Consumo cai e sul da Europa terá Natal austero

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O Natal será sombrio este ano em todo o sul da Europa, a região mais atingida pela crise da dívida da zona do euro, com muitas famílias enfrentando dificuldades até mesmo para preparar uma pequena festa para seus filhos.

De Lisboa a Atenas, as luzes do Natal estão fracas, as compras de presentes caíram e as famílias, abatidas, estão amarguradas com os efeitos de três anos de crise.

Esses efeitos, mais agudos no sul da Europa, se refletem em dados sobre a baixa disposição do consumidor para gastar. Ontem, a Comissão Europeia informou que, nos 17 países que compõem a região do euro, atingiu - 26,6 pontos em dezembro, contra -26,9 pontos no mês anterior. A média histórica do indicador, medido desde 1990, para este mês é de - 13 pontos. Em dezembro de 2011, ficou em 21,3.

As piores condições são as observadas na Grécia, o país que desencadeou a crise da dívida no início de 2010 e que teve de engolir aumentos de impostos e reduções dos gastos públicos radicais em troca de ajuda internacional.

"Vai ser difícil. Não temos condições financeiras de manter o aquecimento ligado, por isso vamos ficar em casa enrolados em cobertores", disse o vendedor de computadores desempregado Polihronis Sotiriou, de 46 anos, cuja família atualmente luta para se sustentar só com o salário de sua esposa, professora.

"É claro que teremos uma ceia em família, mas certamente não comeremos carne este ano", disse ele. Comparando a situação ao período de ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial, acrescentou: "Sei por meus pais, que viveram durante a ocupação, que este ano está tão ruim quanto naquela época. Se não pior."

O sentimento é semelhante em Portugal, que, a exemplo da Grécia, está sendo mantido por um pacote de socorro financeiro internacional e está atolado em sua pior recessão dos últimos 40 anos.

"Se chegarmos a trocar presentes, será coisa bem barata, talvez simples artigos de primeira necessidade", disse a faxineira Agneia de Sothe, de 48 anos, residente em Lisboa.

A Itália, a terceira maior economia da zona do euro, abalou os nervos dos investidores devido a uma crise política e à incerteza sobre o desfecho de eleições agendadas para fevereiro. Mas as significativas altas de impostos e reduções de gastos públicos impostas pelo premiê tecnocrata Mario Monti já causaram grande sofrimento. As vendas no varejo na Itália caíram 1% em outubro ante setembro, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas do país (Istat), quarta queda mensal consecutiva. Contra outubro de 2011, as vendas recuaram 3,8%. O pagamento da última parcela de um odiado imposto imobiliário, por exemplo, zerou as poupanças pouco antes do Natal.

"Não vou comprar presentes neste ano. Nenhum, só para as crianças. No ano passado comprei presentes para todos, amigos e família", disse a funcionária pública Nadia di Santo, 38, numa área comercial no norte de Roma. "Armei a árvore, mas estou usando as mesmas decorações que no ano passado. Vou pensar em alguma coisa para a ceia de Natal."

As coisas também vão mal na Espanha, a quarta maior economia da zona do euro, alvo de previsões, em amplos círculos, de que será o próximo país a receber um pacote de socorro financeiro. Aqui, no entanto, a solidez das redes familiares e das tradições das dádivas cristãs está levando muitas pessoas a comprar presentes apesar da situação de aperto.

A faculdade de administração de empresas ESADE de Barcelona disse que a família média espanhola vai gastar 650 euros no total, neste Natal - mais que as famílias de muitos países europeus mais ricos do norte. Essa cifra, mesmo assim, é 40% inferior à de 2007.

Na empresa de auditoria e contabilidade Deloitte, que realiza sua pesquisa anual de consumo no Natal, Victoria Larroy disse: "Houve uma grande queda nos gastos do Natal, mas a tradição também pesa. A Espanha ainda é o quinto país europeu em que mais se gasta, e isso por motivos culturais. Nas duas pontas do espectro o motivo das pessoas é o mesmo", disse Larroy. "Os que pretendem gastar mais dizem que o ano que vem vai ser tão difícil que eles querem se divertir um pouco e esquecer as preocupações do dia a dia. E os que não querem gastar dizem que é porque não podem esquecer a crise."

O professor de marketing Jaime Castello, da ESADE, disse que 25% dos consumidores espanhóis, os mais atingidos por uma crise que tirou o emprego de um em cada quatro trabalhadores, vão gastar menos de metade da média nacional em presentes e diversões de Natal.

"Para esse grupo, a coisa mais importante é comprar comida boa e dar presentes às crianças. Eles vão cortar todo o resto e não vão sair para comer fora com amigos", disse ele. "Tudo se concentrará na família."

Os sinais de um Natal frugal são nítidos nas ruas de Madri, onde as lojas estão incomumente pouco movimentadas e as decorações foram reduzidas. "Estávamos vendendo o triplo nesta época do ano passado", disse Jesús Cerelo, de 30 anos, açougueiro de um mercado de bairro numa zona residencial da capital espanhola chamada Prosperidad.

Vassilis Korkidis, diretor da federação do varejo grega ESEE, previa que os gregos gastarão, em média, de 15 a 20 euros em presentes, em comparação aos 40 euros do ano passado.

"A família é muito importante para nós, gregos, por isso a pior coisa é você não conseguir sustentá-la", disse o aposentado de 70 anos Nikos Tsakos. Dois de seus três filhos, de 30 e poucos e 40 e poucos anos, estão desempregados e ele tem duas netas pequenas.

"Às vezes minha esposa e eu choramos quando percebemos que não vamos conseguir comprar brinquedos para as meninas este ano", disse Tsakos. "Reduzimos tudo - decorações, comida. Como se pode comemorar quando as coisas vão tão mal?". Ioanna Georgiou, de 59 anos, professora do ensino fundamental cujo salário foi reduzido, condenou os políticos gregos por deixar o país de joelhos: "Eles estão sugando nosso sangue", disse ela enquanto olhava as vitrines perto da Praça Syntagma, no centro de Atenas. A praça, à frente do Parlamento grego, costumava ostentar a maior árvore de Natal da Europa, mas agora está decorada apenas com algumas luzes.

Milhares de pequenas empresas faliram na pior crise econômica desde a Segunda Guerra Mundial, e longas fileiras de lojas estão fechadas ou à venda nas ruas pavimentadas de pedra da cidade.

Um em cada quatro gregos está desempregado e a disparada do custo do combustível obrigou muitos a usar fogões a lenha para se manter aquecidos neste inverno, enquanto outros não têm absolutamente qualquer aquecimento.

As ruas de Portugal, também, estão mais escuras, uma vez que as cidades reduziram a iluminação do período de festas. Recente pesquisa mostrou que os portugueses preveem gastar 35% menos em presentes neste Natal. Jaquelina Justino, de 38 anos, que perdeu seu emprego de motorista de ônibus no ano passado, trabalha numa banca na estação de metrô do centro de Lisboa vendendo pulseiras de relógio a 5 euros cada e decorações de Natal para levantar recursos para os sem-teto.

"Este ano dá para ver que as pessoas não estão muito inclinadas a comprar presentes, apesar de ser Natal", disse ela. "Algumas viram a cara, a maioria diz que não tem condições de comprar presentes."



Veículo: Valor Econômico



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