Com a falta de crédito na praça, a companhia passou a antecipar o pagamento aos 44 mil fornecedores
Ivan Zurita, presidente da Nestlé do Brasil, está otimista quanto ao aumento do faturamento da empresa em 2009 mesmo em tempos de crise. O que preocupa o executivo é a falta de agilidade no governo na condução dos temas atrelados aos problemas da economia brasileira. “Se eu administrasse a minha companhia na velocidade que o governo administra, eu quebraria a empresa”, sentencia. Como resultado da falta de ação governamental, a companhia teve de ser avalista dos fornecedores de matéria-prima junto aos bancos. Em encontro com o governo, o executivo propôs a extensão de pacotes de benefícios a outros setores da economia, não apenas à indústria automobilística, e o adiamento do pagamento de impostos no primeiro trimestre; período que deverá ser mais crítico para a atividade produtiva.
O que mudou na Nestlé desde 15 de setembro?
No Brasil, a palavra crise faz parte do currículo. A diferença dessa vez é que se trata de uma crise mundial e todos tomam decisões ao mesmo tempo. O Brasil tem uma situação privilegiada pela própria massa crítica que o mercado interno oferece. Como dirigente de empresa, não dá para esperar o problema chegar para tomar decisões e buscar ser mais eficiente. Nós estamos num processo de ganho de eficiência desde o início de 2008. Nos antecipamos e tomamos algumas medidas de contenção de gastos, mudamos o desenho interno da companhia para ser mais eficiente, eliminamos linhas de produtos que não tinham uma rotatividade adequada. A crise não chegou ainda. Na nossa indústria, o preço das commodities caiu, mas isso não é suficiente porque a desvalorização do real foi superior à queda do preço. Caiu o preço e aumentou o custo, mas não dá para repassar isso para o consumidor por razões óbvias. O consumidor não está demandando. O mercado está em alerta.
O senhor acredita em mais ajustes, como a redução de quadro de funcionários?
O foco é num retorno do capital compatível com o momento em que vivemos. Eu considero que o fluxo de caixa é o nome do jogo. Para ter emprego, é preciso ter consumo, que exige liquidez, ou seja, crédito. E aqui está o problema hoje no Brasil quando se fala em antecipação de crise. O desemprego não começou, salvo em algumas empresas. O problema está na falta de recursos. Os bancos passaram a emprestar mais seletivamente e o universo de tomadores diminuiu. E quem são esses tomadores? São as pequenas e médias empresas. Sem dinheiro, o sistema é travado. O que estamos fazendo na Nestlé? Os 44 mil fornecedores podem chegar aqui hoje e dizer: ‘Nestlé, tenho uma duplicata contra você que vai vencer dentro de 90 dias e quero descontar’. Por meio do nosso sistema, entramos em contato com o banco, descontamos a duplicata e damos fluidez a essa cadeia. Isso, com taxas a custos baixos que garantam a competitividade dessas empresas.
O que o preocupa mais?
A falta de liquidez. As indústrias exportadoras estão vendo seus pedidos cortados. Se não houver uma retomada até o primeiro trimestre, elas vão demitir. Algumas já estão em férias coletivas. Esse pessoal desempregado vai restringir a compra de todo tipo de produto. Aí se começa a sentir o efeito em todas as categorias. A de alimentos até agora não foi tocada. O setor terminou o ano com um crescimento de 5,6% e a Nestlé com um aumento orgânico de 9,2%.
A retração do consumo nas classes C, D e E preocupa?
Elas representam 82% das vendas de alimentos no Brasil. Essas classes serão afetadas, mas a classe A também. Para aumentar a visibilidade da marca, criamos o sistema porta a porta, uma fábrica em Feira de Santana (BA) para ter custos mais competitivos, menor distância com transporte e ter vantagens fiscais para o produto chegar mais barato ao consumidor. Era uma fábrica para quatro anos e está 100% tomada, por isso estamos ampliando. Temos de nos alinhar a essa realidade com desenvolvimento de produtos, logística e embalagens mais competitivas. Desde 2001 vínhamos ampliando a produtividade per capita, que foi duplicada de lá até agora. Estamos bem, mas isso não quer dizer que não tenhamos de procurar um desenho novo para a empresa. Pensar em demissão não é uma preocupação e nem é o nosso objetivo, mas sim o crescimento.
