Cardápio sem culpa

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Conhecer o caminho percorrido pela iguaria até chegar ao prato ajuda a decidir sobre consumo de alimentos ecologicamente controversos

 

Há quem não deixe de comer e quem não coma de jeito nenhum. E há aqueles que se debatem com dúvidas éticas cada vez que se veem em frente a um prato de palmito, atum, ovas, caranguejo, vitelo e outras iguarias.

 

Além das discussões sobre maus tratos de animais, os questionamentos envolvem a destruição de árvores, a extinção de espécies e outras interferências nos ecossistemas.
No caso do palmito, por exemplo, questiona-se o impacto no ambiente da extração de suas folhas imaturas e as consequências de seu consumo para a preservação da espécie.
A fiscalização sobre a extração legal no Brasil tem falhas, mas dá para aliviar a consciência optando por açaí ou pupunha -ambos são ecologicamente sustentáveis porque continuam a produzir após a retirada do primeiro palmito- e escolhendo uma marca com registro do Ibama. Se o preço for muito baixo, desconfie.

 

Tentar saber de onde vem também ajuda na hora de dizer sim ou não às ova s de peixe, muito usadas no preparo de sushis. Entre as mais consumidas no Brasil, as de salmão costumam vir de fazendas de cultivo no Chile -não estariam, portanto, ameaçando a reprodução natural da espécie.

 

O caso da tainha é diferente: a sobrepesca do peixe para retirada das ovas no Sul do país levou o Ibama a limitar o uso de redes e a proibir a captura de animais menores.
No dia a dia, uma boa fonte de consulta para ajudar a escolher os peixes que irão para o prato é o "Guia de Consumo Responsável de Pescados" (www.unimonte.br/bemvindo/guia.html), cartilha da Unimonte (Centro Universitário Monte Serrat) que lista as espécies mais abundantes e aquelas que devem ser evitadas por estarem em risco.

 

1 - Caviar

As ovas da fêmea do esturjão, peixe nativo do Hemisfério Norte, são as mais valorizadas do mundo. A maioria do caviar é retirado de três espécies do mar Cáspio: beluga, oscetra e sevruga.
Devido aos preços estratosféricos -o quilo custa cerca de 40 mil euros- e à contaminação do mar, a população de esturjões está ameaçada. O beluga, que produz as maiores ovas, teve sua pesca proibida. Para as outras espécies, foram estabelecidas cotas reduzidas.
O caviar de esturjões de cativeiro é a alternativa mais sustentável ecologicamente. Segundo Matilde Ghelfond, sócia da importadora Le Caviar, as fazendas reproduzem o habitat natural do peixe. "As fêmeas são separadas em grupos para reprodução e extração das ovas. E o caviar só é retirado quando alcança o tamanho adequado", diz. Parte do processo, no entanto, é o mesmo: as ovas são extraídas com o peixe vivo, que morre em seguida.
Para saber se o caviar provém de cativeiro, procure o número do Cites na lata, órgão internacional que controla espécies em extinção.

 

2 - Caranguejo

O Brasil é um grande consumidor do caranguejo-uçá, proveniente dos mangues do país, que vão do Amapá a Santa Catarina.
Por ser extremamente frágil, sua mortalidade durante o transporte é altíssima, perdendo-se cerca de 50% da quantidade capturada inicialmente. "Isso bota o preço lá em cima e força o pescador a coletar mais", explica o biólogo Cláudio Sampaio, professor da Universidade Federal da Bahia.
Além da sobrepesca da espécie, há ainda a deterioração dos mangues, que oferecem aos peixes e crustáceos alimento e proteção contra predadores. Os caranguejos cavam buracos, oxigenando o solo, que abriga fauna e flora peculiares. Sem eles, o habitat é bastante alterado.
"Cerca de 70% das espécies comerciais marinhas passam alguma fase da vida no mangue", afirma Sampaio. Por causa da grande procura, boa parte das áreas de mangue do Nordeste já sofre consequências da exploração. O caranguejo-uçá também está na lista das espécies ameaçadas de sobre-exploração do Ibama.

