Empresas criam programas para líder de primeira viagem

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Em 2002, com apenas 25 anos de idade, a publicitária Cristiana Rodrigues foi ao mesmo tempo promovida e jogada aos leões. Sem ter recebido qualquer treinamento de liderança por parte da empresa de telefonia onde trabalhava, ela não apenas mudou completamente de área como assumiu a frente de uma equipe formada por 20 profissionais terceirizados e mais dois funcionários contratados. Para completar, não teve qualquer tipo de orientação por parte da sua nova gestora, que só se preocupava com os resultados a serem entregues. "Eu tinha que me provar o tempo todo. Além de ter chegado depois, precisava mostrar que tinha capacidade de liderar uma equipe em que havia muita gente mais velha do que eu", lembra. "Só aceitei o desafio porque sempre gostei muito de gente e, para mim, esse é o princípio básico da liderança."

 

Sete anos depois, agora coordenadora de internet da operadora Tim, Cristiana tem a sensação de dever cumprido, mas procura fazer com a sua equipe o contrário do que recebeu dos seus gestores no passado. Além da orientação profissional, ela também se preocupa com a vida pessoal dos seus colaboradores. "Os problemas pessoais se tornam importantes porque eles impactam nos resultados das pessoas", afirma.

 

Casos como o de Cristiana ainda são muito comuns nas empresas, mas já se pode observar que, nos últimos anos, mais organizações passaram a dar atenção aos seus líderes do primeiro nível. Depois de muitos anos transformando excelentes técnicos em péssimos gestores, elas aprenderam que o momento de transição deve ser conduzido com cuidado. Apesar de boa parte ainda ficar apenas no discurso, especialistas garantem que houve uma evolução importante nas empresas em relação a planejamento de sucessão e de formação de jovens lideranças.

 

"As organizações têm feito um mapeamento mais aprofundado do perfil das pessoas, olhando aspectos técnicos, comportamentais e de desempenho. Quanto mais elas planejam as promoções e melhor discriminam os perfis, elas incorrem em um número menor de erros", afirma a gerente de negócios da consultoria Hay Group, Glaucy Bocci. "Quando a mudança é planejada, o profissional já passou por projetos e atividades que o colocaram em posições de liderança." E esse planejamento não se trata apenas do preparo prévio do profissional, mas também de um acompanhamento após a promoção, como por exemplo os programas de coaching.

 

Foi o que aconteceu com a Daniella Ungar, 27 anos, coordenadora de produto da Brasilprev Seguros e Previdência. O sucesso de sua promoção, que ocorreu este ano, se deu por uma conjunção de fatores: seu esforço pessoal, seu desempenho na empresa e o apoio organizacional. Funcionária desde 2005, quando entrou como analista júnior na área de estratégia, Daniella conta que sempre aproveitou as experiências na empresa em benefício próprio, observando nos seus superiores e pares tanto as boas práticas e como também os exemplos que não gostaria de seguir. "Sempre tentei reduzir ao máximo o tempo das atividades básicas para poder me dedicar às mais complexas", diz ela, que paralelamente, manteve uma atividade acadêmica intensiva: graduada em propaganda e marketing, já concluiu uma pós-graduação em gestão da inovação tecnológica pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e atualmente cursa um MBA em gestão empresarial na Fundação Instituto de Administração (FIA).

 

A Brasilprev também fez a sua parte no processo. Além de incentivar Daniella a participar de grupos multifuncionais e de projetos importantes quando ainda era analista, a empresa a incluiu no piloto do Teoria na Prática, programa criado em 2008 com o objetivo de treinar características de liderança e gestão em profissionais com potencial. A gerente da área de estratégia e pessoas, Regina Frederico, explica que além de treinamentos formais, o programa conta com um "coaching coletivo" - no qual o grupo discute com um especialista assuntos específicos de gestão - e também um "mentoring" individual. Neste caso, cada participante do treinamento escolhe um executivo da companhia capacitado para esse papel para ter reuniões individuais sobre carreira durante um determinado período. Em 2008, 17 analistas sênior participaram do treinamento.

 

A Serasa Experian é outro exemplo de empresa que oferece um treinamento específico para os seus chamados "high potentials" antes e depois de assumirem sua primeira função gerencial. Quando identificados como potenciais gestores, esses profissionais participam de cursos formais e recebem um coaching individual, além de serem mais expostos na organização em reuniões de diretoria e projetos importantes.

 

O diretor de desenvolvimento humano, Milton Luís Pereira, explica ainda que, após a promoção, entra uma nova etapa de capacitações em três diferentes dimensões: a de gestão (de processos, projetos e pessoas), a de educação (a missão de ouvir e influenciar a equipe) e, a partir deste segundo semestre, terá início a dimensão de transformação, em que serão estimuladas características de inovação. Se, ainda assim, o novo gestor tiver dificuldades em lidar com a equipe, ele pode acionar o seu coach, que neste primeiro nível é um profissional da empresa, ou solicitar o apoio da área de desenvolvimento humano.

 

O professor de comportamento organizacional do Insper, Paulo Sérgio de Oliveira, critica o fato de que muitas empresas ainda possuem um discurso bonito em relação à formação de lideranças, mas, na prática, toda a estrutura é voltada para o treinamento técnico. "Não adianta só ensinar como fazer uma boa avaliação de desempenho. As perguntas têm que ser: gosto de gente? Tenho noção de que agora estou formando pessoas? Isso não fica claro na cabeça de quem está começando", diz o professor.

 

Para Oliveira, é fundamental dar atenção aos gestores do primeiro nível. "É nessa fase que se deve aprender a orientar e avaliar pessoas. O profissional tem que ser treinado para observar fatos, realidades e comportamentos", diz. As dificuldades se estendem também para a sala de aula. Segundo ele, são poucos os alunos de pós-graduação que realmente se preocupam em aprender questões de liderança e comportamento organizacional. "Acho que só uns 10% estão realmente interessados em aprender. Infelizmente, a grande maioria ainda vai para a universidade em busca de certificado."
 


Veículo: Valor Econômico


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