Como aumentar a produtividade na crise?
É preciso criar um desenho novo de corporação. Nossos planos focam em projetos que vão dar volume e há os que vão proteger a rentabilidade. Realoquei o volume de investimento. Recentemente compramos a empresa Santa Bárbara, de água mineral. Um outro negócio está nos ‘finalmente’, mas não posso revelar qual é. Estamos em due diligence (auditoria). Se não surgir nada, o negócio deverá ser fechado nos próximos dias.
Qual avaliação o sr. faz sobre a política econômica?
Recentemente tive uma reunião de quatro horas com o governo. A minha proposta foi que deveríamos fazer um acordo para reduzir a taxa de juros no primeiro trimestre, com a postergação de impostos, com crédito e prazo que dariam uma injeção de ânimo no mercado. Participaram desse encontro cerca de 25 empresários, como Jorge Gerdau, Emílio Odebrecht, Fabio Barbosa, Roberto Setubal, Márcio Cypriano, Rubens Ometto e Benjamin Steinbruch, além do Meirelles, Mantega e o presidente Lula. Foi um diálogo aberto. Fomos unânimes em solicitar medidas para agilizar as mudanças, já que a falta de liquidez é geral. Foi uma discussão dura. Sinto que falta uma visão de mercado. Se os bancos não estão irrigando devidamente o mercado, o governo tem de tomar uma posição. Eu disse claramente que é preciso baixar os gastos não só das empresas, mas do governo.
Os bancos federais não deveriam puxar a fila na hora de reduzir os juros?
Se eu administrasse a minha companhia na velocidade que o governo administra, eu quebraria e empresa. É verdade. Não é uma crítica especificamente para esse governo. É preciso um choque de gestão, do contrário você não sobrevive. Quem paga a conta do governo somos nós, por meio dos impostos. Mas chega num momento como este que ninguém está a fim de pagar mais nada.
As medidas tomadas pelo governo até agora tiveram algum impacto no consumo?
Podem ajudar, mas não é isso que vai resolver. Falta o governo estimular de fato o consumo. Se conseguir manter o emprego nos próximos meses, nós vamos suavizar em muito o que está por vir. É importante essa mobilização que o governo está tendo em relação à indústria automobilística. É uma indústria capilar. Mas seria bom que ele oferecesse dinheiro a todos. Não se pode isolar um setor. Como ficam os outros? Por isso medidas como o adiamento do pagamento de impostos são bem-vindas.
A crise cria mais chances de encontrar bons negócios?
Vai depender de como as companhias vão evoluir daqui para frente. Mas nós não somos especuladores, nem com matéria-prima, nem com o dólar. Nosso negócio é fazer resultado naquilo que nos propomos, que é fazer alimentos. Me interesso por aquisições desde que sejam alinhadas à nossa gama de produtos, que deem velocidade no aumento da participação de mercado.
Chegou-se a especular que a Nestlé tinha interesse na Sadia. A Nestlé vai comprar a Sadia?
Não, não vamos comprar a Sadia. Nós nunca sentamos para falar sobre isso.
E outras aquisições?
Conversas sobre parcerias e alternativas para distribuição com o objetivo de cortar custos são permanentes. No caso de futuras aquisições, nosso critério é buscar empresas com tecnologia de ponta, qualidade premium e uma boa participação de mercado. Preciso alcançar pelo menos 3% de crescimento real por ano nesta companhia. Vou crescer com inovação, projetos novos, maior distribuição e por meio de aquisições.
Pessoalmente o senhor perdeu dinheiro com a crise?
Na pessoa física eu investi em terra a vida toda. Tenho ações, mas apenas da Nestlé. Invisto na companhia que acredito. As ações caíram um pouco, mas já se recuperaram. Prefiro cair com a Nestlé do que cair com outra. É uma empresa de US$ 100 bilhões de faturamento. O Brasil é um dos top ten e fazemos parte do board mundial. Estou feliz com as ações. O resto investi aqui no País da gente. Não sou ligado a ter as coisas pelo valor. Gosto da conquista.
Quem é:
Ivan Zurita
Tem 55 anos e é presidente da Nestlé do Brasil desde 2001. Começou a trabalhar na multinacional em 1973.
É formado em Economia pelo Mackenzie e fez especialização em Marketing na Universidade de Nova Iorque.
Veículo: O Estado de S.Paulo