Com o menor crescimento do varejo e a retomada, ainda que leve, da expansão da indústria, o descompasso entre os dois setores foi reduzido, em agosto, ao menor nível em 29 meses, em um movimento que, segundo economistas, se estenderá ao menos até o fim do ano. Após oito meses consecutivos de desaceleração, o aumento nas vendas do varejo ampliado (que incluem automóveis e materiais de construção) foi reduzido a 4,4% nos 12 meses encerrados em agosto, praticamente metade dos 8% registrados em dezembro de 2012 nesta mesma base de comparação. Neste período, a indústria de transformação conseguiu reduzir suas perdas e, em agosto, registrava alta de 0,9% na produção acumulada em 12 meses, fazendo com que a diferença de desempenho entre os dois setores fosse a menor desde março de 2011.
A menor discrepância entre varejo e indústria, diz Silvia Matos, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), reflete o patamar de câmbio mais depreciado, o "fim da farra" de incentivos para compras de bens duráveis e do crédito, o menor crescimento da renda e, ainda, a alta da inflação. Para ela, a indústria vai continuar acelerando na variação em 12 meses até o fim do ano, enquanto as vendas do varejo seguirão em sentido contrário, permitindo uma maior aproximação entre os dois setores.
Esse cenário também é vislumbrado pela Rosenberg & Associados, que projeta crescimento em torno de 4% nas vendas do varejo ampliado neste ano, período em que a produção da indústria de transformação aumentaria ao redor de 1,9%. Já a Tendências Consultoria conta com um crescimento um pouco maior na produção da indústria de transformação nesse ano (2,4%), ao passo que a expectativa para o varejo ampliado é de perda mais intensa de ritmo, com o crescimento das vendas sendo minimizado a 3%.
"O mercado de trabalho está mais moderado, o crédito está contido e os preços mais elevados que no ano passado. Além disso, o consumo já está em um patamar bastante alto, o que também limita o crescimento do setor", observa a economista Mariana Oliveira, da Tendências.
O consenso observado na perspectiva para indústria e varejo em 2013, entretanto, não é válido para 2014. Para Thaís Zara, da Rosenberg & Associados, o descompasso entre os dois setores voltará a crescer no próximo ano, quando o comércio deve ganhar fôlego e a indústria continuará avançando lentamente. Pelos seus cálculos, as vendas do varejo ampliado subirão cerca de 6% em 2014, enquanto a produção do setor de transformação crescerá perto de 2,2%.
"Em 2014, deveremos ter inflação menor, queda na inadimplência e o impulso da Copa, fatores que contribuirão para um maior crescimento do varejo. A indústria deve se beneficiar disso - tanto que esperamos expansão acima da projetada para 2013 -, mas o dólar mais fraco vai aumentar a competitividade no setor", diz Thaís.
Já Tendências e Ibre esperam para o próximo ano um cenário semelhante ao de 2013, no qual o consumo não terá espaço para grandes avanços, ao mesmo tempo em que a indústria terá recuperação paulatina. A alta dos juros, o crescimento mais moderado da renda e a menor criação de novas ocupações, segundo Silvia, jogam contra um desempenho expressivo do varejo daqui em diante. Mas, para ela, a perda de fôlego do consumo das famílias é um movimento "favorável". "Há um crescimento mais balanceado entre indústria e comércio", afirma.
A perda de ritmo nas vendas do comércio em 12 meses se deu mesmo com o crescimento acima das expectativas entre julho e agosto. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) as vendas do varejo restrito (que excluem automóveis e materiais de construção) cresceram 0,9% entre julho e agosto, feitos os ajustes sazonais, superando as estimativas de 19 consultorias e bancos ouvidos pelo Valor Data, que previam estabilidade. O resultado ultrapassou também o teto das projeções, que apontava aumento de 0,8% nas vendas, e surpreendeu por ter acontecido após uma forte alta em julho, de 2,1% na comparação com o mês anterior, descontados efeitos sazonais. No comércio ampliado, o aumento entre julho e agosto foi de 0,6%, com as vendas de automóveis voltando a crescer (2,6%), após dois meses de retração.
Para Mariana, tal desempenho mostra que os reflexos do programa Minha Casa Melhor e da perda de fôlego da inflação neste período estão sendo mais fortes que o esperado pelo mercado. O Minha Casa Melhor, segundo ela, ajudou as vendas a descolar dos condicionantes de consumo. Entre julho e agosto, o comércio de móveis e eletrodomésticos aumentou 0,8%, enquanto o de equipamentos de informática subiram 7,6%.
As vendas dos supermercados também vieram melhores que o projetado, com crescimento de 0,6% em agosto, após alta de 1,9% em julho, sempre na comparação com o mês anterior, feitos ajustes sazonais. Esse resultado é creditado por Mariana à deflação de alimentos no período.
Veículo: Valor Econômico