Por 210 votos contra e 172 a favor, a Câmara dos Deputados rejeitou na noite de ontem uma emenda aglutinativa do líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), à MP dos Portos. A rejeição representa uma vitória para o Palácio do Planalto, pois a emenda continha um trecho com o qual o governo não concordava.
Tratava-se do dispositivo determinando que a prorrogação antecipada dos contratos de arrendamento posteriores a 1993 (quando entrou em vigor a Lei dos Portos) poderia ocorrer uma única vez e pelo prazo máximo previsto em contrato, desde que sejam realizados investimentos.
O trecho, porém, já era uma segunda versão formulada por Cunha, mais flexível. Na primeira emenda apresentada por ele, tal prorrogação obrigatoriamente seria feita uma única vez, impedindo renovações sucessivas.
A modificação de Cunha foi, portanto, uma tentativa de negociar com o Planalto sua aprovação. Em ambos os casos, contudo, o governo se posicionou contrariamente a esse trecho especificamente.
A rejeição, porém, demonstrou um racha na base. Orientaram a votação a favor da emenda de Cunha as bancadas do PMDB, PSD, PP, PSB, PTB, PSC e PPS. Contra a emenda orientaram PT, PR, PTdoB, PRP, PDT, PCdoB, PV, PRB e PSOL.
Os outros pontos modificados pela emenda eram fruto das concessões feitas pelo governo e negociadas entre o vice-presidente da República, Michel Temer, também presidente nacional do PMDB, e a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann.
Um deles permitia que a União delegasse às administrações estaduais de portos públicos a formulação dos editais e a realização dos procedimentos licitatórios dos terminais. O relatório do senador Eduardo Braga (PMDB-AM) permitia tal possibilidade, mas a critério do poder concedente. A alteração proposta por Cunha deixava a autorização mais clara. Além disso, atendia ao principal pleito do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), que busca manter o controle sobre o porto de Suape.
Outra alteração permitia que, nos contratos de concessão e arrendamento, houvesse a possibilidade de as controvérsias serem dirimidas mediante conciliação e arbitragem, independentemente de já estabelecido o litígio judicial ou administrativo - reivindicação do deputado Luiz Sérgio (PT-RJ).
Além disso, a emenda previa que os limites dos portos públicos poderiam ser ampliados caso fique "justificado o interesse público" e mediante a realização de audiência pública. Era uma reivindicação do deputado Márcio França (PSB-SP). Assim, o governo teve de ceder a Cunha durante as negociações, mas essas concessões não foram aprovadas pelo plenário.
Após a derrota, Cunha começou a articular o prolongamento da sessão, de forma que a MP não pudesse ser aprovada a tempo de ser remetida ao Senado. Ela perde validade amanhã e precisa ser aprovada pelos senadores hoje. Até o fechamento desta edição, às 22h30, a nova estratégia de Cunha adotada após sua derrota estava em curso e o resultado era imprevisível.
Ontem, durante todo o dia, o governo precisou fazer concessões ao pemedebista para que a MP fosse aprovada. A estratégia do Palácio do Planalto desde o início do dia foi esvaziar a primeira emenda aglutinativa de Cunha, que acumulava nove sugestões de parlamentares do PMDB, PSB, PDT, DEM e do PT. Conseguiu em parte. Na última versão da emenda, havia pleitos apenas de PSB e PMDB.
Para piorar, o PP começou a demonstrar insatisfação e a ameaçar obstruir a votação. O motivo, segundo fontes do governo, é o interesse do partido em ocupar uma diretoria da Petrobras. Já a oposição anunciou sua obstrução, exigindo explicações do líder do PR, Anthony Garotinho (RJ), que na semana passada acusou a emenda do PMDB de estar maculada por interesses escusos. Suas acusações geraram polêmica e impediram a votação na semana passada.
Garotinho ontem reafirmou suas declarações, mas atacou a oposição por colocar nele a culpa por sua obstrução. A tensão voltou. "O que disse e sustento é que a MP proposta através da emenda (do PMDB) não serve ao país, serve a outros interesses. Se o DEM e o PSDB tiverem pressa (em apurar a denúncia), um dos personagens envolvidos é mais conhecido deles do que eu. O sr. Daniel Dantas, eu não o conheço. Mas o PSDB conhece muito bem. Se quer saber mais detalhes do que eu irei revelar na comissão de ética, não obstrua. Pegue o telefone e ligue ao Daniel Dantas". Dantas é um dos acionistas da Santos Brasil, empresa que controla o porto de Santos. A assessoria de Dantas nega qualquer atuação dele nas negociações da MP.
O líder do PSDB, Carlos Sampaio (SP), foi o primeiro a rebatê-lo. "O PSDB é favorável à modernização. Mas, infelizmente, o formato viciou-se por completo porque os adjetivos foram 'fraude, porcos, sacanagem, quadrilheiro, tio patinhas'. Todos em referência à base aliada. Não é possível que a acusação sobre a base repercuta sobre todos nós."
O clima esquentou mesmo quando o líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), subiu à tribuna para responder os ataques de Garotinho. Ele o chamou, por diversas vezes, de "chefe de quadrilha". "Garotinho não se pode tratar de Excelência. Deve ser tratado de chefe de quadrilha. Quero dizer a você, chefe de quadrilha, que nunca me beneficiei de mandato. Esse chefe de quadrilha precisa saber disso. Você não tem credibilidade moral para subir aqui", disse Caiado.
O plenário assistia tudo em silêncio. Garotinho, então, subiu de novo à tribuna para responder Caiado. "Quando as pessoas não tem razão, partem para a violência. Na sequência, retomou o caso do ex-senador Demóstenes Torres (GO), cassado por suas ligações com o bicheiro Carlos Cachoeira. "Eu tive 700 mil votos. A maior votação que um deputado jé teve em toda a história do Rio de Janeiro. Não vou descer ao seu nível. Espere. O tempo vai lhe dar a resposta. Eu não abandono amigo meu. Não finjo que não conheço Demóstenes. Não andei de braços dados com ele e depois virei as costas quando ele caiu em desgraça."
Foi nesse instante que o deputado Toninho Pinheiro (PP-MG) invadiu o espaço à frente da Mesa para protestar contra as liberações de emendas da saúde. ele trazia uma faixa escrito "R$ 8,3 bi de emendas empenhadas em 2012", uma alusão ao montante de recursos prometidos pelo governo para a saúde, mas não efetivamente liberado. Alves, então, suspendeu a sessão.
Veículo: Valor Econômico