A fila sumiu e o estoque encolheu

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Os 160 mil metros quadrados do maior centro de distribuição (CD) do Grupo Pão de Açúcar, localizado no quilômetro 18 da rodovia Anhangüera, em São Paulo, têm se mostrado cada vez mais espaçosos. Assim como no CD da Anhangüera, nos outros 17 pontos de abastecimento da varejista no país, a longa fila de dezenas de caminhões parados no final do mês, esperando o momento certo de descarregar, deixou de existir.

 

Além de conseguir maior fluxo na entrega, o Grupo Pão de Açúcar, segundo maior varejista nacional, também obteve redução significativa do volume estocado. Só no ano passado, a companhia reduziu de 42,6 dias para 35,6 dias a sua cobertura de estoque (o prazo médio que as mercadorias ficam estocadas nos CDs do grupo). Para esse ano, a meta é chegar a um intervalo entre 28 e 30 dias. A diminuição do estoque em tempos de crise é fundamental para os varejistas, que ganham fluxo de caixa e ficam com menos dinheiro "empatado" nos armazéns. 

 

No Pão de Açúcar, essa economia foi da ordem de R$ 270 milhões em 2008, o equivalente a R$ 38,6 milhões por dia, segundo dados preliminares, ainda não auditados, e informados com exclusividade ao Valor. "Deixamos de comprar excessivamente e ganhamos maior eficiência no sortimento da loja", diz o diretor da cadeia de suprimentos do grupo, Marcelo Lopes. "Se eu tenho muito estoque, sou obrigado a vender barato e com menor margem de lucro". 

 

Para esse resultado, teve importância fundamental a gestão compartilhada dos estoques com os fornecedores, que vem sendo adotada há cinco anos pelo grupo e ganhou força ainda maior em 2008. Segundo essa estratégia, a varejista abre para a indústria a sua previsão de vendas para um período que varia de 30 a 120 dias. "Não fazemos isso com todos os nossos 3,5 mil fornecedores, mas sim com os 23 principais, que respondem por cerca de 80% das nossas vendas", afirma Lopes. Entre eles, estão companhias como Colgate-Palmolive, Unilever, Procter & Gamble e a fabricante de guloseimas Mars. 

 

Esta empresa, mais conhecida pelos chocolates M&M'S, trabalha com o Pão de Açúcar no sistema de gestão compartilhada desde 2007. Segundo a Mars, esse esquema "facilita nosso acompanhamento de estoque nas lojas do grupo". São eliminados erros de fornecimento, explica a empresa, por se tratar de um sistema automatizado. A fabricante consegue ter visibilidade total dos estoques de cada um dos pontos-de-venda. "Isto faz com que percebamos quando precisamos aumentar o fornecimento de uma marca específica ou até mesmo reduzi-lo, se necessário", diz a empresa, em nota. 

 

Segundo Lopes, com a gestão integrada da cadeia de suprimentos, foi possível suavizar bastante a queda-de-braço entre varejo e indústria. "Antes, a negociação em torno do preço era tão determinante que durante os primeiros 20 dias do mês não se comprava quase nada - todos os contratos eram fechados nos últimos 10 dias, o que congestionava o CD e, em alguns casos, deixava mercadoria faltando no ponto-de-venda", afirma Lopes, que hoje conta com agendamento de entrega via internet. 

 

"Atualmente, estamos unindo a cadeia de abastecimento da indústria e do varejo para ganhar eficiência em ambas as partes", diz o executivo, ressaltando que a negociação envolvendo preço ainda é forte. "Mas tudo está mais flexível: não existe a imposição da indústria de vender com 10% de desconto, por exemplo, desde que eu leve 30% a mais de mercadoria. Eles sabem que eu não vou vender esses 30% a mais". 

 

Internamente, as áreas de marketing, comercial e cadeia de suprimentos trabalham a seis mãos para decidir quanto e quando comprar para abastecer as 575 lojas do grupo. O esforço conjunto deve ficar ainda mais alinhado neste ano, uma vez que a área de tecnologia da informação está investindo, desde a segunda metade de 2008, R$ 150 milhões em um sistema único para integrar toda a base de dados da companhia, com exceção da área financeira. A aplicação de recursos, que vai até 2010, engloba também o sistema de gerenciamento de CDs e reposição de mercadorias. "Ao lado do marketing e do comercial, posso negociar volumes e produtos de maneira mais eficiente, aproveitando oportunidades abertas pela indústria que, em uma situação de estoque alto, eu não poderia aproveitar", diz Lopes. 

 

Na opinião de Martinho Paiva Moreira, vice-presidente de comunicação da Associação Paulista de Supermercados (Apas), o exemplo do Pão de Açúcar sinaliza uma tendência entre os varejistas. "Quanto menor o nível de estoque, melhor", afirma. "Nenhum supermercado pode se dar ao luxo de investir hoje em uma mercadoria que vai ficar parada, é preciso que o varejista melhore sua rentabilidade reduzindo estoques". Segundo Moreira, o compartilhamento de informação com fornecedores é o único jeito de diminuir custos redundantes na cadeia logística. 

 

O economista Emílio Alfiere, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), concorda. "Em um cenário de incerteza, a tendência é que os lojistas trabalhem no esquema 'just-in-time', fazendo compras em tempo real, a fim de manter o estoque no menor nível possível", diz Alfiere. 

 

Para Moreira, o esquema traz vantagens também para a indústria. "O fabricante pode planejar melhor a produção, seu fluxo de caixa, a entrega e com isso economizar custos, repassando parte dessa parcela de ganhos para o varejista". O vice-presidente da Apas lembra, no entanto, que não se trata de uma medida fácil de ser adotada. "Informações corretas e confiáveis costumam ser consideradas estratégicas e são difíceis de serem compartilhadas nesse meio", diz ele. 

 

Veículo: Valor Econômico


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