Feita artesanalmente, farinha de copioba busca selo de origem

Leia em 3min 10s

Nazaré das Farinhas (BA) - Ainda noite, a caminhonete do agricultor Edmundo Santana cruza a ponte sobre o rio Jaguaripe e chega à feira de Nazaré das Farinhas. É sábado e ele vai vender os quatro sacos da copioba torrada na véspera, em mutirão de parentes e vizinhos, no forno rudimentar de uma casa de farinha na zona rural da cidade, no Vale da Copioba.

Considerada uma das melhores farinhas do Brasil, a Embrapa e a Universidade Federal da Bahia finalizam as pesquisas de campo que vão comprovar a “notoriedade” do saber fazer o produto e subsidiar a “indicação de procedência”, um instrumento da Lei de Propriedade Intelectual, que os produtores querem solicitar ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) este ano.

A farinha de mandioca produzida tradicionalmente no Vale do Copioba é muito fina, bem torrada e tem um paladar diferenciado, sem qualquer acidez, o que é resultado, entre outros fatores, da rapidez com que é produzida.

A mandioca, de preferência com um ano e meio de plantada, é, num único dia, colhida, descascada, ralada e colocada na prensa. Na manhã seguinte se inicia a torra, sem tempo para a massa fermentar. A torragem, mexendo sempre em alguidares de barro sobre fogo de lenha, deve ter a temperatura controlada para a granulação ideal. Finalmente, a peneira. E só o que passar vai para mesa.

Êxodo rural ameaça a fabricação do produto

Edmundo Santana pertence a uma reverenciada linhagem de farinheiros do Vale da Copioba. Aprendeu a ciência e a arte com o pai, com o avô, o bisavô, como ocorreu com incontáveis gerações. Os filhos Eliane e Emilson, de 13 e 15 anos, parecem indiferentes. O agricultor meio lamenta, meio aprova.

— Eles já sabem fazer, me ajudam e seria bom se tomassem conta da terrinha e da casa de farinha quando eu não puder mais. Mas eles têm estudo, querem vida melhor.

A história de Edmundo é a mesma de outros pouco mais de cem produtores, que aprenderam e guardam os segredos da que é considerada uma das melhores farinhas do país. Um saber que corre sério risco de extinção em consequência do êxodo rural, especialmente dos jovens. Uma morte anunciada que os “antigos”, com o apoio da Embrapa e da Universidade Federal da Bahia, tentam evitar.

A casa de farinha de Antonio Veríssimo — considerado o melhor entre os melhores farinheiros — está parada. Morto há três anos, ele deixou a terra, o nome e os conhecimentos para os filhos. Um deles, Edilson, de 34 anos, chegou a representar o Brasil no Salone Internazionale Del Gusto, na Itália, em 2012. Mas trocou tudo para ser motorista de ônibus na Prefeitura.

— Eles são como todos os jovens: querem dinheiro no bolso e reconhecimento social. Isso é o que ações como essa, da indicação de procedência, tentam garantir. Senão, daqui a dez anos, não vai mais existir farinha de copioba — diz Francisco Alves, da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola.

Brasil tem 33 selos de origem

Com a indicação de procedência, o Estado reconhece um saber cultural tradicional como patrimônio pertencente a determinadas comunidades. E a copioba será uma marca, com logotipo e certificação.

— A indicação da origem geográfica se configura como um bem e agrega valor econômico a produtos e serviços de todos aqueles estabelecidos no local — explica Chang Wilches, coordenador de Propriedade Intelectual da Secretaria de Negócios da Embrapa.

A criação do selo de origem dará à farinha de copioba o status dos itens de uma seleta lista de 33 produtos nacionais e sete estrangeiros, como o champanhe, que o Brasil reconhece por acordos internacionais, como de origem geográfica identificada. Ou seja, só podem levar o nome produtos feitos comprovadamente naquelas localidades e da maneira tradicional. Disso se espera a valorização econômica da copioba e o reconhecimento social e cultural dos agricultores que a fabricam. (Lúcia Leão)




Veículo: O Globo - RJ


Veja também

Comércio elimina 141 mil postos de trabalho de janeiro a fevereiro

O comércio eliminou 141 mil postos de trabalho na passagem de janeiro para fevereiro, de acordo com a Pesquisa Me...

Veja mais
Falta de armazéns agrava caos logístico

Capacidade do Brasil é de apenas 80% da safra agrícola. Para atender 100% da demanda, seria necessá...

Veja mais
Prejuízo constante ameaça setor de leite

Receita de produtores está abaixo do custo em seis Estados; maioria das indústrias enfrenta alto endividam...

Veja mais
Mercado de beleza cresce 15,62% em 2012; importações começam a preocupar

O setor de produtos de beleza e higiene teve alta de 15,62% no ano passado, segundo dados da Abihpec (Associaç&at...

Veja mais
Produto funcional é mais caro e vende mais

Margarina que ajuda a controlar o colesterol; iogurte para regular o intestino; água que melhora a vitalidade da ...

Veja mais
Shopping popular é oportunidade para lojistas iniciantes

Os shopping centers populares, com foco na classe C, se tornaram alternativa de investimento para os pequenos e mé...

Veja mais
Proteína é a palavra que ajuda a atrair o consumidor

Quando a General Mills quis introduzir duas novas barras de cereais na sua linha de lanches, ela escolheu a mesma palavr...

Veja mais
Assembleia da BRF ainda tem espaço para surpresas

Há espaço para emoções de última hora na assembleia da gigante de alimentos BRF na qu...

Veja mais
Americanos têm interesse em cota do Brasil para trigo

Os Estados Unidos, maiores exportadores de trigo do mundo, sinalizam interesse em se beneficiar da cota de importa&ccedi...

Veja mais