Após quase seis anos de espera, a Lei dos Orgânicos (Lei 10.831, de 23/12/2003) começa a ganhar elementos para efetivamente ser aplicada. Em junho, o governo publicou três instruções normativas (INs) que detalham as regulamentações da lei, totalizando cinco até agora, o que, conforme especialistas, já cobre mais de 90% da realidade do setor. Até o fim do ano, deverão ser publicados mais três textos, que estão em fase de finalização.
É no clima de "categoria oficialmente formada" que começa amanhã, na capital paulista, a 5ª edição da Bio Brazil Fair (leia mais ao lado).
A publicação de todas as normativas previstas deve beneficiar a cadeia produtiva, trazendo, em seu rastro, um crescimento na demanda.
Na prática, porém, tanto no campo quanto na indústria, as normativas não devem mudar a rotina de produtores já certificados. "Como não tínhamos uma lei que regulamentasse o setor, as certificadoras que atuam no País adotavam padrões internacionais", diz o agricultor orgânico Adilson Maia Lunardi, que também é coordenador da Associação dos Agricultores Ecológicos das Encostas da Serra Geral (Agreco), de Santa Catarina.
"O que vai mudar é que o setor ficará mais padronizado, porque todos terão de seguir as mesmas regras e trabalhar com o mesmo padrão."
O produtor orgânico Ricardo Schiavinato, certificado pela Ecocert e há mais de dez anos no setor, também não espera que a lei vá interferir no seu trabalho. "A certificadora adotava a normativa europeia, bastante completa e rígida. Pelo que vi nas normativas publicadas não há muita mudança."
De qualquer forma, os produtores reconhecem que a regulamentação é um passo importante. "A lei é um marco para a produção orgânica brasileira, que está crescendo e amadurecendo", diz Schiavinato. "E, o mais importante, conquistando mercados além das grandes redes varejistas."
Hoje, ressalta, há inúmeras lojas, butiques, feiras e até deliveries especializados em orgânicos. "Estamos também expandindo esse mercado para fora dos grandes centros. Há dez anos, 90% do que eu vendia ia para a capital. Hoje, vendo cerca de 60% para a capital e 40% para o interior", calcula.
CONFIANÇA
É justamente no consumo que o setor espera o maior impacto. "Até hoje o consumidor tinha de confiar em quem produzia o orgânico. Eram tantas certificadoras, que ficava difícil conhecer todas. Agora, com a lei e o selo orgânico, que será padronizado, ficará mais fácil de identificar os produtos", acredita o presidente da Câmara Temática de Agricultura Orgânica, o agrônomo José Pedro Santiago.
Ele recorda que, nos Estados Unidos e na Europa, depois que as leis para o setor de orgânicos foram editadas, o consumo deu um salto. "Uma das explicações é a de que o consumidor fica mais atento e seguro na hora de comprar", analisa. Além disso, a regulamentação tende a gerar um clima de maior confiança entre potenciais investidores.
Formar uma cadeia mais transparente também é a expectativa do presidente da Associação Brasileira dos Produtores e Processadores de Alimentos Orgânicos (Brasil Bio), José Alexandre Ribeiro. "A lei facilita para todos, do produtor, que é mais bem orientado, até o consumidor, que pode identificar melhor os produtos orgânicos."
CERTIFICADORAS
Conforme a lei, toda a cadeia de orgânicos tem até o fim do ano para se adequar às normativas. Para as certificadoras, a principal mudança é a de que, a partir de janeiro, todas as que atuam no Brasil terão de ser acreditadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) e credenciadas pelo Ministério da Agricultura. "Será uma dupla inspeção", diz Santiago. "O modelo do selo já foi escolhido, porém ainda não há nenhuma certificadora credenciada."
O engenheiro Caetano da Conceição, gestor de Acreditação de Produtos Orgânicos do Inmetro, diz que a instituição já disponibiliza o serviço de acreditação às certificadoras de orgânicos. "Temos recebido vários pedidos de informação e já temos processos de acreditação em andamento", afirma. As certificadoras interessadas podem consultar o site do Inmetro (www.inmetro.gov.br/credenciamento/organismos/ocp.asp)
para obter mais informações sobre o processo de acreditação, documentos necessários e custos envolvidos ou entrar em contato pelo e-mail cconceicao@inmetro.gov.br.
Uma espera de seis anos
A Lei 10.831 foi sancionada em dezembro de 2003, mas o Decreto 6.323, que a regulamenta, foi publicado quatro anos depois, em dezembro de 2007. A lei previa dois anos para o setor se adaptar. Para isso, era preciso editar as instruções normativas, com o detalhamento das normas. "Até agora, a cadeia orgânica no Brasil se desenvolveu graças so setor privado, que investiu muito, mas chegou no limite.
Precisávamos de políticas públicas para dar mais este passo", resume o coordenador de Agroecologia do Ministério da Agricultura (Mapa), Rogério Dias.
No ano passado, recorda Dias, foram publicadas a IN 64 - com regras da produção animal e vegetal - e a IN 54, que trata das comissões estaduais de produção orgânica, que hoje envolve mais de 350 organizações no Brasil. No fim de junho, o governo publicou mais três instruções normativas.
A IN 17, com as normas para a obtenção de produtos orgânicos do extrativismo sustentável. A normativa reconhece como orgânicos os produtos do extrativismo sustentável orgânico, retirados em ecossistemas nativos ou modificados, nos quais a manutenção da sustentabilidade do sistema não dependa do uso sistemático de insumos externos.
Já a IN 18 trata do regulamento técnico para processamento, armazenamento e transporte de produtos orgânicos. Os produtos apícolas ganharam um capítulo específico (capítulo 3), com quatro artigos, que definem equipamentos para extração e processamento do mel. E a IN 19 prevê os mecanismos de controle e informação da qualidade orgânica.
Conforme Dias, os integrantes da Câmara Temática de Agricultura Orgânica trabalham agora nos textos da instruções que tratam da aquicultura, cosméticos e têxteis e, uma das mais esperadas, a dos insumos. "Falta acertar detalhes que sejam coerentes com a agricultura orgânica. A IN 64 tem uma relação do que é permitido usar, mas precisamos criar mecanismos que facilitem e simplifiquem o registro de produtos, para que cheguem mais rapidamente ao mercado."
Veículo: O Estado de S.Paulo