Nova geração de transgênico anima a Dow AgroSciences

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A Dow AgroSciences está colocando todas as fichas em um novo transgênico e na renovação de um antigo - e controverso - agrotóxico para desafiar a hegemonia da tecnologia Roundup Ready, da Monsanto, nas plantações de soja e milho.

Em seu quartel general em Indianápolis, capital do Estado americano de Indiana, a companhia trata o projeto batizado de "Enlist" como o maior, mais caro e mais complexo de sua história, supostamente capaz de colocá-la entre as três maiores do mundo no segmento de químicos e sementes nos próximos anos.

O Enlist é baseado em uma modificação genética (realizada com a inserção de três genes externos no DNA das plantas) que torna as lavouras resistentes à aplicação de três herbicidas que juntos são capazes de matar praticamente todos os tipos de plantas: o glifosato, o glufosinato de amônia e o 2,4-D.

A ideia é que os agricultores possam recorrer a uma combinação desses produtos químicos para combater as ervas daninhas que disputam espaço, água e nutrientes do solo com as lavouras. Além de sementes de soja, milho e algodão com essa característica, a Dow AgroSciences venderá a mistura patenteada do glifosato com uma nova versão do 2,4-D.

Segundo o presidente global da companhia, o espanhol Antonio Galindez, o projeto Enlist pode gerar um retorno líquido de mais de US$ 1 bilhão para a Dow AgroSciences, que no ano passado faturou US$ 6,4 bilhões com a venda de defensivos agrícolas e sementes em todo o mundo. A expectativa é que a nova tecnologia assegure metade do crescimento esperado para a divisão nos próximos sete anos. Até 2020, a AgroSciences espera elevar o faturamento anual para US$ 12 bilhões.

Para isso, porém, a empresa terá de driblar a forte oposição de grupos de proteção ao meio ambiente, que temem o uso em grande escala do 2,4-D - ingrediente do famigerado "agente laranja", desfolhante usado pelo exército americano na Guerra do Vietnã (ver matéria abaixo).

A Dow está de olho no que aparenta ser uma transição tecnológica. Atualmente, mais de 90% das plantações de soja e milho nos EUA têm uma modificação genética batizada de Roundup Ready (RR), que as torna capazes de sobreviver ao glifosato. No Brasil, o transgênico está presente em 90% da soja e em pelo menos três quartos do milho.

Lançada em 1996, a tecnologia RR transformou a Monsanto, também americana, na maior empresa de biotecnologia agrícola do mundo e tornou o glifosato o defensivo mais comercializado.

O problema é que o glifosato, que facilitou o manejo e reduziu drasticamente os custos com o controle de ervas daninhas no campo, vem se tornando cada vez menos eficaz após anos de uso indiscriminado. Segundo a consultoria Stratus Agri-Marketing, a área infestada por plantas resistentes ao agente químico no cinturão agrícola americano saltou de 12,7% para 23,6% entre 2010 e 2012. O fenômeno também se torna mais intenso na Argentina e no Brasil - sobretudo no Sul, onde o glifosato é aplicado há mais tempo.

Diante desse cenário, companhias como Dow, Bayer CropScience, Syngenta e a própria Monsanto têm investido centenas de milhões de dólares em busca de produtos capazes de suceder o RR. A aposta da Dow é que o uso combinado do glifosato com o 2,4-D praticamente eliminará o problema de resistência a herbicidas nas lavouras.

"Acreditamos que o Enlist pode ser a próxima tecnologia para o controle de ervas e que podemos ser um grande, grande player nesse mercado", afirma Galindez.

O executivo não revela quanto a Dow investiu no projeto, que começou a ser desenvolvido há 13 anos, mas no mercado se estima que o custo de desenvolvimento de um novo transgênico ou defensivo químico oscile na casa dos US$ 250 milhões. "Trata-se de um projeto complexo, que combina biotecnologia, sementes e defensivos agrícolas". Ao todo, a AgroSciences investe cerca de 10% do seu faturamento global anual em pesquisa e desenvolvimento.

Embora envolva também a venda de defensivos, a expectativa da Dow é que o Enlist acelere seu crescimento no mercado de sementes e biotecnologia, que ainda responde por apenas um quinto de sua receita. A expectativa é que essa participação chegue a pelo menos um terço até o fim da década, ou US$ 4 bilhões.

