Ameaçada pela tendência dos consumidores de optar por produtos mais baratos, a Procter & Gamble Co. lançou discretamente nos Estados Unidos uma versão de seu detergente para lavar roupas Tide que a empresa admite abertamente não ser "nova e melhorada".
O novo produto, Tide Basic, perdeu um pouco da capacidade de limpeza do original. E também custa 20% menos. Ele é um dos sinais mais eloquentes até agora de como a enfraquecida economia americana está forçando fabricantes de bens de consumo em massa a alterar o curso. Ontem, a empresa, mais conhecida no Brasil por marcas como Ariel, Pampers e Gillette, divulgou queda de 18% no lucro do quarto trimestre fiscal, porque as vendas de suas marcas mais caras encolheram em virtude dos bolsos apertados dos consumidores em muitos países.
A decisão de desenvolver o Tide Basic não foi tranquila. Durante décadas a P&G adotou a estratégia de promover novas características para convencer os consumidores a pagar mais por detergente, xampu e outros bens de consumo doméstico básicos. Mas, quando as marcas próprias dos supermercados, mais baratas, começaram a ganhar espaço nas prateleiras, a P&G passou a oferecer clones de alguns de seus produtos, como o papel higiênico Charmin e as toalhas de papel Bounty, a um preço mais baixo para se adaptar aos orçamentos mais magros.
A P&G sofreu até decidir adotar caminho similar com o Tide, a marca de detergente para lavar roupa mais vendida nos EUA. Uma versão mais "básica" serviria de contrapeso ao preço mais alto do Tide e ajudaria a expandir sua já dominante fatia de mercado, que vinha caindo. Nas quatro semanas encerradas em 12 de julho, o Tide teve 41,4% do mercado americano de detergentes líquidos, 3,25 pontos porcentuais abaixo do nível de igual período um ano antes. No mercado de detergentes em pó, ele ficou com 44%, uma queda de 1 ponto em relação a um ano antes, segundo estimativas da firma de pesquisa de mercado Information Resources Inc. Os números não incluem lojas da Wal-Mart Stores Inc.
Executivos da P&G temiam que a versão barata pudesse canibalizar as vendas do Tide normal, que responde por mais de US$ 3 bilhões da receita anual de US$ 79 bilhões da P&G. Os marqueteiros da empresa repudiavam tanto a ideia de manchar a valorizada marca que brigaram pelo menos oito vezes por causa disso nos últimos 30 anos.
Em novembro passado, dois gerentes da sede da P&G em Cincinnati entraram numa reunião de executivos para sugerir uma nova tentativa. "Apenas ouçam e mantenham a mente aberta", disse-lhes Suzanne Watson, uma diretora-associada de marketing.
Havia um bom motivo para prestar atenção. Muitos americanos estão, pela primeira vez, recortando cupons de lojas, experimentando marcas mais baratas e apertando os cintos. Economistas não sabem quando tempo essa tendência vai durar, mas um relatório recente da Information Resources identificou uma nova classe de consumidores cautelosos com o orçamento. Cerca de 52% dos consumidores planejam comprar marcas próprias das lojas no próximo ano para economizar, 47% querem reduzir a frequência a restaurantes e 48% pensam em usar tratamentos de beleza em casa, em vez de ir a salões.
Em Houston, Texas, Jaime Ball, diretora de marketing de uma fabricante de roupas local, diz que não sentiu realmente os efeitos da recessão, mas começou a cortar gastos assim mesmo, reduzindo as visitas ao shopping e resistindo às compras de impulso.
Depois de pagar US$ 17 durante anos pelos frascos do xampu e condicionador Matrix, Ball, de 28 anos, recentemente comprou um Pantene por US$ 5. "Comprar as coisas mais caras não é mais tão gostoso para mim - não é tão importante", diz ela. "Não sei nem se dá para dizer que há diferença."
Essa dúvida atinge o coração do atual dilema da P&G. A empresa, de 172 anos, construiu seu império depois da Segunda Guerra Mundial, com o aumento da riqueza dos americanos e a tendência deles de igualar o "melhor" com preço mais alto. A P&G inundou as rádios e as televisões com anúncios prometendo produtos de qualidade superior, desde pasta de dentes a cera de assoalho. Como retorno, a P&G conseguiu fixar preços mais altos.
A abordagem firmou produtos típicos do lar, como o líquido de limpeza Mr. Clean, a pasta de dentes Crest e o detergente para roupas Tide. A P&G vendia marcas mais baratas, mas mal fazia publicidade delas.
Agora o modelo da P&G está sob ataque porque varejistas como Wal-Mart, Target Corp. e cadeias de supermercados de todos os EUA melhoraram a qualidade e a seleção de suas marcas próprias, seduzindo os consumidores que contam centavos a abandonar os produtos mais caros da P&G, e minando a liderança da empresa no mercado.
O lucro da P&G no trimestre encerrado em 30 de junho ficou em US$ 2,47 bilhões, ante US$ 3,02 bilhões um ano antes. As vendas caíram 11%, para US$ 18,7 bilhões. Executivos da empresa atribuíram a queda em parte a diferenças maiores entre os preços de suas marcas e os de itens mais baratos. No período, a empresa informou que perdeu participação de mercado em cuidados para roupa, pilhas e salgadinhos.
Em resposta, a P&G está tentando estender as marcas de melhor qualidade a uma faixa mais larga de preços. Numa única loja, os consumidores podem escolher o que os executivos da empresa chamam de "portfólio", em que os cremes de pele Olay variam entre US$ 7 e US$ 68, e as pastas de dentes Crest vão de US$ 2,25 a US$ 4,25. As fraldas descartáveis Pampers Baby Dry custam cerca de 20% menos que as Pampers Cruisers.
"Cada um de nossos negócios precisa de uma estratégia de portfólio", diz Robert McDonald, um veterano da marca Tide que assumiu o cargo de presidente executivo em julho. "Antes de fazer qualquer coisa, quero investir em fazer nosso portfólio maior e mais amplo."
O novo Tide está à venda, por enquanto, em 200 supermercados nos EUA. A P&G vai observar seu desempenho nesses mercados antes de decidir qual será o destino do produto no longo prazo.
Veículo: Valor Econômico