A parceria entre a administradora de fundos de investimento Governança & Gestão (GG), liderada pelo ex-ministro do Planejamento Antonio Kandir, e a Galeazzi Associados, consultoria especializada em reestruturação de empresas e com larga experiência no varejo, parecia infalível até poucos meses atrás.
O pedido de recuperação judicial protocolado pela rede de supermercados Gimenes - o plano foi aceito no dia 29 de dezembro pelo juiz de Sertãozinho (SP) - mostra, porém, que nem sempre o remédio administrado por especialistas às empresas dá resultados e que, em tempos de crise, não basta um time experiente de executivos para salvar as finanças das companhias.
Por meio da holding GG1 Participações Ltda, a GG adquiriu em março de 2006 o controle do Gimenes, a segunda maior cadeia de supermercados do interior de São Paulo, com um faturamento de R$ 446 milhões em 2007 e 29 lojas espalhadas por 16 municípios. A Galeazzi Associados assessorou, entre 2006 e 2007, o processo de reestruturação da varejista paulista até que, em janeiro de 2008, um de seus consultores, Ricardo Doebeli, foi nomeado para a presidência do Gimenes. Doebeli desligou-se na época da Galeazzi e passou a ser acionista minoritário da GG.
O consultor substituiu José Sarrassini, que já estava à frente da rede de supermercados quando ela ainda era controlada pelo empresário Antonio Gimenes e que fora mantido no cargo pela GG. Com a nomeação de Doebeli, Sarrassini vendeu aos controladores a pequena participação acionária que detinha no Gimenes e, logo depois, em março de 2008, foi contratado por seu adversário mais direto, o Savegnago.
Com sede também em Sertãozinho e vendas de R$ 600 milhões em 2007, o Savegnago é a maior rede de supermercados do interior paulista. No fim de 2008, quando a crise financeira agravou-se, a GG bateu à porta de Sebastião Savegnago, controlador da varejista. As negociações para vender o Gimenes estavam avançadas, mas, em novembro, às vésperas de assinar o acordo, o empresário desistiu do negócio por discordar dos termos propostos pelos advogados, segundo contaram ao Valor pessoas próximas às empresas. "O tempo certo para fechar a aquisição passou", disse uma fonte. Procuradas, as duas companhias preferiram não se pronunciar.
A venda para o Savegnago era a última carta na manga. Com dívidas estimadas em R$ 80 milhões, o Gimenes precisou recorrer à recuperação judicial e fechou seis lojas deficitárias um dia depois do Natal para conter gastos. Com o pedido de recuperação, o Gimenes ganha mais tempo dos credores e fôlego para continuar operando. Segundo uma fonte, ainda há esperanças de retomar o processo de venda em janeiro. Ao pedir proteção judicial, porém, as negociações ficam mais complexas.
Mas o que deu errado nos planos da GG e da Galeazzi para o Gimenes? Um dos percalços enfrentados foi a forte valorização dos imóveis e dos aluguéis a partir de 2006, o que inviabilizou a expansão. Os aluguéis de pontos que poderiam ser atrativos ficaram caros demais para um supermercado.
Quando comprou o controle do Gimenes, os planos da G&G eram ambiciosos. O objetivo era elevar o faturamento da rede para R$ 1 bilhão em dois anos, o que seria obtido com um acelerado ritmo de inaugurações. A meta era dobrar o tamanho da rede para 50 lojas.
Em 2008, contudo, só um supermercado foi aberto, quando a intenção era inaugurar pelo menos 10. A expansão era crucial na fórmula proposta pela nova gestora: ao elevar as vendas e a geração de caixa, a rede teria recursos para pagar os juros de sua dívida. Não foi o que aconteceu.
Em 2007, o Gimenes acumulou despesas financeiras líquidas de R$ 13,8 milhões e um prejuízo de R$ 9,6 milhões na última linha do balanço. Segundo fontes ouvidas pelo Valor, os executivos buscaram fazer um bom trabalho na área financeira. "A dívida da companhia está bem-estruturada", diz uma fonte familiarizada com a empresa. A companhia possuía dívidas totais de R$ 78,5 milhões ao fim de 2007, de acordo com as demonstrações financeiras anuais divulgadas no Diário Oficial. Desse total, R$ 60 milhões são de longo prazo.
O maior empréstimo, no valor de R$ 40 milhões, foi contratado em dezembro de 2007, com 24 meses de carência e liquidação em 36 parcelas mensais, a um custo do CDI mais juros de 0,23% ao mês. "Em decorrência desse empréstimo, a sociedade assumiu também o compromisso de manter determinados índices financeiros, a serem apurados semestralmente, a partir de 31 de dezembro de 2008", informa o relatório da empresa.
Segundo fontes próximas ao Gimenes, a crise de crédito impediu a rolagem da dívida e dificultou a captação de recursos de novos investidores devido à aversão ao risco. As dificuldades para o refinanciamento das dívidas, juntamente com um resultado operacional negativo, levaram a empresa a optar pela recuperação judicial.
Embora tenha participado da reestruturação do Gimenes, a Galeazzi Associados informou que não tem participação na GG nem é cotista do fundo que controla o Gimenes. Fontes do setor calculam que a gestora G&G teria investido cerca de R$ 60 milhões no negócio.
A GG Investimentos administra quatro fundos de private equity e tem investimentos em seis empresas. Apesar das agruras, o Gimenes não significa uma ameça à empresa, já que o valor investido na varejista representa menos de 5% dos recursos administrados pela GG.
Mas a debilidade da rede de supermercados aumenta os temores sobre o impacto da crise no varejo. Em 1998, com a alta da inadimplência, muitas redes quebraram. Segundo dados da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), o total de recuperações judiciais cresceu de 54 em 2007 para 78 em 2008. Destas, 24 foram requeridas no último trimestre.
Veículo: Valor Econômico