Capacidade do Brasil é de apenas 80% da safra agrícola. Para atender 100% da demanda, seria necessário investir R$ 15 bilhões
O caos logístico verificado neste início da safra agrícola poderia ser amenizado se o Brasil tivesse mais armazéns para estocar os grãos. Na média, a capacidade do País é suficiente para apenas 80% da safra. Pior: representa só 67% do nível recomendado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) - que é de 1,2 vez a produção anual.
Especialistas calculam que, para atender 100% da safra, seria necessário investir cerca de R$ 15 bilhões - bem abaixo dos R$ 133 bilhões previstos para ferrovias e rodovias.
Sem armazéns, a colheita rapidamente é transferida para os caminhões que seguem, ao mesmo tempo, para os portos do Sul e Sudeste. O problema é que a infraestrutura rodoviária e ferroviária - sabidamente precária - não suporta o aumento do fluxo de veículos. O problema ficou ainda mais grave com a supersafra agrícola. Na falta de armazéns, os caminhões viram silos ambulantes e comprometem a competitividade do País.
Especialistas avaliam que, sozinhos, os armazéns não resolvem todos os problemas logísticos, mas aliviam - no curto e médio prazos - a situação caótica instalada no País. Os investimentos em ferrovias, rodovias e portos, essenciais para elevar a capacidade de escoamento de grãos, vão levar no mínimo de três a quatro safras para começar a surtir algum efeito positivo.
O governo federal tem sido alertado para os benefícios de apostar no aumento da capacidade dos armazéns, mas só agora parece ter acordado para o problema. A expectativa é de que, nos próximos dias, seja lançado um pacote para financiar a construção de armazéns em todo o Brasil. A linha deve englobar todas as fases da construção, desde a obra civil até a compra de equipamentos. Procurado, o Ministério da Agricultura não quis se pronunciar sobre o assunto.
"Esse era um pleito antigo dos produtores", afirma o gerente de Planejamento da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), Cid Sanches. Na avaliação dele, com mais armazéns, a produção poderá ficar um tempo a mais nas mãos dos agricultores ou das cooperativas.
Além disso, vai evitar prejuízos com a padronização da qualidade do produto, que precisa obedecer requisitos estabelecidos pelas tradings. "Se o grão não estiver na condição estipulada pelos compradores, eles descontam do produtor."
Embora, na média, a capacidade de armazenamento do País seja de 80%, a distribuição entre as regiões é desigual. No Centro-Oeste, principal área de produção de soja, a capacidade de armazenamento é de 67% da safra. Em Mato Grosso, maior produtor do Brasil, o nível é ainda menor: de 65%.
O sócio da Agroconsult André Debastiani explica que parte significativa dos armazéns está localizada nos portos e zonas urbanas. Segundo ele, aqui apenas 14% da capacidade está na fazenda, enquanto nos EUA o porcentual é da ordem de 40%.
O consultor explica que os produtores sempre entenderam a importância de construir armazéns em suas fazendas, mas havia outras prioridades. Os investimentos eram destinados à ampliação da área plantada, compra de sementes, defensivos e fertilizantes, máquinas e equipamentos. "Esses itens sempre vieram antes até porque as linhas de crédito eram mais acessíveis. Para armazenagem, o crédito era mais complexo."
Na opinião dele, de todos os investimentos necessários para eliminar o caos logístico, o único que surtiria algum efeito na próxima safra é a construção de armazéns. "Com mais silos, o produtor pode sequenciar melhor o escoamento dos grãos e organizar a exportação dos produtos. Além disso, vai gastar menos com o custo dos congestionamentos dos caminhões."
O professor da Fundação Dom Cabral Paulo Resende vai além. Na avaliação dele, com mais capacidade de armazenamento, o produtor ganhará mais poder na formação de preço. "Há um efeito positivo na cadeia de suprimento, uma vez que não é necessário desovar rapidamente a produção." Ele conta que, nos EUA, a armazenagem de grãos é tratada de forma estratégica, já que eles regulam o preço no mercado mundial.
Resende atribui o problema à falta de informação conceitual dos planejadores e órgãos públicos. Até hoje, as linhas de crédito criadas para elevar a capacidade de armazenamento eram limitadas e poucos olhavam com mais cuidado para toda a cadeia. Nos EUA, China e Europa, diz ele, a indústria trabalha com logística integrada há anos. Aqui esse conceito praticamente não existe.
Veículo: O Estado de S.Paulo