Atraso na entrega de mercadorias prejudica lojistas do Interior do Estado

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Os produtos da Páscoa nem bem deixaram as vitrines e os lojistas já concentram esforços no Dia das Mães. Mas, no interior do Estado, sobretudo nas cidades pequenas, esse comportamento não se traduz apenas na decoração do ponto de venda para a segunda maior data comercial do ano. A questão que preocupa os lojistas é bem mais básica: evitar a repetição das falhas logísticas que costumam deixar as prateleiras vazias nos momentos em que os consumidores estão mais dispostos a comprar.

As medidas vão, além da antecipação das compras e do monitoramento ativo das cargas, da contratação de freteiros e uso do veículo particular para retirar as cargas nos centros de distribuição (CD), embora o transporte seja pago até a loja. Isso acontece porque, mesmo que a entrega contratada tenha um prazo adequado, existem gatilhos que permitem ao transportador adiar a entrega para consolidar a carga no trecho final – entre o último centro de distribuição e a loja. Normalmente, as transportadoras fazem entregas apenas uma ou duas vezes por semana nas cidades menores.

O risco é que nessa espera pela consolidação, passe o momento ideal para a venda. Todos os lojistas têm inúmeros exemplos que ilustram essa situação. “No último Natal, para evitar que esse problema se repetisse, acabei alugando uma Kombi para ir, diariamente, a Uruguaiana buscar as minhas mercadorias. Se dependesse da transportadora, talvez só recebesse depois do dia 25 de dezembro”, diz Antônio Slika, proprietário de lojas de calçados em Quaraí e Bagé. “Claro que não são todas as transportadoras que usam esse sistema de subcontratar e esperar a formação de um volume maior para fazer a entrega na região. Algumas têm entregas diárias. Mas em 95% das nossas compras, o frete é pago pela indústria e não temos como escolher a transportadora. E em geral, as empresas prestam um bom serviço numa região e são ruins em outra. Acredito que a indústria acabe avaliando pela média, o que nos causa problema nas datas comemorativas”, explica o empresário.

Como o sistema de entrega normalmente está baseado em parcerias estratégicas entre transportadoras, o usual é que as cargas deixem a indústria e passem para um centro de distribuição principal, de onde são despachadas para outros centros de distribuição regionais, para, só então, seguirem para o destino final. Como explica o diretor do MBA em Logística da Unisinos, Alex Pipkin, esse sistema, o cross docking, é usado, basicamente, porque nem a indústria, nem o varejo possuem frotas próprias de distribuição e as transportadoras tentam, delegando cada trecho a um parceiro estratégico, reduzir os custos.

Os lojistas observam que, na prática, o sistema traz grandes distorções. Slika conta que cargas despachadas na mesma data, pela mesma indústria de Novo Hamburgo e pela mesma transportadora, chegam a Quaraí até uma semana depois de chegar a Bagé. A diferença acontece basicamente porque Bagé tem um centro de distribuição, para onde as encomendas vão diretamente e Quaraí é atendida pelo CD de Uruguaiana, numa operação posterior.

Já Nilo Freitas, lojista de Caçapava do Sul, observa que calçados mineiros e gaúchos levam o mesmo tempo para chegar à loja. Embora a mercadoria vinda de Minas Gerais rode mais de 1,5 mil quilômetros além da distância que percorre o calçado produzido no Vale do Sinos, ambas as cargas demoram uma semana entre o embarque na fábrica e o desembarque na loja. “Frequentemente, acabo perdendo um ou dois dias no telefone, para conseguir localizar a mercadoria e sensibilizar o fabricante, para, só aí, conseguir que ele pressione o responsável pelo centro de distribuição em Santa Maria a encontrar uma forma alternativa de entrega”, queixa-se Freitas. “Na véspera do Carnaval, levei um dia inteiro para conseguir que uma carga de chinelos fosse despachada pelo ônibus. As caixas chegaram ao CD na quarta-feira e a saída do caminhão para Caçapava é na quinta-feira, mas como o veículo já estava carregado, o transportador pretendia fazer a entrega só na semana seguinte, depois do feriado que motivou a compra da mercadoria”, contou ele. Muitas vezes ele prefere recolher pessoalmente os produtos na cidade vizinha.

