Procurar soluções para gargalos em saúde e educação, por exemplo, já é uma prática entre alguns empreendedores no Brasil; fundos de investimentos focados na área cresceram no ano passado.
A crise econômica abre espaço para o empreendedorismo de impacto social no Brasil, mercado que, normalmente, já possui uma série de oportunidades de negócios, tendo em vista os gargalos dos nossos serviços públicos.
Apesar de ser uma atividade econômica recente no País, o número de investidores interessados nesse segmento tem crescido. Renan Costa Rego, coordenador de busca e seleção da ONG Artemisia - que atua no fomento de negócios sociais - diz que, até 2012, havia somente quatro fundos de investimentos no Brasil com foco na área social, montante que saltou para 28, atualmente.
Ele esclarece ainda que os negócios de impacto social têm o objetivo de desenvolver soluções para a população de baixa renda, sem abrir mão da rentabilidade.
"O foco desse segmento é diferente da responsabilidade social de uma grande empresa, por exemplo. Nesse caso, quando há uma crise, os projetos sociais são os primeiros a ser cortados. Estão à margem da estratégia central da companhia", explica.
Um exemplo desse modelo de negócios é a rede de clínicas de ortodontia MultiOrto, criada a partir da percepção de um gargalo no Sistema Único de Saúde (SUS).
"O governo federal tem um programa de saúde bucal chamado Brasil Sorridente, que oferece alguns serviços dentários, mas não de ortodontia. Então, a proposta da MultiOrto foi criar um serviço acessível e especializado só em ortodontia. Para se ter uma ideia do mercado, 35% da população brasileira precisa de tratamento ortodôntico e 70% depende do SUS", conta o coordenador da Artemisia.
Hoje, a MultiOrto possui cerca de 20 clínicas no estado de Pernambuco, com tratamentos a R$ 50 por mês.
Lucro social
Como não dá para deixar o lucro de lado, Valéria Barros, gestora de negócios de impacto social do Sebrae, analisa formas do modelo de negócio se tornar rentável. Uma delas é encontrar maneiras de participar da cadeia de valor das grandes empresas. "Um exemplo disso é apresentar para a Johnson & Johnson, por exemplo, uma escova adaptada para deficientes motores."
Outra forma de ganhar escala é participar das compras governamentais. "O setor público é uma grande comprador. Dá para pensar soluções para a evasão escolar, para o fornecimento de merenda, para o SUS", exemplifica.
Esse foi um dos caminhos percorridos pelo diretor executivo da Playmove, Marlon Souza, que criou, junto com seu sócio Jean Gonçalves, a primeira mesa interativa digital com jogos educativos do Brasil. Cerca de 80% dos seus clientes estão no setor público.
"Encontramos uma oportunidade de negócio propondo uma nova forma de educar, mais interativa, onde o professor é muito mais um conselheiro do que uma figura impositiva. A ideia é mostrar que aprender pode ser divertido. Isso traz um impacto social muito forte", conta Souza.
"Tivemos o cuidado de criar uma mesa que funciona off-line, pensando nas escolas das regiões mais periféricas do País, onde a rede de internet não tem muita velocidade", acrescenta o empresário.
Mesmo com a crise, as vendas Playmove cresceram em 2015. Em 2014, foram vendidas 500 mesas interativas, número que saltou para 2 mil no ano passado. Além disso, a perspectiva é que a empresa consiga vender mais 4 mil mesas ao longo de 2016: 3 mil no mercado interno e 1 mil no mercado internacional. A Playmove acaba de abrir escritórios no Chile e no Uruguai.
Souza relata ainda que a empresa se levantou com recursos próprios e que, no início, havia muita desconfiança por parte dos investidores. "Existia uma avaliação, por parte deles, que um hardware voltado para a educação, principalmente para a pública, não tinha a menor chance de virar no Brasil. Fora isso, somos uma indústria e isso implica em aportes muito grandes. É mais fácil apoiar startups que desenvolvem só software. Nós desenvolvemos software e hardware. Temos um parque fabril, uma equipe de linha de produção, uma equipe pedagógica", conta Souza.
Crise
Para o coordenador da Artemisia, a crise abre oportunidades de negócios na área social.
"Quem perdeu emprego, pode pensar nos gargalos sociais que existem. Um exemplo de oportunidade está nos serviços financeiros. Cerca de 40% da nossa população não tem conta corrente ou poupança".
Valéria do Sebrae lembra ainda do Grupo Carteiro Amigo, empresa prestadora de serviços de correspondência nas favelas do Rio de Janeiro, criada por Carlos Pedro, morador da periferia "Esse exemplo mostra que os negócios de impacto social podem ser criados pela própria classe C e D", finaliza a representante do Sebrae.
Veículo: Jornal DCI