 

3 - Vitelo

Na Europa, o consumo de vitelo -bezerro, geralmente macho, criado de forma a ter carne tenra e clara- é muito difundido; aqui, está crescendo. A criação do vitelo de carne rosa pouco difere da dos bovinos de corte -a não ser pelo fato de receberem um concentrado alimentar para engordar para o abate, que ocorre aos seis ou aos sete meses.
O consumo de vitelo de carne branca é o mais polêmico. Isso porque o animal é confinado em gaiolas, à maneira dos suínos, e alimentado com uma dieta pobre em ferro até o abate, aos três meses, para que sua carne não escureça. "É um animal mais propenso a adoecer, mas o manejo em um ambiente com assepsia ameniza o problema", afirma o zootecnista Flávio Dutra de Resende.
Para Marly Winckler, da Sociedade Vegetariana Brasileira, o vitelo é um alimento repulsivo devido ao tratamento dado ao animal. Ela lembra que os bezerros machos são "um descarte da indústria do leite", para a qual não têm serventia.

 

4 - Ninho de andorinha

Ingrediente caro e raro, com o qual se prepara uma sopa na Ásia, é a mistura da secreção oral de andorinhões com resíduos de algas das quais ela se alimenta, retirada dos ninhos de duas espécies. No Brasil, pouco se sabe sobre o impacto da coleta no ciclo reprodutivo das aves, que vivem em rochas à beira-mar, mas a enciclopédia "Handbook of the Birds of the World" afirma que sua exploração tem prejudicado a reprodução da ave.

 


5 - Angula

É o nome espanhol para a larv a de enguia. Trata-se da única larva cuja pesca é permitida por lei e não consta da lista das espécies ameaçadas do governo federal.
Em Santa Catarina, há uma produção pequena. A maior parte do que é consumido por aqui, no entanto, é importada da Europa, onde as enguias adultas, capturadas nos rios, estão expostas à poluição e passam por longos períodos de migração.
"É espécie com ciclo de vida complexo", explica June Ferraz Dias, professora do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo.
As enguias são consideradas vulneráveis e, por isso, o parlamento europeu propôs em 2003 algumas ações para limitar a pesca da larva.
Comer a enguia ainda não desenvolvida agrava o problema. "Ao consumirmos as angulas, não permitimos que os indivíduos cheguem à idade reprodutiva e, portanto, eles não deixarão descendentes", afirma.

 

6 - Foie gras

A prática de forçar a alimentação de patos e gansos para extrair seu fígado gordo remonta à época dos romanos. Em pequenas propriedades da França, a ave passa seus últimos dias confinada e recebe uma alimentação semilíquida através de um cano de metal.
No Brasil, a "gavage", como esse método é conhecido, não é adotada. Em vez disso, os patos que fornecem o fígado gordo são presos em galpões com iluminação artificial nas duas últimas semanas de vida, com alimentos energéticos à disposição. "Os animais entendem que, por ser dia, é hora de comer", afirma Martha Autran, professora de gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi. Sem espaço para se exercitar, engordam e acumulam gordura no fígado -que cresce até dez vezes em comparação ao tamanho normal.
Para o veterinário Enrico Lippi Ortolani, professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, algumas espécies animais toleram melhor do que outras o acúmulo de gordura no fígado. "O pato não desenvolve insuficiência hepática. Já o homem poderia morrer", afirma.
Segundo Marcondes Moser, sócio da Villa Germania, produtora de Indaial (SC), a gordura que se acumula no fígado da ave diminui quando a alimentação é reduzida. "O fígado volta ao normal. Se estivesse doente, não teria esse retorno nem o pato chegaria vivo ao abate. Isso é fiscalizado pelo SIF [Serviço de Inspeção Federal]", diz.
Para a WSPA (World Society for the Protection of Animals, sociedade mundial de proteção animal, em inglês), os efeitos físicos nas aves são incontestáveis e há fortes evidências de que esse procedimento causa sofrimento aos animais. "Se o fígado não funciona corretamente, todas as toxinas fluem pelo sangue, prejudicando a função de vários órgãos e causando estresse e sofrimento. A respiração torna-se difícil devido à pressão do fígado contra outros órgãos", dizem os representantes da entidade.

