Conselho vai julgar autuação da Colgate pela compra da Kolynos

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Em 1995 a compra da Kolynos pela Colgate-Palmolive foi considerada um marco por ter dado início à era das grandes aquisições no país, além de ter inaugurado a atual forma de análise de concentração de mercado no Conselho Administrativo de defesa Econômica (Cade). Quatorze anos depois, ainda há uma pendência que, ao que tudo indica, pode ser resolvida neste mês, ao menos na esfera administrativa. No dia 27 de julho o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) - antigo Conselho de Contribuintes - deve finalmente julgar uma autuação do fisco contra a Colgate, feita em outubro do ano 2000, por conta da compra da Kolynos. Segundo fontes consultadas pelo Valor, a autuação envolveria cerca de R$ 80 milhões, em valores de hoje.

 


A operação de compra e venda foi realizada dentro de um planejamento complexo que incluiu a criação de novas empresas no Brasil, nos Estados Unidos e no Uruguai (veja quadro abaixo). Os ativos e direitos da Kolynos foram formalmente vendidos por uma empresa uruguaia criada pela Laboratórios Wyeth-Whitehall, que era, na época, a fabricante da marca no Brasil. A compra também foi feita por outra empresa uruguaia criada pela Colgate. Segundo o fisco, feita fora do Brasil, a operação evitou a cobrança de Imposto de Renda (IR) sobre o ganho de capital. Os recursos usados para a operação no Uruguai, de US$ 760 milhões, foram repassados por uma empresa criada pelo grupo Colgate no Brasil, a K&S Aquisições. Os recursos que chegaram à K&S Aquisições não foram, porém, formalmente declarados como investimento estrangeiro para a compra de participação acionária, mas como empréstimo contraído de outra empresa do grupo Colgate, instalada nos Estados Unidos - a KAC Corp. De acordo com informações que constam no processo administrativo em curso no Carf, além de evitar o IR sobre o ganho de capital que seria devido pelo vendedor, a complexa operação deu também uma vantagem tributária para o comprador: os juros pagos pela brasileira K&S Aquisições à KAC Corp, em razão do empréstimo de US$ 760 milhões, passaram a ser deduzidos como despesa do IR devido no Brasil.


 
Contexto


  
A compra da marca Kolynos pela Colgate-Palmolive é emblemática sob diversos ângulos. Ela foi iniciada em 1994, primeiro ano de estabilidade econômica no Brasil após uma década de fracassados planos de controle da inflação. Dois anos depois, foi concluída e representou a primeira grande operação na área do fusões e aquisições no país. Do ponto de vista da concorrência, a compra da Kolynos foi também um marco: criou novos parâmetros de análise de concentração econômica no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e inaugurou a atual fase do direito antitruste brasileiro. Isso porque, com a aquisição, a Colgate, que já detinha 27% de participação no mercado, passou a responder por 78% das vendas de cremes dentais no país. Assim, o Cade, em uma decisão inédita, determinou a retirada da marca Kolynos do mercado por quatro anos, prazo que expirou em 2002. Durante esse período, a Colgate lançou uma nova marca no mercado, a Sorriso.
 

 
É esse mesmo empréstimo o cerne da disputa tributária travada entre o fisco e a Colgate na instância administrativa para a discussão de autuações fiscais. De acordo com informações apresentadas no processo administrativo em curso no conselho, o fisco autuou a empresa diante do argumento de que a estrutura de financiamento utilizada permitiu a eliminação de resultados no Brasil, através da geração de despesas com empréstimos feitos no exterior. Segundo afirma o relator do processo no conselho, ao descrever a argumentação do fisco, toda a estrutura da operação "foi montada para facilitar a venda da Kolynos do Brasil sem a ocorrência de ganho de capital, mediante a caracterização de ganho realizado no exterior".

