Depois de convencer os bancos de que dar milhas é a melhor forma de estimular o cliente a usar o cartão de crédito, as empresas de milhagem elegeram um novo alvo: o varejo. A disputa de Multiplus e Smiles pelos varejistas já começou e deve ficar ainda mais acirrada nos próximos meses. A Multiplus, da TAM, saiu na frente e tem o maior número de parceiros. Mas a Smiles, da Gol, reagiu e comprou neste mês uma fatia da Netpoints, empresa de fidelização focada no varejo.
A fatia da população brasileira que participa de programas de fidelização ainda é bem menor do que no exterior. A adesão do varejo aos programas é um dos caminhos para aumentar o mercado de fidelização. É também peça-chave para equilibrar o sistema. Multiplus e Smiles têm grande dependência dos bancos (no acúmulo de pontos) e das companhias aéreas (no resgate).
O discurso das empresas para os varejistas é o de que a concessão de pontos poderá fazer os clientes escolherem uma loja em detrimento de outra. Na prática, a adesão do varejo aos programas de fidelização é uma oportunidade para Multiplus e Smiles ganharem duas vezes com a mesma compra. O cliente que já paga o supermercado com cartão de crédito para acumular milhas pode ganhar mais pontos se fizer suas compras em uma rede parceira. Neste caso, a empresa venderia pontos ao banco e à varejista.
Para avançar no varejo, Multiplus e Smiles vão competir com empresas de fidelização que já nasceram com este foco, como a Dotz, que tem 10 milhões de usuários cadastrados, e a Netpoints, com 3,5 milhões.
Para seduzir o varejo, as empresas investem em ferramentas de CRM (gestão de relacionamento com o cliente, na sigla em inglês) para fomentar as vendas. Dotz e Netpoints estão na frente de Multiplus e Smiles na oferta dessas tecnologias. Elas têm sistemas que conseguem identificar no caixa cada item comprado pelo cliente e computar pontos para compra de produtos promocionais.
Com esse sistema, elas inseriram um novo participante no mercado de pontos: as empresas de bens e consumo. Unilever, Reckitt Benckiser, Pepsi e Vigor já pagaram para dar pontos extras aos clientes que comprarem seus produtos - uma receita que vai para empresas de fidelização e para o varejista.
É possível, portanto, fazer ofertas direcionadas a pessoas que compraram uma marca de xampu oferecendo pontos extras para que comprem outra. O nosso desafio é mudar o comportamento do consumidor, disse Roberto Chade, presidente da Dotz.
Multiplus e Smiles correm atrás dessas tecnologias para crescer no varejo. A Multiplus investirá R$ 80 milhões em três anos em ferramentas de CRM e de integração do varejo à sua rede. Queremos criar um market place (site que vende produtos de várias varejistas) com oferta de produtos e serviços em pontos, integrado com o estoque das varejistas, disse o diretor de marketing e venda da Multiplus, Alexandre Moshe.
O Smiles preferiu suprir a necessidade de investir em tecnologias para atender o varejo com a compra da Netpoints, disse o presidente da empresa, Leonel Andrade. O Smiles é focado no passageiro e a Netpoints no consumidor do varejo. São negócios diferentes e complementares, disse. A empresa vai criar uma fórmula de conversão do pontos Smiles para Netpoints e vice-versa. A operação depende do aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Para a Netpoints, a união com o Smiles dá ao programa o acesso a um dos produtos mais cobiçados pelo cliente: a passagem aérea. Já oferecemos passagens como prêmio por meio de agências de viagens. Mas o Smiles tem uma negociação diferenciada com a Gol e a oferta ficará mais competitiva, disse o presidente da Netpoints, Carlos Formigari.
Hoje, mais de 90% dos prêmios resgatados com pontos de Multiplus e Smiles são passagens aéreas. O produto é o preferido da classe A e B e é considerado aspiracional para a classe C.
Mas, segundo o analista do BB Investimentos, Carlos Daltozo, é mais vantajoso para Multiplus e Smiles trocar pontos por outros produtos. A margem é maior na troca de pontos por eletrodomésticos do que passagem, diz o analista.
A diversificação de prêmios ganha relevância também no atual cenário de redução de oferta de voos das companhias aéreas. Como os clientes continuam a converter pontos do cartão de crédito, o risco é criar uma frustração pela dificuldade de conversão do ponto em prêmio. Essa seria mais uma razão para as empresas assediarem as varejistas.
Adesão
Algumas redes, como Magazine Luiza, Walmart, Ponto Frio, Americanas.com, já oferecem pontos aos clientes. Na maioria delas, a oferta é restrita ao e-commerce. Convencer os varejistas não é fácil. Em um cenário em que o varejo opera com margens cada vez menores, comprar pontos para dar aos clientes soa como um custo adicional. É uma decisão financeira. O varejista vai avaliar se isso é custo ou receita, disse o assessor econômico da Fecomercio, Fabio Pina. Segundo ele, a decisão de compra no Brasil ainda é atrelada, principalmente, ao preço. Poucas pessoas pensam em bonificação na hora da compra.
Veículo: A Tarde - BA