Nazaré das Farinhas (BA) - Ainda noite, a caminhonete do agricultor Edmundo Santana cruza a ponte sobre o rio Jaguaripe e chega à feira de Nazaré das Farinhas. É sábado e ele vai vender os quatro sacos da copioba torrada na véspera, em mutirão de parentes e vizinhos, no forno rudimentar de uma casa de farinha na zona rural da cidade, no Vale da Copioba.
Considerada uma das melhores farinhas do Brasil, a Embrapa e a Universidade Federal da Bahia finalizam as pesquisas de campo que vão comprovar a “notoriedade” do saber fazer o produto e subsidiar a “indicação de procedência”, um instrumento da Lei de Propriedade Intelectual, que os produtores querem solicitar ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) este ano.
A farinha de mandioca produzida tradicionalmente no Vale do Copioba é muito fina, bem torrada e tem um paladar diferenciado, sem qualquer acidez, o que é resultado, entre outros fatores, da rapidez com que é produzida.
A mandioca, de preferência com um ano e meio de plantada, é, num único dia, colhida, descascada, ralada e colocada na prensa. Na manhã seguinte se inicia a torra, sem tempo para a massa fermentar. A torragem, mexendo sempre em alguidares de barro sobre fogo de lenha, deve ter a temperatura controlada para a granulação ideal. Finalmente, a peneira. E só o que passar vai para mesa.
Êxodo rural ameaça a fabricação do produto
Edmundo Santana pertence a uma reverenciada linhagem de farinheiros do Vale da Copioba. Aprendeu a ciência e a arte com o pai, com o avô, o bisavô, como ocorreu com incontáveis gerações. Os filhos Eliane e Emilson, de 13 e 15 anos, parecem indiferentes. O agricultor meio lamenta, meio aprova.
— Eles já sabem fazer, me ajudam e seria bom se tomassem conta da terrinha e da casa de farinha quando eu não puder mais. Mas eles têm estudo, querem vida melhor.
A história de Edmundo é a mesma de outros pouco mais de cem produtores, que aprenderam e guardam os segredos da que é considerada uma das melhores farinhas do país. Um saber que corre sério risco de extinção em consequência do êxodo rural, especialmente dos jovens. Uma morte anunciada que os “antigos”, com o apoio da Embrapa e da Universidade Federal da Bahia, tentam evitar.
A casa de farinha de Antonio Veríssimo — considerado o melhor entre os melhores farinheiros — está parada. Morto há três anos, ele deixou a terra, o nome e os conhecimentos para os filhos. Um deles, Edilson, de 34 anos, chegou a representar o Brasil no Salone Internazionale Del Gusto, na Itália, em 2012. Mas trocou tudo para ser motorista de ônibus na Prefeitura.
— Eles são como todos os jovens: querem dinheiro no bolso e reconhecimento social. Isso é o que ações como essa, da indicação de procedência, tentam garantir. Senão, daqui a dez anos, não vai mais existir farinha de copioba — diz Francisco Alves, da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola.
Brasil tem 33 selos de origem
Com a indicação de procedência, o Estado reconhece um saber cultural tradicional como patrimônio pertencente a determinadas comunidades. E a copioba será uma marca, com logotipo e certificação.
— A indicação da origem geográfica se configura como um bem e agrega valor econômico a produtos e serviços de todos aqueles estabelecidos no local — explica Chang Wilches, coordenador de Propriedade Intelectual da Secretaria de Negócios da Embrapa.
A criação do selo de origem dará à farinha de copioba o status dos itens de uma seleta lista de 33 produtos nacionais e sete estrangeiros, como o champanhe, que o Brasil reconhece por acordos internacionais, como de origem geográfica identificada. Ou seja, só podem levar o nome produtos feitos comprovadamente naquelas localidades e da maneira tradicional. Disso se espera a valorização econômica da copioba e o reconhecimento social e cultural dos agricultores que a fabricam. (Lúcia Leão)
Veículo: O Globo - RJ