Embarques totais no semestre caem 59,1% ; cotação internacional também desestimula as vendas
Os números das exportações de lácteos no primeiro semestre deste ano trazem duas certezas: o Brasil ainda não é competitivo o suficiente para se firmar como exportador do produto no mercado internacional e é arriscado depender da demanda da Venezuela.
Nos primeiros seis meses deste ano, as exportações de lácteos brasileiras somaram US$ 97,4 milhões, 59,1% a menos do que as US$ 238,2 milhões do mesmo período de 2008. Desse total, US$ 31,255 milhões foram para a Venezuela, recuo de 69,2% na mesma comparação. Para se ter uma idéia do baque, de janeiro a junho de 2008 o país governado por Hugo Chávez tinha comprado US$ 101,501 milhões em lácteos do Brasil, isto é, mais do que tudo o que o país embarcou no semestre que passou.
Mas é claro que a culpa não é toda da Venezuela, que importa alimentos por meio da PDVAL, subsidiária da petrolífera PDVSA, e viu suas receitas recuarem após a forte queda nos preços do petróleo no mercado internacional desde o ano passado. A crise financeira global afetou a oferta de crédito nos países importadores e também a demanda por lácteos. O efeito foi a queda das cotações internacionais do leite.
"Os preços no mercado internacional caíram demais e a indústria brasileira não é competitiva", admite Rodrigo Alvim, presidente da Comissão Nacional da Pecuária de Leite da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Conforme dados do USDA (Departamento de Agricultura dos EUA), compilados pela Scot Consultoria, na 27ª semana deste ano a tonelada de leite em pó integral na Europa estava entre US$ 2.600 e US$ 2.700 por tonelada. Em igual semana em 2008, variava entre US$ 4.300 e US$ 4.725. O leite em pó é o principal item exportado pelo Brasil.
Com os atuais preços internacionais e o dólar desvalorizado em relação ao real tornou-se mais vantajaso para as empresas vender lácteos no mercado doméstico.
Alfredo de Goeye, presidente da Serlac, trading que em 2008 respondeu por metade das exportações de lácteos do país, faz um cálculo rápido que explica o atual quadro. Considerando que para produzir um quilo de leite em pó são necessários 8,5 litros de leite e o preço pago ao produtor nacional hoje está na casa dos R$ 0,75 por litro, o custo chega a cerca de R$ 6.370 por tonelada, ou o equivalente a US$ 3.190. Ocorre que no mercado internacional, os preços pagos pelo leite em pó estão na casa dos US$ 2.200, segundo Goeye.
O preço alto no mercado interno reflete a menor captação de leite no país por causa da queda da produção dos rebanhos, o que gera disputa entre os laticínios.
"As cotações internacionais não estimulam [a exportação]", observa o presidente da Serlac. Pela primeira vez nos sete anos de sua existência, a Serlac não exportou nada de leite em pó em um mês (junho passado). Outro dado dá uma medida do cenário mais apertado para as exportações: no primeiro semestre deste ano, a trading exportou um quarto dos US$ 120 milhões de igual período de 2008.
Com a dificuldade de exportar produto brasileiro, a Serlac decidiu vender leite de outra origem. "Estamos exportando leite do Uruguai (a US$ 2.300 por tonelada) para a Nigéria porque o Brasil não tem interesse em exportar", diz Alfredo de Goeye.
A central de cooperativas mineira Itambé, que no ano passado foi o maior fornecedor de leite brasileiro para a Venezuela, também vê um quadro muito diferente este ano. Depois de exportar um total de US$ 220 milhões em lácteos em 2008, estima que irá embarcar entre US$ 80 milhões e US$ 100 milhões este ano.
A empresa também não conseguiu fazer exportações à Venezuela este ano, segundo Jacques Gontijo, presidente da Itambé. "A Venezuela está com os estoques altos", justifica ele.
De acordo com Rodrigo Alvim, da CNA, a Nova Zelândia tem conseguido vender para a Venezuela porque tem "preços melhores" do que o Brasil. No ano passado, o país da Oceania evitava fazer vendas para governos, mas voltou a fornecer para os venezuelanos por meio de leilões. Num dos mais recentes, segundo Alvim, a tonelada de leite em pó foi negociada a US$ 1.829.
Apesar de reconhecer o peso da Venezuela nas exportações de lácteos - em 2008, o país comprou 61% dos US$ 541,5 milhões exportados pelo Brasil - Jacques Gontijo observa que outro cliente importante, a Argélia, também está comprando menos.
Alvim acrescenta que outros importadores de lácteos, como países do norte da África e nações da Ásia, deixaram de fazer estoques. Daí, a queda dos preços.
Se tudo continuar na mesma toada nos mercados internacional e doméstico, o ritmo mais lento das exportações não será alterado, avalia Alvim, para quem a volta dos subsídios às exportações de lácteos na União Europeia e EUA também reduz a competitividade do produto brasileiro.
Por enquanto, o quadro é de déficit na balança comercial de lácteos do Brasil, com saldo negativo de US$ 51 milhões até junho. Poderia ser pior não fosse a implantação, em abril, de um sistema de licenciamento não-automático para conter o avanço das importações de leite e derivados da Argentina. Havia suspeita de triangulação com leite da Nova Zelândia e da UE nas operações. Em 2008, o saldo da balança de lácteos foi positivo em US$ 328,4 milhões.
Veículo: Valor Econômico