Mas o caso mais emblemático dos problemas desse sistema talvez esteja na região de Lajeado. O empresário José Scheidel, que tem loja de calçados e confecção em Cruzeiro do Sul, invariavelmente verifica, pelas datas registradas na nota fiscal, que as mercadorias compradas de uma fábrica de calçados de Santa Clara do Sul rodam uma semana pelos centros de distribuição antes de serem entregues. O detalhe é que Santa Clara do Sul e Cruzeiro do Sul são municípios limítrofes e, entre a fábrica e a loja há pouco mais de 15 quilômetros. “É o sistema de distribuição deles. Até onde consegui entender, a mercadoria passa por um centro de distribuição em Novo Hamburgo e, depois, volta para cá. Como o frete é pago pela indústria, não temos como cobrar da transportadora. Já tentei conversar com a fábrica, mas parece que não tem como mudar”, lamenta o comerciante.


Para Neto, é dificil atender datas comerciais

As falhas na contratação do transporte criam uma “cadeia maléfica”. Essa é a avaliação do presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado (Setcergs), Sérgio Neto. Segundo ele, provavelmente os problemas relatados pelos lojistas são efeitos de contratação mal feita e mal remunerada do transporte pela indústria.

Ele explica que quando contrata, a indústria fecha um acordo com a transportadora e estipula, por contrato, o prazo da entrega, bem como concorda com os gatilhos de extensão do prazo para a consolidação das cargas. Essa empresa contratada, por sua vez, faz novos acordos, com outras transportadoras ou com os centros de distribuição. E esses contratam o elo seguinte da cadeia de distribuição, até a empresa que estiver na ponta final, que efetivamente fará a entrega ao lojista. A consequência é que, quanto mais distante da fábrica, menos margem financeira há para buscar meios alternativos de entrega que atendem as necessidades do varejo.

“O transportador vai usar todo o prazo possível, não tem como ficar ajustando às datas comerciais”, disse Sérgio Neto. Para quem precisa avaliar a questão da urgência da entrega e fazer a contratação de uma entrega especial, se for o caso, é o próprio lojista - mesmo que a mercadoria tenha sido comprada para ser posta à venda às vésperas de determinada data comercial, que a fábrica tenha prometido a entrega em tempo hábil e que o entendimento de que a conclusão do serviço de entrega deva ficar para depois tenha partido da transportadora.

Posição que é repudiada pelo Sindicato da Indústria de Calçados de Novo Hamburgo. A direção da entidade, extraoficialmente, afirmou que o problema nunca foi formalmente registrado pelas empresas associadas, mas que é evidente que a distribuição é um ponto crucial da cadeia produtiva e responsabilidade de todos os envolvidos. O sindicato recomenda aos fabricantes atenção à contratação do transporte e, aos lojistas, cuidado na hora da compra.

Para o vice-presidente de infraestrutura e logística da Federasul e conselheiro de logística da Fiergs, Paulo Renato Menzel, “o Rio Grande do Sul é um estado essencialmente comprador. Compramos muito mais do que vendemos. As transportadoras, hoje, se tornaram especialistas em nichos de mercado, em determinados tipos de produto, e em nichos de região. Há dez ou quinze anos existiam empresas que atendiam o Brasil todo. Agora, elas vendem essa ideia, mas fora da sua região, atuam pela parceria estratégica com outras empresas. A entrega acontece, mas com os problemas relatados”. Para ele, o ajuste das entregas às datas comerciais não passa de um sonho em lento processo de desenvolvimento, porque não há como o lojista penalizar a transportadora (sobretudo quando contratada pela indústria) por atraso na entrega. Os contratos não determinam horários e local para a entrega, nem estipulam punição, como o desconto no frete, para caso de descumprimento.