Rolando Meninato, executivo que comanda a operação global de sementes da Dow, afirma que as vendas da companhia no segmento cresceram a uma taxa anual da ordem de 25% a 30% nos últimos cincos anos, até três vezes mais do que o negócio de defensivos. Com isso, a multinacional saltou da 11ª para a quinta posição no ranking das empresas de sementes e biotecnologia, atrás de Monsanto, Pioneer (DuPont), Syngenta e Bayer. "Até o fim da década queremos ser os terceiros", revela Meninato.

A aposta acompanha uma tendência. Nos últimos cinco anos, as vendas globais de defensivos agrícolas em geral aumentaram 17%, enquanto as de sementes e biotecnologia saltaram 64%, segundo a consultoria americana Phillips McDougall. Só em 2012, este mercado movimentou US$ 49,2 bilhões, superando pela primeira vez o de defensivos, estimado em US$ 47,4 bilhões.

A princípio, o grande adversário da Dow deverá ser a própria Monsanto, que desenvolveu uma transgenia (batizada de "Roundup Ready 2 Xtend") que torna as lavouras resistentes aos herbicidas glifosato e dicamba. Em parceria, Bayer e Syngenta também iniciaram o processo de registro de uma nova soja transgênica resistente a múltiplos herbicidas (mesotrione, glufosinato de amônia e isoxaflutole), que não deve chegar ao mercado antes de 2020.


Polêmica atrasa sinal verde dos americanos

 O lançamento do Enlist nos Estados Unidos está pelo menos dois anos atrasado e não deverá acontecer antes de 2015, na melhor das hipóteses. O principal obstáculo da Dow é convencer as autoridades regulatórias e a opinião pública de que o sistema é seguro para a saúde e o ambiente - um desafio que a Monsanto teve de enfrentar para consolidar o Roundup Ready.

No ano passado, organizações como o Centro para Segurança Alimentar dos Estados Unidos coletaram mais de 400 mil petições contrárias à aprovação da soja e do milho Enlist. O temor é que a liberação dos novos transgênicos aumente de maneira significativa o uso do 2,4-D, ingrediente do agente laranja, que foi usado pelo Exército americano durante a Guerra da Vietnã e provocou sérios problemas de saúde. Os defensores da tecnologia alegam, porém, que os danos no Vietnã foram provocados pelo outro componente do agente laranja, o 2,4,5-T.

A preocupação também diz respeito ao fato de o 2,4-D ser um defensivo com elevado índice de dispersão no ambiente e seu uso em larga escala ameaçar lavouras não geneticamente modificadas para serem resistentes ao agente químico.

Em março deste ano, o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) informou que iria produzir mais dois relatórios de impacto ambiental relacionados ao uso das sementes transgênicas e à aplicação da mistura dos herbicidas glifosato e 2,4-D, mas ponderou que o 2,4-D vem sendo usado "de maneira segura" no país desde os anos 1960 e que a nova tecnologia pode dar mais flexibilidade aos agricultores. O sistema Enlist foi submetido à aprovação das autoridades dos EUA em 2009.

No Brasil, os pedidos de registro relacionados ao Enlist estão sendo analisados pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) desde o ano passado. A expectativa da Dow é que a liberação no país aconteça em 2016 (ver abaixo).

Apesar do barulho, o 2,4-D é utilizado por agricultores de praticamente todo o mundo. Conforme a Dow, que desenvolveu o ingrediente ativo há mais de 60 anos, o produto é liberado em 82 países, incluindo EUA, Brasil, Argentina, Alemanha e França. Contudo, o agente é usado, hoje, na "limpeza" da área antes do cultivo. Sob o sistema Enlist, sua utilização pode mais do que triplicar.

"O 2,4-D é possivelmente o defensivo mais estudado da história. É seguro, conhecido e o que melhor atende às necessidades do produtor, razão pela qual nos sentimos confortáveis em seguir em frente", diz Daniel Kittle, líder global de pesquisa e desenvolvimento da companhia. Kittle afirma que a Dow desenvolveu "um novo" 2,4-D, com índices "sensivelmente menores" de dispersão no ambiente e, portanto, mais seguro do que as formulações já utilizadas. "Reinventamos o 2,4-D. Fizemos um avanço enorme".

Lançamentos no Brasil sob análise da CTNBio

 
O mercado brasileiro deverá contar, a partir de outubro, com três novas variedades de sementes transgênicas de soja e milho resistentes a um herbicida até então usado com maior intensidade em culturas como arroz, cevada e trigo.

