São Paulo - O discurso mais conservador do Comitê de Política Econômica (Copom), reforçado em documento divulgado ontem, foi criticado por especialistas consultados pelo DCI. Professor de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), Mauro Rochlin foi um dos que contestaram a condução dos diretores do Banco Central (BC). Segundo ele, os executivos estão atrelando a diminuição da taxa Selic ao avanço das reformas do governo federal.
"Eles deixam prevalecer a ideia de que, sem essas medidas, a situação fiscal pode piorar e a taxa de câmbio pode ser afetada, o que daria força à inflação." Na opinião do entrevistado, entretanto, a conjuntura atual favorece a avaliação oposta. Isso porque a não aprovação das reformas pode atrasar a retomada econômica, e, assim, gerar efeito desinflacionário.
Em ata referente à reunião da semana passada, o colegiado do BC deu destaque ao quadro de instabilidade no País. Por esse motivo, voltou a sinalizar "uma redução moderada do ritmo de flexibilização monetária em relação ao ritmo adotado hoje".
Repetida várias vezes, a palavra incerteza foi atrelada ao avanço das reformas no Legislativo, à trajetória da inflação e à retomada econômica. Em abordagem mais positiva, ela também foi relacionada ao cenário externo.
Professor de economia da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), Antônio Correa de Lacerda disse que o BC está cometendo um "erro de interpretação". Na visão dele, não existe perspectiva de pressão inflacionária para este ano, o que poderia justificar uma redução no ritmo de cortes na Selic.
Na mesma linha, Rochlin lembrou que a taxa de juro real está mais alta, hoje, do que no começo da crise "Já que o IPCA [Índice de Preços ao Consumidor Amplo] chegou a um patamar inferior àquele que o próprio BC esperava". Por isso, apontou ele, o Copom tem mais espaço para reduzir a taxa básica de juros.
Com o corte de 1 ponto percentual, na semana passada, a Selic nominal recuou para 10,25% ao ano. Já o IPCA acumulado em 12 meses chegou a 4,08% em abril. Segundo as projeções do relatório Focus, a inflação deve ficar abaixo de 4%, neste ano.
Após a divulgação da ata, analistas de mercado reforçaram a aposta em um corte de 0,75 ponto percentual na próxima reunião do comitê, marcada para o final de julho. O Itaú Unibanco, por exemplo, divulgou comunicado com essa projeção. "Uma antecipação de política monetária deixou de ser uma opção." Ainda assim, o banco manteve a estimativa de que a taxa terminará 2017 em 8% ao ano.
Setor externo
Sobre a situação internacional, os diretores do BC escreveram que a situação "tem se mostrado favorável". Foi colocado, porém, que o cenário externo apresenta "considerável grau de incerteza e pode dificultar o processo de desinflação".
Essa interpretação também foi contestada pelos especialistas. Após afirmar que a instabilidade global não é grande, Lacerda disse que esse argumento não pode ser usado, atualmente, para justificar uma condução mais conservadora da taxa básica. "Nenhum país está fazendo isso."
Rochlin seguiu a mesma linha. Segundo ele, "alguma ação desestabilizadora" pode ser tomada por Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. Essa atitude, contudo, não traria uma retomada da inflação no Brasil, afirmou.
Grandes variações nos preços internacionais de commodities, como o petróleo e o minério de ferro, também poderiam aquecer o IPCA. Mais uma vez, entretanto, os especialistas desconsideraram essa possibilidade. "Não está no horizonte", disse Rochlin.
Inflação em baixa
A ata do Copom ainda trouxe leve mudança nas projeções para os preços. Para 2017, é esperado que o IPCA acumulado em 12 meses termine o ano em 4%. Para 2018, a projeção é um pouco superior, em 4,4%. No documento anterior, divulgado em abril, as expectativas apresentadas apontavam alta de 4,1%, neste ano, e de 4,5%, no ano que vem. Os esboços são feitos com base no relatório Focus, realizado pelo BC. Em relação aos preços administrados, os executivos projetaram alta de 6,1%, em 2017, e de 5,5%, em 2018.
"Todos os membros do Comitê concordaram que as perspectivas para a inflação têm evoluído de maneira favorável", apontou a ata. Os diretores da autoridade monetária também apontaram que a desinflação dos preços de alimentos e de preços industriais "pode contribuir para quedas adicionais das expectativas de inflação e da inflação em outros setores da economia".
O colegiado também voltou a defender a realização das reformas fiscais. "São fundamentais para a sustentabilidade da desinflação, para o funcionamento pleno da política monetária e para a redução da taxa de juros estrutural", indicou a ata.
Além das alterações fiscais, o Copom pediu a realização de "outras reformas e investimentos em infraestrutura que visam aumento de produtividade, ganhos de eficiência, maior flexibilidade da economia e melhoria do ambiente de negócios". Na visão do colegiado, essas mudanças são "fundamentais para a estabilização e a retomada da atividade econômica" no País.
Fonte: DCI São Paulo