Renda menor e web abalam o varejo de rua

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Consumidor britânico prefere comprar em supermercados e reduz visitas ao centro da cidade

 

As vitrines estão vazias na Past Times, uma loja que já vendeu presentes de inspiração histórica na principal rua comercial de Preston. Hoje, a loja está fechada, as prateleiras foram desmontadas e uma placa com a inscrição "Victorian" (Vitoriano) está caída sobre o balcão onde antes ficava a caixa registradora.

O passado está se desintegrando em grande parte do setor varejista britânico. Em uma declaração que ficou famosa, Napoleão chamou a Inglaterra de uma nação de lojistas, mas hoje a ascensão das compras on-line, uma recessão de duplo mergulho e outros fatores provocaram uma série de falências, ameaçando as ruas comerciais mais movimentadas que durante séculos sustentaram as cidades do país.

O problema não está limitado à Past Times. O distrito comercial de Preston também mostra frentes vazias de lojas de três redes britânicas de tamanhos consideráveis, que se tornaram insolventes no último ano: a loja de vinhos Oddbins, a vendedora de câmeras fotográficas Jessops e a rede de artigos esportivos JJB Sports. No total, o Reino Unido registrou 194 falências no setor varejista em 2012, um aumento de 6% sobre 2011 e de 16% sobre 2010, segundo a Deloitte. Em outras partes do Reino Unido, a rede de lojas de discos HMV e o braço de locação de DVDs da Blockbuster encontram-se em situação falimentar.

Em muitos casos, as áreas centrais das cidades estão sofrendo mais. "Tudo está contra o centro da cidade", diz Alan Sharp, dono da joalheria Isis Jewellers, que funciona no centro de Preston há mais de duas décadas. Ele diz ser assustador pensar na aparência que as regiões centrais de cidades como Preston, que tem 135 mil habitantes, poderão ter em cinco a dez anos se a trajetória atual persistir.

O comércio varejista já respondeu por uma grande parte do crescimento do Reino Unido, proporcionando o maior número de empregos fora do setor público e respondendo por mais de 5% do PIB. Mas as vendas estão praticamente estagnadas desde 2008. A quantidade de produtos vendidos em janeiro caiu 0,6% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto que o valor dos produtos vendidos caiu 0,4% em média, segundo o Office of National Statistics. O tráfego de pessoas nas lojas britânicas foi 4,6% menor em janeiro em comparação ao mesmo período de 2012, embora essa queda tenha se devido em parte às nevascas que caíram sobre o país no período.

O maior problema: o poder de compra dos britânicos caiu acentuadamente desde os dias que antecederam a recessão. Os britânicos estão ganhando cerca de 18% menos hoje do que em 2007, um aperto resultante do fato de a inflação ter crescido mais que os salários durante anos. Em comparação, os americanos no geral estão se segurando. Até outubro do ano passado eles estavam ganhando em média 0,5% a mais por semana do que ganhavam em 2007, em relação aos preços dos bens de consumo.

Além da queda do consumo, o comércio de rua britânico enfrenta um problema estrutural. Os supermercados abriram milhares de novas lojas na última década, incluindo lojas gigantescas nos arredores das grandes cidades que vendem de tudo, de máquinas de lavar roupa a ovos. Os varejistas da internet vêm tornando as idas ao centro da cidade cada vez mais desnecessárias para os britânicos.

Mas para Terry Leahy, ex-diretor-presidente da Tesco, a maior rede de supermercados do Reino Unido, não se deve culpar os grandes grupos varejistas. Ele disse recentemente, em uma entrevista de rádio, que os consumidores não são forçados a frequentar essas grandes lojas: "Eles escolhem comprar nelas. Parte do comércio de rua é medieval e a maneira como vivemos hoje é muito diferente".

