Muito perecíveis, as frutas selvagens brasileiras raramente chegam in natura aos mercados do Sudeste; apesar da dificuldade, elas são cada vez mais utilizadas pelos chefs
Você sabe o que é grumixama? E uvaia? Murici? Não?
Não é de espantar. São frutas nativas do Brasil, extremamente perecíveis, que raramente chegam ao mercado da região sudeste para consumo in natura.
Essa dificuldade, porém, não impediu que essas frutinhas de sabores particulares, que perfumam receitas doces e salgadas, despertassem o interesse dos chefs. Elas surgem também como tema de livros recém-publicados.
Tê-las à mesa não é um caminho simples. "É muito difícil domesticar uma fruta selvagem", diz o engenheiro agrônomo e especialista no assunto Harri Lorenzi.
Fresquinhas, no mercado paulistano, quase não se acha. A Folha entrou em contato com dez hortifrútis em São Paulo em busca dessas frutas selvagens.
A grumixama, por exemplo, ninguém conhecia.
Apenas cinco locais entre os pesquisados vendem umbu, uma fruta do sertão nordestino, mais resistente que as demais. O preço também é elevado: na mesma barraca do Mercado Municipal de São Paulo, a Pomar do Campo, o quilo de umbu vale R$ 29 enquanto o de laranja, R$ 9,90.
"A jabuticaba é a mais antiga do país e nunca decolou como planta cultivada", conta Lorenzi. Isso exige aperfeiçoamento genético para que fiquem mais resistentes e investimento em tecnologia de colheita e armazenamento, além, é claro, de um razoável mercado consumidor.
Nada disso, no entanto, existe, por ora. "Essas frutas devem ser colhidas do pé e imediatamente congeladas", explica Lorenzi. As mais delicadas -o umbu é uma exceção- não resistem ao manuseio e ao transporte.
Como chegam, então, aos restaurantes de São Paulo e do Rio? Em geral, por meio de pequenos produtores que as vendem como polpa.
A partir daí, tornam-se doces, sorvetes e geleias nas mãos dos chefs.
Na mira dos chefs
Chef do Dui, em São Paulo, Bel Coelho tem adoração pelo bacuri por seu perfume e sua acidez; já Roland Villard, do carioca Le Pré Catelan, prefere o pequenino murici, que lembra o queijo parmesão
Dentro de um mês, quem for ao Dui, restaurante da chef Bel Coelho, em São Paulo, poderá dar um passeio pelo universo tropical das frutas brasileiras, provando a sobremesa batizada por ela de Zona da Mata.
Da grumixama à uvaia, do umbu ao bacuri, do cajá à pitanga, Bel deu uma volta completa no "pomar" que se espalha Brasil adentro.
"São sabores muito ricos para trabalharmos", diz Bel, que sempre pesquisa frutas em suas viagens.
Além disso, o seu fornecedor cativo, o Sítio do Bello, em Paraibuna, no interior paulista, apresenta a ela regularmente as boas-novas.
A chef revela paixão pelo bacuri, por seu perfume e por sua acidez.
O carioca Felipe Bronze, sócio do premiado Oro, no Rio, também explora bastante as frutas em seu moderno menu brasileiro.
Bronze conta que há sempre "umas 15 frutas circulando pelo cardápio". Suas apostas mais recentes são semelhantes às de Bel: grumixama, uvaia e açaí-branco. Com este último, ele criou um purê. "Sua cor é esverdeada e tem a textura parecida com a do abacate", descreve.
Ainda no Rio, o chef francês Roland Villard, do Le Pré Catelan, anda encantado com o murici. De acordo com ele, a fruta -pequenina, amarela e ligeiramente oleosa- lembra o queijo parmesão e pode ser usada para doces, sucos e sorvetes.
Villard criou um "granité" (semelhante a um "frozen"), que está no menu de seu restaurante, em Copacabana.
Ele guarda uma história curiosa com a fruta. Quando recebeu o consagrado chef italiano Massimo Bottura no Le Pré Catelan, Villard serviu um sorvete de murici sem dizer o que era.
Bottura garantiu que tinha parmesão ali. Quando Villard contou que era uma fruta, ele quis levar quilos para a Itália.
DO POMAR PARA A MESA
O movimento entusiasmado em torno das frutas não acontece só nas mesas do Sudeste, onde, aliás, é mais difícil encontrá-las frescas.
Os melhores chefs viajam pelo país para pesquisá-las e, geralmente, têm fornecedores locais, atentos à sazonalidade. O Norte e o Nordeste oferecem a matéria-prima com muito mais facilidade.
O chef baiano Beto Pimentel, do Paraíso Tropical, em Salvador, tornou-se conhecido por cultivar em sua fazenda, no Recôncavo Baiano, 28 mil pés de fruta.
Só o pomar de seu restaurante tem 121 espécies, que saem do pé diretamente para as suas receitas.
Pimentel, adepto de uma cozinha baiana mais leve, não usa o azeite de dendê nas moquecas, mas, sim, a massa do próprio fruto.
Com isso, o chef confere mais leveza ao prato.
Conheças algumas frutas brasileiras e suas principais características
BACURI
Muito encontrado na Amazônia, tem casca com cor que vai do verde ao amarelado. Sua polpa tem sabor ácido, porém agradável
CAJÁ
Tem formato esférico ou oval. Sua polpa, um pouco fibrosa, é doce e ácida. Pode ser consumido fresco ou em suco
GRUMIXAMA
Pequenina, tem sabor adocicado e ácido. Da mesma família da jabuticaba e da uvaia, pode ser ingrediente para sorvetes, geleias e chutneys
MURICI
Famosa no Maranhão e no Piauí, tem sabor acidulado que lembra queijo. Não se aconselha a misturá-la a outros ingredientes, salvo água e leite
UMBU
Suculento, vem do sertão nordestino. Da família do cajá e do caju, é usado na confecção de doces como a umbuzada (creme)
UVAIA
De cor alaranjada e acidez acentuada, fruta típica da mata atlântica, própria para sorvetes, bolos, musses e pudins
Veículo: Folha de S.Paulo