Há bastante tempo no rol de preferências na bolsa brasileira, as ações de empresas de consumo e varejo desafiaram os limites de preço. Mesmo sem um brilho tão intenso como no ano passado, quando a conjuntura de juros em queda impulsionava as análises, muitos bancos e corretoras ainda veem potencial de ganho em alguns papéis. O otimismo, no entanto, já não é mais unânime, sobretudo considerando os horizontes de médio e longo prazos. A inflação vem minando o poder de compra da população, o crescimento econômico do país decepcionou mais uma vez e o ritmo de alta de juro foi acelerado.
Uma olhada no gráfico do Icon, índice de consumo da BM&FBovespa, dá uma ideia do quanto o segmento atraiu investidores nos últimos anos. Desde o início de 2008 - antes, portanto, de explodir a crise financeira global - até o fim de maio, o indicador acumulava alta de 125,81%, enquanto o principal referencial da bolsa brasileira, o Ibovespa, apresentava queda de 16,25%. O Icon começou a se distanciar do principal índice da bolsa em abril de 2009 e seguiu abrindo vantagem deste então, acentuando o movimento a partir do início de 2012.
Tomando como base a atual carteira teórica de ações do Icon, é possível mapear destaques relevantes. Nos últimos 12 meses, até fim de maio, as ações de Kroton acumulavam ganho de 113,37%, seguidas por Grendene (101,51%), Estácio (98,55%), M.Dias Branco (70,87%) e Anhanguera (68,63%). Na análise do Icon, vale a ressalva de que estão agrupadas em "consumo" empresas dos mais variados segmentos, como educação, calçados, alimentos e carnes.
A última semana, contudo, jogou pressão sobre o setor. Além da alta de 0,5 ponto percentual da taxa Selic, para 8%, o Produto Interno Bruto (PIB) teve expansão de apenas 0,6% no primeiro trimestre, em relação aos três meses antecedentes. Chamou atenção o leve aumento de 0,1% do consumo das famílias - o pior desempenho desde o terceiro trimestre de 2011, quando caiu 0,2%.
Diante dos indicadores, desde o dia 28 até o fechamento de segunda-feira, ações ligadas a consumo têm apanhado, caso de B2W (-12,9%), Magazine Luiza (-8,3%), BR Malls (-7,45%) e Pão de Açúcar (-6,0%).
"Depois dos dados do PIB no primeiro trimestre, o grande tema é que a economia não está melhorando o suficiente. Isso basta para não comprar Lojas Renner ou Hering, papéis caros e com tendência de consumo delicada", diz Leonardo Milane, do Santander. Ele prefere nomes mais resilientes, como BRF, cujo múltiplo mais alto se justificaria pela demanda mais previsível.
Carlos Nunes, estrategista de renda variável do HSBC, diz que tinha uma posição em vestuário em 2012, mas começou a reduzi-la este ano e, mais recentemente, praticamente saiu do setor. A preferência tem sido por companhias menos sensíveis à conjuntura de economia fraca e inflação em alta, uma combinação que, segundo o especialista, pressiona a renda - mesmo considerando o cenário de praticamente pleno emprego no país. "Há muito estímulo à demanda com limitação de oferta", afirma Nunes. "Se é para ter exposição em negócios cíclicos domésticos, nos voltamos mais para os bancos, cujas ações estão descontadas."
O estrategista esclarece que, embora haja ressalvas quanto ao desempenho das varejistas de moda em um horizonte mais distante, é possível que surjam oportunidades pontuais - o que classifica como "movimentos táticos de curto prazo". Foi o que aconteceu em maio, quando optou por retirar as ações do Pão de Açúcar da carteira "Top Picks" e inserir Lojas Renner.
Para junho, a história mudou. O pior cenário de crescimento doméstico e juros mais altos no curto prazo levaram o HSBC a reduzir o peso de ações cíclicas e elevar a exposição em papéis defensivos e, também, em empresas que se beneficiam do cenário de real mais fraco em relação ao dólar. Lojas Renner, então, saiu da carteira recomendada. Do grupo de ações ligadas ao consumo, foi incluído o frigorífico Minerva, mas por ser exportador e se beneficiar do real mais fraco.
Renato Prado, analista da Fator Corretora, faz ressalvas ao cenário para as varejistas. Ele lembra que os papéis dessas empresas em geral dependem de estímulos ao consumo, do contrário há uma queda no desempenho de vendas mesmas lojas. "Não vejo o horizonte com tanto otimismo, pois muitas empresas vêm de uma base muito forte", afirma. O especialista destaca também que uma das coisas que mais pesa neste tipo de análise é a eficiência operacional, a gestão do caixa, o que varia de uma companhia para outra.
