagem corresponder a 120% da safra.
Custo
Por outro lado, o coordenador da Assessoria Técnica da Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg), Pierre Santos Vilela, adverte que a estocagem tem um custo e nem sempre compensa. Segundo ele, é preciso considerar o investimento na infraestrutura e o risco de não conseguir preços compatíveis com os gastos na entressafra. “O produtor não tem bola de cristal. Ninguém sabia que a soja ia bater R$ 80 este ano”, diz. E mais: ele lembra que uma parte da safra é vendida antecipadamente e outra é usada para investir na cultura do ano seguinte, o que inviabiliza o armazenamento por pequenos produtores.
Ineficiência faz o produto 'passear'
A insuficiência do modelo de armazenamento se repete no sistema de abastecimento. Devido à inexistência de uma gestão integrada, a produção agrícola passa pelo chamado passeio (ou repique). Isso se dá quando certa cultura sai de uma cidade em direção a um entreposto de uma cidade polo e lá um comerciante adquire esse mesmo produto para vendê-lo na cidade em que ele foi produzido. Novamente a falha na logística onera mais uma etapa da cadeia produtiva. “E quem paga é o produtor”, admite o chefe do Departamento Técnico das Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (CeasaMinas), Wilson Guide.
Exemplo claro dessa situação é o caso do empresário Adilson Figueiredo. Semanalmente, ele sai de Paraopeba e percorre quase 100 quilômetros até Contagem, para comprar tomate, jiló e pimentão do próprio primo, que planta no município onde ele mora. Ou seja, os produtos viajam duas vezes. A solução poderia ser a instalação de um entreposto em Sete Lagoas, principal cidade polo da Região Central, o que encurtaria o deslocamento. “Gasto R$ 80 por viagem, com diesel, alimentação e outros custos. Tudo isso vai parar nos preços do meu sacolão”, reconhece o empresário.
No caso do varejista Paulo Felizberto Bruno Pinto, de Conselheiro Lafaiete, mesmo com a existência de um “Ceasinha” em Barbacena, que comercializa quase todos os produtos que ele necessita para abastecer seu sacolão em cidades vizinhas, ele prefere se deslocar até a capital duas vezes por semana. “Parece mentira. Passa tudo na nossa porta e retorna, mas a gente ainda prefere fazer essa jogada”, diz.
A justificativa está também na concorrência, o que reduz os preços. Mas o ideal seria que os entrepostos do interior funcionassem efetivamente, de forma integrada com os dois maiores do estado (Contagem e Uberlândia). Com isso, somente a produção excedente seria enviada para os principais mercados consumidores.
Veículo: Estado de Minas