Custo logístico no Estado chega a 18,8%


O custo da logística no Rio Grande do Sul, com todas as etapas de transbordo e armazenagem, chega a 18,89% do Produto Interno Bruto, segundo um levantamento realizado em maio do ano passado pela Intelog.net, empresa de consultoria do vice-presidente de infraestrutura e logística da Federasul, Paulo Renato Menzel. Ele ressalta que, para um funcionamento ideal da economia, não é recomendado que esse custo ultrapasse os 6%. “Acho que podemos inverter a avaliação do Setcergs e ponderar se o problema do transporte está, realmente, na má contratação feita pela indústria. Afinal, a indústria é o cliente do transportador, que vai até ela vender seu frete. E pode ser que a empresa de logística esteja fazendo isso mal, pois para a indústria não interessa se o serviço é terceirizado, subcontratado. A indústria quer saber a tarifa e o prazo. E o fato é que as empresas transportadoras desmancharam a rede de capilaridade que tinham, por inúmeros motivos”, afirmou Menzel.

Para ele, as estruturas, antes controladas por uma única empresa para atender a todo o Brasil, foram desmembradas em empresas menores, com atuação de nicho, focada em regiões e segmentos específicos. Com isso, as cargas chegam a ser repassadas até cinco vezes na cadeia de subcontratações antes de chegar ao destino final – o que dificulta, inclusive, que o lojista consiga localizar a mercadoria. “Isso é fato”, garante. “Tendo em mente que esse é o tamanho da complicação, podemos avaliar o mais importante, que é o custo logístico”, prossegue. Menzel explica que o custo logístico não é apenas o correspondente ao transporte (cuja inadequação gera, como primeira consequência, o custo alto – visível, por exemplo, na cobrança de R$ 2 mil para levar um contêiner de 40 pés pelos 100 quilômetros que separam Santos de São Paulo, quando a mesma carga paga R$ 3 mil para ser trazida da China).

Segundo Menzel, absurdos desse tipo estão impregnados em toda a economia brasileira e, claro, na cadeia logística. “Logística é o gerenciamento da infraestrutura ou da falta dela. Logística é como a água que desce o morro, mesmo tendo que contornar grandes obstáculos, ela acaba chegando à parte baixa. É o caso do empresário que contrata a Kombi para buscar a mercadoria no CD, embora já tenha o frete pago até a loja. Ele provavelmente dobra o gasto com transporte, perde competitividade, mas garante que o calçado vai estar disponível para os clientes”, afirmou. Para Menzel, essa gestão da falta de infraestrutura empurra o Rio Grande do Sul para fora do mundo globalizado. “Estamos perdendo nosso polo metal-mecânico, que era um dos baluartes da economia do Estado. Desde novembro do ano passado, o custo logístico dentro das nossas fronteiras ficou maior que todos os benefícios que o governo concede para incentivar a instalação das indústrias”, disse ele, ao lembrar que o transporte ganhou uma nova razão para reajustes com a entrada em vigor da Lei dos Caminhoneiros.

“Sou favorável à regulamentação do setor, mas assim como a lei veio, está impossível de ser praticada. E, mesmo que fosse, não há fiscalização. Mas o frete já subiu por conta disso. Porém, o custo de logística é histórico e os porquês são maiores que essa simples lei. Um dos motivos foi o desmanche da estrutura de capilaridade, de entrega nas pontas. Outro é a questão da malha rodoviária gaúcha, temos poucas rodovias. Quando comparamos com o Paraná, vemos que aquele estado é uma complexa teia, todos os municípios têm interligação entre si e não é preciso rodar por uma estrada federal para chegar à cidade vizinha. Aqui não tem isso”, exemplificou ele, ao dizer porque, mesmo trabalhando com centros de distribuição nas cidades polos, as cargas acabam rodando muito antes de chegar ao destino final.



Veículo: Jornal do Comércio - RS


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