Prado ressalta que a dinâmica das small caps, o foco da Fator, é bastante "peculiar", com questões pontuais que se sobrepõem ao cenário macroeconômico, o que justifica a manutenção das avaliações da corretora, apesar da desaceleração da economia. "Continuamos bastante seletivos", diz o analista.
Mas além dos fundamentos é preciso considerar, evidentemente, os patamares atuais de preço. Em alguns casos, a avaliação é de que a cotação não apenas embute todas as expectativas positivas possíveis como foi além. Seria então a hora de vender. Para a Fator, um exemplo disso é Hering. "O papel está caro", afirma Prado. Nas contas do analista, o preço-alvo do ativo é R$ 37,44 - no dia 31 de maio, fechou a R$ 38,49. "A recomendação é de venda. Não tem como ser outra. O papel merece um prêmio, mas está exagerado, este é o ponto."
Já os papéis da Saraiva e Lojas Marisa seguem com indicação de compra. "Seria um pouco prematuro fazer uma revisão por conta do resultado do PIB. O momento de alta de juros é negativo para o consumo, mas acredito que o mercado já penalizou bastante as varejistas têxteis. Os resultados das empresas estão muito fortes, independentemente das perspectivas macroeconômicas", afirma Prado.
Na opinião de Ricardo Correa, chefe de análise da Ativa Corretora, existem alguns "eventos localizados", mas o setor de consumo se mantém interessante. "Talvez haja uma acomodação, não uma perda de atratividade. Não vejo uma inflexão de tendência." A avaliação dos especialistas da instituição é de que há fôlego adicional. Isso porque, mesmo com o BC tendo iniciado este ano uma alta gradual dos juros, os reflexos positivos de uma taxa básica em patamares menores do que no passado ainda não foram completamente sentidos. A Ativa acredita que a conjuntura de desemprego baixo e massa salarial em alta vai segurar a demanda forte para compras à vista. Já o segmento de bens duráveis, diz, vai sofrer um pouco.
Segundo o analista da Ativa Marcelo Torto, o principal impacto do novo cenário deve ser sentido por empresas com muita exposição a crédito, como as de venda de eletrodomésticos e eletrônicos, casos da B2W e da Magazine Luiza. Já papéis de companhias mais protegidas contra o aumento da inflação, de oferta de bens essenciais - como Pão de Açúcar - e com baixa exposição a crédito e tíquete médio baixo - como Lojas Renner - seguem atrativos e com recomendação de compra. Nenhuma ação de consumo acompanhada pela Ativa tem indicação de venda.
Nunes, do HSBC, afirma que, com a disparada das ações no passado recente, as companhias de consumo e varejo passaram a apresentar múltiplos muito elevados. "Para justificar um P/L [preço/lucro, que dá uma ideia do tempo estimado para o investidor recuperar o capital investido] médio de vestuário acima de 20 vezes, é preciso apresentar um nível de crescimento muito elevado", diz.
O P/L de Hering para 2013, segundo cálculos de André Rocha, do blog O Estrategista, com base no sistema de análise S&P Capital IQ, estava em 17,7 vezes, bem próximo de 20. Nos casos de Renner e Le Lis Blanc, as cotações recentes indicam múltiplos na casa de 21,62 e 40 vezes, respectivamente.
Em relatório divulgado ontem, o HSBC rebaixou o setor de consumo discricionário para desempenho abaixo da média de mercado ("underweight"), alinhando-o à avaliação de bens de consumo básico. "Considerando que o momento de lucros ainda é negativo, os múltiplos decrescentes e os resultados fracos devem pesar sobre as ações", destacaram os analistas Francisco Machado e Ben Laidler. Um real mais desvalorizado que o previsto, segundo o HSBC, também se coloca como um risco às tendências de consumo, pois pode ser seguido da alta da inflação.
Carlos Henrique de Almeida, economista da Serasa Experian, diz que a renda nominal da população pode continuar subindo, mas está sendo corroída pela alta dos preços - o que deve contaminar o consumo. "Muitas pessoas estão hoje renegociando dívidas e provavelmente não haverá reposição salarial", afirma. "Não será um ano fácil para as finanças do consumidor. Como o orçamento familiar está justo, não vejo perspectivas de grande alta no consumo neste primeiro semestre."
Veículo: Valor Econômico