Consumo recorde, problema na distribuição e produção baixa ameaçam desabastecer Norte, Nordeste, Centro-Oeste, MG e RS
Ministério de Minas e Energia, distribuidoras, produtores de álcool e ANP tentam traçar plano emergencial
Para evitar o desabastecimento, ou atenuá-lo, o governo federal já começou a traçar um plano de emergência, que envolve a ampliação da capacidade de transporte e de armazenamento.
As reuniões tiveram início em outubro, com técnicos do Ministério de Minas e Energia, Agência Nacional do Petróleo, Petrobras e representantes das distribuidoras e dos produtores de etanol.
"Há uma grande preocupação com o curto prazo. O governo já sabe que será preciso um forte ajuste entre Petrobras e distribuidoras para que não ocorram problemas no fim do ano", diz Antônio de Pádua Rodrigues, presidente da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), que participa das reuniões.
Segundo avaliação do grupo, as regiões mais ameaçadas são o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste, além de Minas e Rio Grande do Sul.
A perspectiva de colapso se deve a três fatores: 1) o consumo recorde de gasolina, que, em 2012, pela primeira vez passará de 30 bilhões de litros; 2) a falta de capacidade interna de produção; e 3) problemas de infraestrutura de armazenagem e distribuição.
No fim do ano esse problema se agrava porque, historicamente, o consumo nos meses de novembro e dezembro é cerca de 10% superior à média registrada nos bimestres anteriores.
Para acompanhar a alta da demanda interna, a Petrobras vem importando cada vez mais gasolina. Até setembro, foram 2,4 bilhões de litros, quase o triplo do registrado no mesmo período de 2011, segundo cálculos do Centro Brasileiro de Infraestrutura.
A importação torna a distribuição mais complexa. O transporte da gasolina por navios, já sujeito a intempéries, sofre com a falta de infraestrutura dos portos, hoje sem espaço para atracação e armazenamentos.
PELO MAR
Pará, Amapá, Maranhão, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte são os Estados mais vulneráveis. Quase todo o combustível que abastece os consumidores desses locais chega pelo mar.
Em outubro, o Amapá ficou sem gasolina. O Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos do Pará relata que houve, também, problemas de abastecimento em Belém, além de cidades do Amazonas e do Piauí.
"A coisa está bem torta aqui", diz Eurico Santos, presidente da entidade.
Para o sindicato, o número de caminhões-tanque não deu conta do aumento rápido do consumo. Além disso, os terminais que recebem combustível reduziram investimentos em ampliação porque estão com contratos provisórios, o que dificulta o acesso ao crédito.
PRODUÇÃO
A Petrobras se empenha para produzir mais gasolina e amenizar o problema. Na apresentação dos resultados do terceiro trimestre, afirmou que suas refinarias já atingiram 98% da capacidade.
Em algumas regiões, no entanto, já há um esgotamento da capacidade de produção.
É o caso da Regap, refinaria em Betim (MG). Para abastecer os postos de parte de Minas Gerais e do Centro-Oeste, ela passou a redistribuir combustível de outras unidades. Atrasos e a falta de caminhões podem levar a interrupções da distribuição.
O mesmo acontece no Rio Grande do Sul, outro Estado que teve crise de abastecimento no mês passado. A refinaria Refap, em Canoas, está com problemas de produção para atender à gasolina demandada. Com isso, passou a buscar combustível no Paraná e parte precisou ser importada, entrando no país via porto do Rio Grande.
O Sindicom (Sindicato dos Distribuidores de Combustíveis), que tem assento nas reuniões com o governo federal, informou que o plano de contingência deverá ampliar o número de caminhões e a capacidade dos tanques de armazenagem.
Os encontros entre governo e o setor serão permanentes até o fim do ano. "Estamos nos empenhando para evitar os problemas", disse Alísio Vaz, presidente do Sindicom.
Procurada pela Folha, a Petrobras afirmou que não iria comentar a questão. O Ministério de Minas e Energia foi procurado no fim da tarde de quinta-feira e, até o fechamento desta edição, não havia dado resposta.
Importação de gasolina pode chegar a 20%
O Brasil terá de importar quase 20% da gasolina que consome em cinco anos, caso a produção nacional não se amplie e a oferta de etanol continue restrita. É o que mostra estudo feito a pedido da Folha pelo Grupo de Economia de Energia da UFRJ.
Isso significa que, em 2017, o volume de gasolina trazido do exterior praticamente dobrará em relação a 2012, chegando a 7 bilhões de litros.
A estimativa é que 12% da gasolina consumida no país venha do exterior neste ano.
Os pesquisadores consideraram um crescimento do PIB de 4,5% a partir de 2013.
"Além de prejuízo para a Petrobras, que terá de arcar com a importação, pode haver impacto na balança comercial", diz o pesquisador Luciano Losekann, que conduziu o estudo.
Até 2009, o país era praticamente autossuficiente em gasolina. O aumento da frota de veículos, que cresceu 25% desde então, e a crise do setor de etanol fizeram a situação de conforto mudar.
A capacidade nacional de produção do combustível, no entanto, deve permanecer estagnada nos próximos anos. Segundo a Petrobras, há apenas reformas previstas nas refinarias. Os novos projetos são para produzir diesel.
A Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) diz que, apesar da retomada da produção de etanol prevista para o ano que vem, não deve haver mudança significativa no cenário antes de 2017.
"Uma nova usina leva quatro anos para ficar pronta", afirma Antônio Rodrigues, presidente da entidade.
O aumento da importação de gasolina traz à tona as limitações de infraestrutura.
A capacidade dos tanques para armazenar os derivados de petróleo fora das refinarias, por exemplo, cresceu só 11% desde 2007, ante 89% de aumento nas importações de combustíveis no período.
Para evitar um apagão no abastecimento, serão necessários ao menos R$ 130 bilhões em investimentos em infraestrutura de transportes, portos e tanques até o fim da década, de acordo com pesquisa do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo) e do Instituto Ilos, que estuda cadeias logísticas.
Veículo: Folha de S.Paulo