O aumento brusco do preço dos alimentos no atacado, indicado no início de junho, e a alta do câmbio acenderam o alerta para o risco de volta da inflação nos próximos meses. Mas, balanceados por uma demanda mais fraca, tanto dentro como fora do país, os dois movimentos devem ser amortecidos e chegar ao consumidor em menor intensidade, avaliam economistas.
"O consumo claramente perdeu força no país neste começo de ano, inclusive pela inflação. Então, ainda que haja um aumento de preço, é mais difícil que haja um repasse disso pelo varejo", disse Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria. Além disso, no contexto internacional, a China desacelerando seu ritmo de crescimento e a Europa ainda com dificuldades tendem a esfriar o mercado e puxar para baixo os preços internacionais das commodities, o que, na conversão final, compensa em parte a desvalorização do real.
Os preços dos produtos agrícolas no atacado subiram 1% na prévia do Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M) subiram 1% na segunda prévia de junho, surpreendendo após a queda de 1,96% de um mês antes, segundo divulgou nesta semana a instituição. A alta foi disseminada e puxada principalmente pela escalada da soja, que refletiu em parte a trajetória de aumento do dólar, mas foi influenciada por fatores pontuais como o reajuste após as quedas registradas no início do ano e a entressafra nos Estados Unidos, maior produtor mundial do grão.
"Essa elevação de preço agrícola é mais uma flutuação, ligada a um movimento de curto prazo, do que um processo de aceleração dos preços estabelecido", disse Fábio Silveira, economista da GO Associados. "Mas o aumento do dólar inevitavelmente traz uma pressão de alta (na inflação). Não só os preços agrícolas sobem, mas também outras matérias-primas e bens de consumo importados, como têxteis, eletrônicos, vestuário ou calçado. De qualquer forma, não vai ser uma alta explosiva", disse.
Segundo cálculo feito pela Tendências, o câmbio médio até aqui neste trimestre, de US$ 2,05, está 2,3% acima da média do primeiro trimestre, de R$ 1,99. Por outro lado, as cotações em dólar das commodities, incluindo grãos e metais, caíram 1,5% - com essa compensação, o aumento em reais destes produtos acaba sendo de apenas 0,7%. "Isso equivale a um impacto de 0,03 ponto percentual na inflação do trimestre. É ainda muito pouco", disse Alessandra. "Não dá para olhar só o câmbio para pensar na inflação. Tem que pensar no conjunto da situação."
Para Basilik Litvac, analista da MCM Consultores, o impacto de um dólar mais caro para o índice de preços pode ser maior, mas diluído ao longo de vários meses, já que o repasse do aumento leva tempo até se disseminar por toda a cadeia. "Nossa estimativa é que, para cada 10% de aumento no câmbio, a inflação ganha 0,4 ponto em um 12 meses", disse a economista. Ontem, o câmbio fechou em 2,22, já bem acima da média do primeiro trimestre. Já o IPCA, índice oficial de preços do IBGE, após meses de pressão dos alimentos cedeu em maio para 0,37% no mês, embora continue acumulando 6,5% em um ano, o limite da meta estabelecida pelo governo.
Basilik também destaca o fato de o varejo ter, até aqui, segurado o preços dos alimentos em alta enquanto vários deles já estavam em deflação há meses no atacado. "Como muitos produtos da cadeia não tiveram esse repasse da redução no começo do ano, a chance de acompanharem esta alta agora é pequena", disse a economista.
Além da soja, a prévia do IGP-M, que recolheu preços de 21 de maio a 10 de junho, registrou aumento em itens que independem de dólar e do mercado internacional, caso do leite (3,99%) e da batata (13,43%). Ainda assim, os economistas concordam que, apesar das oscilações, os alimentos não devem registrar, no futuro, os altos índices dos últimos meses.
Veículo: Valor Econômico