O futuro de cerca de 2,1 mil farmácias magistrais especializadas em homeopatia espalhadas por todo o Brasil pode estar seriamente comprometido. Submetidas à regras mais rígidas por parte da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2000, elas agora começarão a enfrentar um segundo obstáculo: a concorrência de peso de um grande laboratório internacional, como o Boiron, reconhecido por oferecer medicamentos homeopáticos industrializados com garantias e, principalmente, com escala global.
O movimento pode criar também no Brasil uma mudança no segmento como já ocorreu em mercados como Estados Unidos e Europa, onde as farmácias de manipulação de homeopatia praticamente deixaram de existir. Segundo o diretor do laboratório Boiron para o Brasil, Ricardo Ferreira, o caminho da especialização, ganho de escala e controle de qualidade é inevitável, uma vez que as grandes indústrias possuem mais condições de controle sobre os produtos. "Além disso, nos mercados maduros qualquer médico prescreve remédios homeopáticos, não necessariamente um médico precisa ser especializado, como aqui", explica.
A existência de medicamentos prontos na farmácia, com indicações para cada problema, segundo ele, ajudou a popularizar e democratizar a homeopatia nos mercados maduros e é assim que a empresa - que fatura € 466 milhões, dos quais 50% disso fora da França - pretende trabalhar por aqui. Para isso, já obteve registro da Anvisa para medicamentos para gripe e controle de ansiedade.
A presidente da Associação Brasileira de Farmacêuticos Homeopatas (ABFH), Márcia Aparecida Gutierrez, não acredita que a chegada do concorrente internacional represente, efetivamente, uma grande mudança da cultura homeopática local. "A industrialização limita a autonomia dos médicos brasileiros, acostumados a individualizar os tratamentos", diz. Segundo Márcia, entre as farmácias homeopatas submetidas às novas regras, quem não conseguiu se adaptar já saiu do mercado ou vendeu o negócio. "Quem ficou já sobreviveu ao primeiro baque e está mais preparado para a concorrência." Além disso, a bandeira de qualidade, levantada por laboratórios, não pode ser mais um argumento, segundo a da ABFH. "Isso acontecia antes de 2000 quando não havia normatização."
Nas resoluções, a Anvisa incluiu regras que vão desde as instalações físicas das farmácias até mesmo um roteiro de preparação e fiscalização. Hoje, os estabelecimentos, além da fiscalização, passam por auditorias anuais. Se as adequações não forem feitas, a farmácia corre o risco de ficar parcialmente interditada.
Mesmo sem ter documentado o número de farmácias que fecharam ou foram vendidas ao longo dos cinco anos, a representante da ABFH diz que quem ficou assumiu a responsabilidade e o alto custo de manter um serviço de qualidade. "Quando comecei, em 85, só havia 10 farmácias homeopáticas no Estado de São Paulo e hoje somos mais de 1,4 mil. Se não funcionasse não duraria tanto", acrescenta.
Mas, para a diretora farmacêutica e responsável técnica do Boiron, Maria Isabel de Almeida Prado, há dificuldades básicas para dimensionar o negócio. "As regras exigem uma estrutura enorme, para que se venda apenas um remédio. Isso comprometerá até mesmo o futuro das farmácias de manipulação convencionais", diz ela, que fechou sua própria rede de farmácias, Aleph.
Especializado em homeopatia, o doutor Renan Ruiz, acredita que hoje haja uma demanda reprimida por remédios homeopáticos prontos. "Há medicamentos ‘coringa’ que podem ser usado para eventualidades e que podem ser industrializados, o que não impede a individualização", diz Ruiz, acrescentando que o principal é a garantia de um bom produto para o paciente
Veículo: Gazeta Mercantil