O sucesso comercial de uma variedade de feijão da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Angola deve consolidar a atuação da estatal na África e impulsionar o projeto brasileiro de transferência de tecnologia para o continente.
A boa adaptação do material genético ao solo e ao clima africano permitirá à Embrapa produzir, em parceria com a estatal angolana de terras (Gesterra), sementes de feijão, arroz, milho, soja e hortaliças para atender à forte demanda de outros países da região por alimentos básicos. Principal referência mundial em agricultura tropical, a Embrapa também prepara a reformulação da estatal de pesquisa agropecuária local, a Inia, e a criação de 14 centros de investigação em Angola.
O avanço da unidade africana reforça a estratégia política do governo brasileiro de aproximação com o continente e o plano comercial de promover máquinas, equipamentos e insumos de indústrias nacionais na região. "É um modelo de sucesso de transferência de tecnologia em parceria com governo e setor privado", comemora o coordenador da Embrapa África, Paulo Galerani. "Teremos sementes adaptadas e aliadas a conceitos conservacionistas, como plantio direto e rotação de culturas".
A produtividade média de 26 sacas por hectare obtida pela cultivar de feijão "Pérola" na região de Malanje surpreendeu os pesquisadores. No Brasil, onde figura como variedade mais cultivada há uma década, esse tipo "carioca" de feijão rende entre 35 e 40 sacas por hectare em áreas irrigadas. "Conseguimos produzir mesmo com pouca água", relata o pesquisador José Geraldo Di Stefano, responsável pela transferência de tecnologia. Em vez dos 350 milímetros de chuva, o feijão floresceu com apenas 165 mm.
A "aventura" da Embrapa em Angola, país que importa 90% dos alimentos consumidos, começou há três anos em parceria com a Odebrecht e a Gesterra. A fazenda Pungo Andongo, situada a 320 km ao norte da capital Luanda, cultivou nesta safra 4,5 mil hectares de milho. O feijão da Embrapa entrou no sistema de rotação em apenas 125 hectares da área. E teve uma performance acima da esperada. "Quando dá certo, a confiança entre os parceiros aumenta", diz Di Stefano.
A Gesterra investiu US$ 30 milhões na preparação da fazenda e nas instalações industriais para processar milho. A Odebrecht faz a gestão agrícola e a Embrapa garante a tecnologia. A meta é abrir 28 mil dos 33 mil hectares da fazenda. "Foi muito produtivo, mas ainda dá para evoluir mais", diz o agrônomo Evandro Fortes, gerente da fazenda da Odebrecht. A empresa, que tem investimentos em hidrelétricas, rodovias, saneamento, açúcar e imobiliária em Angola, está instalando uma fábrica de ração animal e planeja uma beneficiadora de feijão.
Mesmo com o sucesso agronômico, há adversidades pelo caminho. "A logística ainda é complicada e a formação profissional, deficiente. Mas estamos contribuindo para desenvolver o país", ressalva Di Stefano. Em visitas semestrais a Angola, ele pesquisa a adaptação de cenoura, couve, repolho, soja, feijão caupi, arroz e milho de proteína melhorada na fazenda. "Buscamos plantas de duplo propósito, com ciclo precoce, qualidade alimentar melhorada, além de tolerância a doenças e estresse hídrico", explica.
A fazenda gerida pela Odebrecht está na terceira safra. Na primeira, apenas experimental, foram cultivados 500 hectares. Na segunda, sem o feijão da Embrapa, foram 3 mil hectares de milho. Desta vez, foram plantados 125 hectares de arroz e outra área semelhante de feijão. "A 'expertise' da Embrapa foi fundamental até aqui", diz Fortes.
Os angolanos aprovaram a atuação da Embrapa. "Queremos capacitar nossos pesquisadores e adaptar todas as variedades ao nosso clima e solo", diz o diretor da Gesterra, o químico industrial Mauro de Carvalho. A fazenda da estatal produziu 22 mil toneladas de milho hoje, o que significa apenas 15% do potencial. "Além disso, é um embrião, um modelo, que vamos replicar para outras várias áreas do país", afirma.
Veículo: Valor Econômico