Mesmo assim, o governo britânico vem se mobilizando para salvar o comércio de rua. Para isso recorreu a Mary Portas, uma guru do varejo e apresentadora de um "reality show", conhecida como "Mary Queen of Shops" (Mary Rainha das Lojas). O comércio de rua britânico vive uma crise, disse ela em um relatório divulgado no fim de 2011. Grande parte do Reino Unido vai perder "de uma maneira irreparável, algo que é fundamental para a nossa sociedade", alertou ela.

As propostas de Mary Portas - estacionamento grátis nas vias públicas, redução de impostos para as lojas menores e revisão nas estruturas de locação - foram apresentadas junto a avaliações isentas sobre o futuro do setor.

O Reino Unido simplesmente não precisa de tantas lojas na era do comércio on-line, disse ela, observando que muitos comerciantes caíram vítimas de sua própria inflexibilidade e mediocridade.

O primeiro-ministro David Cameron, em 2012, encarregou Mary Portas de testar suas ideias em "cidades-piloto" espalhadas pelo país. Ele autorizou um "Fundo de Inovação para o Comércio de Rua" de 10 milhões de libras (US$ 15 milhões), para os centros de cidades dilapidados; destinou 500 mil libras em empréstimos para novos "Distritos de Melhoria dos Negócios"; e estabeleceu um fundo de 1 milhão de libras para recompensar cidades bem-sucedidas na revitalização de seus centros.

Os críticos afirmam tratar-se de iniciativas de fachada em uma economia que corre o risco de mergulhar na terceira recessão em quatro anos. "Não fará nenhuma diferença", diz Matthew McEachran, analista de varejo da Singer Capital Markets de Londres. "A realidade é que metade das ideias não é nova... e a outra metade é inútil."

Preston pediu para ser uma das cidades-piloto de Portas, mas foi rejeitada. A recusa foi anunciada poucos meses após o fracasso de uma planejada restauração de 700 milhões de libras do centro da cidade, por causa do cenário econômico ruim.

John Crellin, diretor de planejamento do centro de Preston, diz que a cidade está empenhada em outros esforços, como a transformação da principal rua comercial em um shopping a céu aberto e a revitalização de dois mercados ao ar livre da era vitoriana.

A taxa de desocupação das lojas de Preston chegou a 25% no primeiro semestre de 2012, em relação a 8% no mesmo período de 2008, segundo a Local Data, uma companhia britânica que monitora o número de lojas vazias.

Alguns comerciantes estão presos ao passado. A maioria das lojas da High Street, por exemplo, fecha às 17h30. Andrew Stringer, gerente-geral do St. George's Shopping Centre, está liderando um esforço para convencer as lojas a permanecerem abertas até as 19h. "Precisamos nos adaptar", justifica ele.

A cidade já recebeu 100 mil libras do fundo de inovação, mas ainda não decidiu como vai usar esse dinheiro. Algumas cidades têm usado esses recursos para aliviar os impostos de ocupação das lojas - que as lojas on-line não precisam pagar.

Atrelados ao Índice de Preços no Varejo britânico, os tributos cobrados aumentaram 4,6% e 5,6% em 2011 e 2012, respectivamente, e devem aumentar mais 2,6% em abril deste ano.

Os comerciantes estão desesperados e dizem que não resta muita coisa mais para atrair o consumidor de volta ao comércio de rua. As lojas independentes são as que estão caindo mais rapidamente, restando com isso as redes nacionais, que podem ser encontradas em todos os lugares, dando aos consumidores poucos motivos para escolher o centro da cidade em detrimento de uma loja perto de casa.

"Eles ficaram descaracterizados - os centros das cidades", diz Clarke Steele, gerente da Helewell Menswear, loja de roupas masculinas que funciona há 107 anos no centro de Preston. Ele diz que as iniciativas da prefeitura poderão ajudar, mas está cético quanto ao impacto de longo prazo. "Basicamente é a mesma coisa que tentar tapar o sol com uma peneira."




Veículo: Valor Econômico


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