Revisão de artigos publicados nos últimos 50 anos diz que não há evidência de que produtos sem agrotóxico sejam superiores - Especialistas brasileiros defendem o consumo de itens orgânicos por serem cultivados sem adição de substâncias tóxicas
Os alimentos orgânicos não têm benefícios nutricionais superiores aos dos alimentos comuns, concluiu a maior revisão de estudos já feita sobre o assunto, com 162 artigos científicos publicados nos últimos 50 anos. O trabalho foi encomendado pela agência de alimentos do governo britânico.
Para os autores da pesquisa, não há evidências que fundamentem a escolha de orgânicos em detrimento dos alimentos produzidos convencionalmente, com base na superioridade nutricional de uns sobre outros. A pesquisa foi publicada ontem no "American Journal of Clinical Nutrition".
"Existe um número mínimo de diferenças em teor de nutrientes entre os alimentos orgânicos e os convencionais, sem relevância em termos de saúde pública", disse Alan Dangour, um dos autores do estudo.
Para ele, os consumidores estão pagando preços mais altos por alimentos orgânicos devido a seus supostos benefícios para a saúde, criando um mercado global de orgânicos que movimentou US$ 48 bilhões em 2007. No Brasil, a estimativa do governo federal é que os orgânicos movimentem R$ 500 milhões por ano e envolvam 15 mil produtores, com uma área de cultivo de 800 mil hectares.
Agrotóxicos
Embora reconheçam a semelhança do valor nutritivo dos orgânicos e dos alimentos convencionais, médicos ouvidos pela Folha defendem que os primeiros continuam em vantagem por não serem cultivados com agrotóxico.
"Nutricionalmente, o orgânico não tem diferença em termos de composição, mas se difere em termos de preservação de solo, de forma de cultivo e de uso de agrotóxico. Mas o estudo é importante porque desmistifica um pouco [a superioridade dos orgânicos]", afirma o nutrólogo Daniel Magnoni, do Hospital do Coração.
Na sua opinião, o consumidor deve procurar sempre uma alimentação saudável e, se tiver condições econômicas, consumir alimentos sem agrotóxicos. "Primeiro você evita gordura saturada, sal e açúcar, depois você pensa no orgânico."
De acordo com o nutrólogo Edson Credidio, se o preço for um impeditivo para o consumo de alimentos orgânicos, o consumidor pode comprar uma fruta convencional em um estágio mais avançado de maturação e, além disso, colocá-la em um litro de água com uma colher de sopa de bicarbonato de sódio para ajudar a reduzir o agrotóxico residual.
O pesquisador da Embrapa Walter José Matrangolo argumenta que o principal benefício do alimento orgânico é a ausência de produtos tóxicos. "Os agrotóxicos contidos nos alimentos têm consequências crônicas, que podem aparecer ao longo dos anos", diz.
Ele alerta ainda sobre a "questão ética" dos orgânicos. "Quando a pessoa compra um alimento sem agrotóxico, menos produtos tóxicos são jogados no meio ambiente."
Rogério Dias, coordenador de agroecologia do Ministério da Agricultura, afirma que é preciso ter cautela com os resultados da revisão científica porque a legislação sobre alimentos orgânicos, na maior parte do mundo, data do início da década de 1990. "Estudos anteriores a isso podem ter seguido padrões diferentes, que nem sabemos quais são."
Para ele, a principal diferença entre alimentos orgânicos e não orgânicos está no método de produção. "A adubação convencional é reducionista: trabalha com nitrogênio, fósforo e potássio, além de alguns micronutrientes. Já a produção orgânica nutre o solo de forma que as plantas tenham uma riqueza de nutrientes."
Veículo: Folha de S.Paulo