 

7 - Ovas de peixe

As ovas de peixes são os ovários de fêmeas de espécies como salmão, tainha e peixe-voador, muito usadas em receitas orientais.
Geralmente, as ovas são comercializadas por preço maior que o da carne, o que leva à pesca excessiva e ao descarte do peixe. "Se há aproveitamento integral da carne, consumir os ovários é bom, uma vez que os ovócitos são nutritivos", diz June Ferraz Dias.
O salmão e as ovas consumidas no Brasil vêm de fazendas de cultivo no Chile. Já a tainha e o peixe-voador são pescados durante o período de reprodução, na época que antecede a desova.
Devido à pesca excessiva da tainha no Sul do país para a retirada das ovas, o Ibama publicou, em dezembro do ano passado, a portaria 171, que limita o uso de redes e proíbe a captura de animais com menos de 35 cm.

 

8 - Barbatana de tubarão

Não há restrição legal para comercialização das barbatanas no Brasil. No entanto, é proibido capturar o animal para retirar as nadadeiras e devolvê-lo ao mar, quando não pode mais sobreviver. A prática é comum devido à diferença entre o alto preço das barbatanas e o baixo preço da carne. Para evitá-la, a lei exige que os barcos tragam também a carcaça, o que nem sempre acontece.
Em São Paulo, a barbatana do tubarão-azul (cação) é servida em sushis ou ensopada, como no restaurante Tantra, que prepara o prato sob encomenda. A iguaria fazia parte do cardápio, mas, depois de ouvir reclamações, o chef Eric Thomas decidiu servi-la somente em eventos. "Um grupo de mergulhadores pediu que eu tirasse", conta. Thomas diz que só compra o peixe inteiro e que usa o restante da carne em outros pratos. "Tentei explicar, mas não teve jeito."
Segundo o Ibama, o tubarão- azul está na lista de espécies ameaçadas de sobre--exploração, mas sua pesca ainda é permitida.

 

9 - Atum

Existem oito espécies de atum. A mais valiosa e apreciada é o atum-azul, difícil de encontrar. No Japão, o atum-azul é pescado no mar e engordado em tanques-rede. Também conhecida por "atum gordo" ou "toro", a espécie desenvolve uma gordura especial e um peixe custa até US$ 40 mil no Japão.
Por aqui, são consumidas outras espécies, como o bonito, igualmente saboroso. O atum avermelhado, servido grelhado e em sushis, é o albacora. Mais raro e mais caro é o atum bati, a espécie gorda encontrada na costa brasileira. Quando algum é capturado, restaurantes de São Paulo costumam dividir o peixe.
O atum não está em nenhuma lista de restrição oficial do país, porém, por causa da pesca excessiva, o "Guia de Consumo Responsável de Pescados", da Un imonte, sugere que o consumidor evite esses três tipos, substituindo-os pelo bonito ou por outras espécies sem problemas relacionados à sua conservação, como a cavala, o dourado e a garoupa.

 

10 - Palmito

Palmito são folhas imaturas de uma palmeira. Das quatro principais espécies, duas morrem quando ele é extraído: o juçara e a palmeira real australiana. Já a pupunha e o açaí são ecologicamente sustentáveis, pois a palmeira continua a produzir após a extração. Além disso, a pupunha é cultivada, enquanto o açaí desenvolve muitas hastes e não está ameaçado.
Embora órgãos ambientais façam exigências para incentivar a extração sustentável, a fiscalização é falha, o que torna difícil saber se o palmito em conserva é legal.
De acordo com a engenheira agrônoma Valéria Modolo, do Instituto Agronômico, todo palmito, desde que bem manejado, pode ser consumido sem dúvidas éticas. "Existe a possibilidade de cultivo sustentável das quatro espécies, mas deve-se desconfiar quando o preço está muito baixo", diz.
A maior parte do palmito em conserva é de palmeira açaí, e essa informação consta do rótulo. É importante observar também o registro do Ibama e a espécie -se for juçara, a mais ameaçada, desconfie de preços baixos e de marcas desconhecidas.

 


Veículo: Folha de S.Paulo


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