Conforme antecipou o Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, a reportagem apurou que, em até dois meses, a Dow AgroSciences poderá ser autorizada a vender variedades resistentes ao 2,4-D (ácido diclorofenoxiacético), um dos componentes presentes no "agente laranja", usado na guerra do Vietnã. O produto é considerado "extremamente tóxico", categoria 1, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para efeito de comparação, o glifosato é classificado como "Pouco Tóxico", categoria 4. (ver matéria acima).

A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que analisa e autoriza a liberação comercial de organismos geneticamente modificados (OGM) no país, já recebeu pareceres a favor da liberação comercial de subcomissões que avaliam seus impactos sobre a saúde humana e animal. O Valor apurou que quando o assunto for a plenário, em outubro, deverá receber parecer favorável da maioria dos membros do colegiado.

Dos três pedidos, dois são de soja e um de milho. A primeira soja será resistente ao herbicida 2,4-D e ao herbicida glufosinato de amônio. A segunda, aos herbicidas 2,4-D, glifosato e glufosinato de amônio. Por fim, o milho será tolerante ao herbicida 2,4-D e a determinados inibidores da acetil coenzima.

O pedido já recebe críticas de ambientalistas e pesquisadores, que acreditam que uso de novos produtos só acontece devido à resistência que as ervas daninhas adquirem. "Com o tempo, teremos ervas cujo controle se tornará mais difícil. Com isso, os herbicidas atuais não surtirão efeito e precisaremos de novos produtos. Todas as liberações nesse sentido precisam de uma atenção especial", disse o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, doutor em Engenharia de Produção e representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) na CTNBio.

Hoje, o produto já é registrado para uso no estágio de pré-colheita em arroz, aveia, café, cana, centeio, cevada, milho, soja, sorgo, trigo e pastagens formadas. "Nesses casos, ele é aplicado antes da planta emergir e há o receio de que o uso do produto aumente com as novas variedades", afirmou Melgarejo. A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato), em documento de 2010, manifestou-se a favor dos produtos resistentes ao 2,4-D.



Empresa faz investimento de US$ 100 milhões no país

 
A Dow AgroSciences deverá concluir, até 2014, investimentos da ordem de US$ 100 milhões para expandir sua capacidade de produção de sementes no Brasil. Os recursos estão sendo aplicados na construção de uma unidade de beneficiamento de sementes em Luís Eduardo Magalhães, no oeste da Bahia, um novo laboratório de pesquisa e desenvolvimento em Cravinhos, no interior paulista, e um centro de pesquisa em Sorriso, Mato Grosso.

A previsão é que a planta na Bahia comece a operar este ano, com 150 funcionários (entre diretos e indiretos) e capacidade para beneficiar até 700 mil sacas de sementes de milho por ano. "A unidade vai aumentar consideravelmente a nossa capacidade de atender à demanda por sementes", diz Ramiro De La Cruz, presidente da empresa no Brasil. O executivo não revela a capacidade atual de produção.

O laboratório de Cravinhos, que deverá ficar pronto apenas em 2014, será o primeiro da Dow a realizar o processo de inserção de genes (os chamados traits) em sementes fora dos Estados Unidos. A Dow prevê inaugurar, ainda, um centro de pesquisa em Sorriso (MT) voltado para o melhoramento genético convencional de plantas até o ano que vem.

"Trata-se de uma mudança de filosofia. O Brasil é o segundo maior mercado de sementes e biotecnologia do mundo, então é preciso estar presente no país. Não podemos mais fazer as coisas remotamente", diz Daniel Kittle, líder global de pesquisa e desenvolvimento da companhia. Segundo ele, o objetivo é transformar o Brasil num "hub" de pesquisa em agricultura tropical.

O Brasil é o segundo maior mercado para a Dow AgroSciences no mundo. Em 2013, a companhia prevê faturar cerca de US$ 1 bilhão com a venda de sementes e defensivos no país, ante cerca de US$ 1,5 bilhão nos Estados Unidos. A receita da subsidiária brasileira cresceu, em média, 24% nos últimos três anos, de acordo com os executivos da companhia.

"O Brasil tem um futuro brilhante para a agricultura, é estratégico e um alvo preferencial de investimentos, mas precisa investir em infraestrutura e em um sistema de seguro capaz de ajudar os produtores a atravessar os ciclos", diz Antonio Galindez, presidente global da companhia.



Veículo: Valor Econômico


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