 

O primeiro argumento utilizado pelo fisco é o de que a K&S Aquisições, embora tenha contabilizado o valor do empréstimo de US$ 760 milhões como despesa, reduzindo o lucro e, consequentemente, o Imposto de Renda (IR) a pagar, o valor foi depositado diretamente na conta da empresa uruguaia Albala - sem sequer passar pela empresa brasileira. Essa tentativa do fisco de descaracterizar o empréstimo, no entanto, já foi abandonada. Isso porque a operação foi considerada regular pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, instância administrativa de julgamento de recursos contra penalidades administrativas aplicadas pelo Banco Central (BC). O BC havia aplicado uma multa correspondente a cerca de 23% do total de ativos da Colgate-Palmolive - ou 29% de sua receita anual - por conta de prestação de declaração falsa em contrato de câmbio, contra a qual a empresa recorreu em 2001. No parecer enviado ao BC, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) opinou pela manutenção da multa, mas em 2007 o conselho de recursos decidiu que não ficou caracterizada qualquer irregularidade no empréstimo e a ação foi arquivada.

 

O segundo ponto defendido pelo fisco é o de que a Colgate não poderia ter contabilizado os juros pagos pelo empréstimo tomado como despesa para deduzi-los do lucro apurado e, assim, diminuir a base de cálculo do IR. De acordo com dados do processo administrativo em curso, nos anos de 1996, 1997 e 1998 a empresa teria infringido o artigo 242 do Regulamento do Imposto de Renda de 1994, segundo o qual despesas não necessárias às atividades do contribuinte deverão ser adicionadas ao lucro contábil - e não lançadas como despesas. O fisco considera que a compra da Kolynos não se enquadraria em uma necessidade para a atividade da empresa dedutível da base de cálculo do IR. De acordo com Paulo Riscado, procurador que coordena a atuação da PGFN no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o empréstimo recebido pela empresa brasileira não decorreu de um ato de sua gestão, mas de uma decisão da empresa americana que detinha a Kolynos. "O planejamento tributário não pode ser oposto à legislação tributária", diz Riscado.

 

A Colgate, no entanto, se defende com o argumento de que a realização de empréstimos de empresas não-residentes às suas coligadas ou controladas no país é uma prática extremamente comum, cuja licitude estaria acima de qualquer dúvida. Nas informações que constam no processo, a empresa chama a atenção para o fato de não se tratar de um simples empréstimo repassado a terceiros, mas de uma operação complexa, de natureza global e de exigida celeridade para sua conclusão, sobretudo diante do porte e interesse de empresas concorrentes na aquisição do negócio da Kolynos. A empresa ainda alega em sua defesa que a atitude da fiscalização foi extemporânea ao aplicar ao caso as alterações feitas pela Lei Complementar nº 104, de 2001, no artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN) - a partir dessa mudança, foi dada à autoridade administrativa a possibilidade de desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com o objetivo de dissimular a ocorrência de um fato gerador de tributos ou a natureza dos elementos constitutivos das obrigações tributárias. De acordo com a argumentação da empresa no processo administrativo, a operação de compra questionada foi anterior à alteração no código tributário, e o regime não é autoaplicável.

 

No julgamento do processo pelo então denominado Primeiro Conselho de Contribuintes, a primeira instância do órgão administrativo, a Colgate saiu vitoriosa. De acordo com o relatório do conselheiro Mario Junqueira Franco Junior, relator do processo, a operação "não fere em nada a legislação tributária". Segundo ele, principalmente porque, "ao contrário de países como os Estados Unidos e o México, não temos no Brasil qualquer regra de limitação de dedutibilidade de encargos de financiamentos feitos pelo próprio sócio da empresa".

 

O fisco recorreu da decisão à câmara superior de recursos fiscais do conselho, que colocou o processo na pauta do dia 27 de julho. Caso a decisão seja mantida, a Fazenda não poderá recorrer na Justiça - do contrário, a Colgate ainda pode ir buscar o Judiciário para contestar a autuação. Procurada pelo Valor, a empresa informou que não se posicionará sobre o assunto.
 

 
Veículo: Valor Econômico


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