Fatia de importados no consumo atinge 23,7% em 2008

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A participação de produtos importados no consumo doméstico continuou a aumentar no ano passado. Com a valorização do câmbio e o forte crescimento da demanda, passou de 21,3% em 2007 para 23,7% em 2008, de acordo com estudo da LCA Consultores. É um percentual bem mais alto que os 14% registrados em 2003. Neste ano, a trajetória tende a se inverter, já que o dólar subiu muito e a expansão da economia será bem mais fraca. No entanto, há o risco de que a fatia dos importados siga em alta em alguns setores, como o de calçados, que já reclama de uma invasão de produtos estrangeiros. 

 

Para o economista Francisco Pessoa, da LCA, a valorização do câmbio foi o principal motivo para a participação crescente das importações no consumo ocorrida nos últimos cinco anos, por baratear muito as compras externas. No segmento de material eletrônico e de comunicações, o coeficiente importado pulou de 38,1% em 2003 para 66,3% em 2008, enquanto no de equipamentos médico-hospitalares, de automação industrial e de precisão o salto no período foi de 44,2% para 70,8%. 

 

O agravamento da crise a partir de setembro não provocou mudanças na fatia importada no consumo aparente total, segundo Pessoa. No quarto trimestre de 2008, o coeficiente importado ficou em 24,6%, o mesmo percentual do trimestre anterior. Em alguns setores, contudo, a tendência se aprofundou, como o de veículos automotores, reboques e carrocerias, em que a participação dos produtos estrangeiros subiu de 23% no terceiro trimestre para 30% no quarto. Na média do ano, ficou em 22,3%. "Esse movimento se deveu ao tombo da produção de veículos, especialmente em dezembro. Não dá para dizer que configura uma tendência", diz Pessoa, observando que outros segmentos viram o coeficiente importado diminuir, como o de máquinas, aparelhos e materiais elétricos, que caiu de 40,7% no terceiro trimestre para 38,6% no quarto. 

 

Além do câmbio valorizado, Pessoa cita outros fatores que explicam o peso mais expressivo das importações no consumo da indústria: o crescimento da demanda, a emergência e consolidação da China como potência industrial global e o aumento do volume de investimentos estrangeiros diretos, o que facilitaria a compra no exterior de máquinas e insumos pelas subsidiárias de multinacionais. "Mas o dólar barato foi o fator mais importante. Com um câmbio mais desvalorizado, não haveria tanta substituição de produção doméstica por importações." 

 

Sócio da RC Consultores, o economista Fábio Silveira atribui mais importância à expansão mais forte da economia brasileira, especialmente a partir de 2006. O avanço mais robusto do Produto Interno Bruto (PIB) elevou significativamente a demanda por bens de capital importados, destinados a aumentar a capacidade produtiva da indústria. Com isso, a participação dos produtos estrangeiros no consumo do setor de máquinas e equipamentos passou de 27% em 2003 para 39,9% em 2008. Fabricantes de bens de consumo duráveis também tiveram uma alta forte do coeficiente importado. No de veículos automotores, o aumento foi de 14% para 22,3% no período. 

 

Silveira destaca outro ponto importante. "A indústria brasileira tem competitividade em produtos mais básicos. À medida que aumenta o conteúdo tecnológico, o país encontra dificuldade para competir com o produto importado, ainda mais com o câmbio como o dos últimos anos." Isso explicaria a explosão do coeficiente importado no segmento de material eletrônico e de comunicações, por exemplo. Outro segmento em que o país mostra problemas de competitividade é o petroquímico, segundo ele. Esse seria um dos motivos para a crescente participação dos importados em produtos químicos, ainda que o avanço tenha sido relativamente modesto. O percentual passou de 22% em 2003 param 28,7% em 2008. 

 

Professor de economia da Unicamp, o economista Edgard Pereira diz que o aumento do coeficiente importado nos últimos anos mostra uma tendência mais estrutural. Para ele, a indústria do Brasil e de outros países da América Latina vem perdendo espaço para a dos países asiáticos, especialmente a China. Pereira atribui o problema a um período prolongado de valorização do câmbio e a investimentos pouco expressivos na indústria por vários anos - o recente ciclo de inversões se acelerou apenas a partir de 2006, diz ele, sócio da Edgard Pereira & Associados. 

 

Para 2009, o quadro deve ser um pouco diferente do registrado nos últimos anos, acreditam Pessoa e Silveira. A perspectiva, segundo eles, é de que as importações perderão algum espaço no consumo. A LCA aposta que a produção industrial crescerá 1,7% no ano, ao mesmo tempo em que projeta queda de 2% no volume de compras externas. Mesmo se a indústria tiver crescimento zero, o coeficiente importado deve recuar, dado que o volume de produtos comprados no exterior tende a cair. Segundo analistas, a inversão da tendência dos últimos anos será influenciada, primeiro, pelo câmbio depreciado, que encarece as compras externas. Além disso, a economia vai crescer bem menos neste ano - o mercado espera uma taxa inferior a 2%, depois da expansão de mais de 5% em 2008. 

 

O comportamento não será homogêneo em todos os setores, como ressalta Pereira. Há segmentos que enfrentarão muitas dificuldades para encontrar fornecedores locais, a despeito do dólar mais caro, diz ele, citando o caso do setor de eletroeletrônicos, em que boa parte dos componentes e mesmo produtos acabados vem de fora do país. Pereira nota ainda que alguns segmentos terão de lutar com a invasão de produtos estrangeiros a preços baixíssimos, como parece ser o caso do de calçados. 

 

De modo geral, porém, a desvalorização do câmbio tende a interromper o aumento da participação dos importados no consumo, dizem Pessoa e Pereira. Seria um efeito colateral positivo da crise, detendo o processo de desindustrialização induzido pelo dólar barato nos últimos anos. A questão é que pode ser algo apenas temporário, avalia o primeiro, lembrando que a moeda americana pode voltar a cair nos próximos meses. 

 

O estudo da LCA também mostra o encolhimento da fatia da produção doméstica destinada à exportação, que recuou de 22,3% em 2007 para 20,8% em 2008. Para Pereira, a queda se explica principalmente pelo impacto do dólar barato, que reduziu a rentabilidade das exportações. Pessoa acredita que também houve uma redução do excedente exportável, num momento de forte crescimento. Os analistas acreditam que esse percentual tende a continuar em queda em 2009, mesmo com o câmbio mais desvalorizado. A questão é que a demanda global está muito fraca, por causa da recessão nos países desenvolvidos e da forte desaceleração nos países emergentes. 

 

Veículo: Valor Econômico


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