Demissão em massa é a única alternativa da má gestão. A opinião é do consultor Niels Pflaeging. Para ele, as empresas e seus altos executivos abusaram da agressividade enquanto a economia estava bem, estabelecendo metas que eram, muitas vezes, irreais. "Quem agora demite assume seus erros de gestão: contratou errado, forçou o crescimento, estava enlouquecido por essa perspectiva e desconsiderou os riscos em função das promessas de bônus oferecidas pelos costumeiros sistemas de remuneração", critica.
Atacar determinadas práticas corporativas depois que elas se mostraram danosas não é difícil. Desde que o banco investimento Lehman Brothers declarou concordata, em setembro do ano passado, dando início ao maior abalo financeiro dos últimos anos, muitos especialistas têm aparecido para apontar - tardiamente, diga-se - o que havia de errado.
Tal oportunismo não pode ser atribuído ao alemão Pflaeging, atualmente radicado no Brasil. Em 2006, muito antes da início do caos econômico, ele lançou o livro "Liderando com Metas Flexíveis" (Bookman, 270 páginas, R$ 54), que recebeu o prêmio de Melhor Livro de Gestão da edição alemã do jornal "Financial Times’’, na categoria liderança. Agora o livro chega ao Brasil. O lançamento da edição nacional acontece hoje, às 21h30, na Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos, em São Paulo.
No livro, Pflaeging defende que que as empresas que mantêm um sistema de incentivos e remuneração baseado em metas rígidas e individuais não conseguem mobilizar seus colaboradores e se entregam ao desgaste. "Os sistemas de remuneração fundamentados em planos e orçamentos se baseiam no pressuposto de que os gerentes devem ser premiados pelo cumprimento das metas prefixadas para certo período e, inversamente, punidos caso não as atinjam. Essa forma de pensar é tóxica em ambientes dinâmicos", afirma.
Na avaliação do consultor, tal modelo mostrou-se não apenas ineficiente diante da crise econômica internacional, mas também foi uma de suas causas. "As empresas que tiveram recorde de contratações no curto prazo são as mesmas que agora, pensando no curto prazo, demitem. São companhias que aderem a metas negociadas internamente e que são, em última instância, aleatórias", avalia. "Elas fazem isso em função das suas previsões anuais, tornando-se incapazes de olhar para a realidade dos mercados." Para Pflaeging, o caos que atingiu o setor financeiro é o maior indício dos equívocos da chamada gestão por comando e controle. "Os bancos distribuíram incentivos e bônus aos seus executivos com a finalidade de crescerem rapidamente em cima de expectativas fantasmas e metas absurdas", diz.
Segundo o autor, uma solução é o sistema de remuneração relativa. "A reflexão sobre a avaliação do desempenho e a remuneração nos obriga a questionar premissas tradicionais da liderança e do gerenciamento", observa. "Segundo o paradigma tradicional, para ter sucesso é preciso fixar metas antecipadamente - por ano ou trimestre. Então força-se todos a alcançá-las, às vezes com incentivos. Há ausência de liderança nesse tipo de procedimento", diz. "O verdadeiro líder cria espaços para que as pessoas possam fazer seu trabalho. O gestor cria controles, o que atrapalha"
Caso brasileiro
No livro, Pflaeging analisa o caso da Semco, empresa brasileira do setor de tecnologia e prestação de serviços, e de outras onze companhias estrangeiras - todas colhem, segundo ele, os resultados positivos de uma gestão baseada em metas flexíveis. "Há mais de 20 anos a Semco estimula uma cultura em que os executivos abriram mão do poder e do controle. E é bem-sucedida assim", diz. "Os colaboradores estabelecem seus próprios salários. Contudo, o autocontrole e a pressão do grupo fazem com que os custos de pessoal não aumentem de forma exorbitante. Os salários de todos os colaboradores são transparentes para os colegas. Como a legislação brasileira proíbe reduções de salário, pessoas que ganhassem demais se tornariam, em pouco tempo, insustentáveis para a empresa. Na Semco existem diversos modelos de remuneração entre os quais os colaboradores podem escolher", observa.
Para o consultor, o desafio desse sistema é que ele está baseado na confiança. "É preciso abolir o pensamento de que as pessoas só farão seu trabalho caso recebam uma cenoura, como se fossem burros", critica. "Normalmente os executivos criam um sistema no qual os funcionários são fortemente controlados, como se eles fossem os causadores dos problemas. É uma visão obsoleta da natureza humana. Quando tratadas assim, as pessoas têm comportamentos cínicos e anti-éticos. Só ao eliminar esses sistema é que o comportamento natural emerge", diz.
Para Pflaeging, empresas baseadas em metas flexíveis sofrem menos com a turbulência econômica. "Elas não se jogam na insensatez da prefixação de metas absurdas. Sabem e souberam administrar suas contratações e desafiar seus funcionários em torno de uma parceria, com vistas à participação nos resultados globais", diz. A Dell, fabricante norte-americana de computadores, é outro caso discutido pelo autor no livro. "Ela poderia ser chamada de Toyota da indústria eletrônica. Opera com sucesso, desde a década de 80, num segmento difícil, e registra ótimos lucros. Seus processos de logística e produção fizeram a famosa internacionalmente", pontua.
Veículo: Gazeta Mercantil