Jogada da Kraft deixa Nestlé e Hershey sob pressão para agir

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A oferta da americana Kraft Foods Inc. para comprar a britânica Cadbury PLC pode colocar a suíça Nestlé SA e a americana Hershey Co. numa situação não muito cômoda se estas não se movimentarem para uma proposta conjunta ou em separado.

 

A Cadbury rejeitou publicamente ontem a oferta não negociada de US$ 16,73 bilhões da Kraft. A fabricante britânica de doces pretende se manter independente, aumentar a oferta de compra ou encontrar um comprador amigável.

 

A presidente executiva da Kraft, Irene Rosenfeld, reiterou em conversas com investidores, ontem, que a meta da gigante americana dona da Lacta é iniciar negociações amistosas com a Cadbury. A ação da Kraft caiu ontem, numa indicação de que os investidores podem estar temerosos de que a gigante de alimentos dos Estados Unidos aumente demais sua oferta.

 

Considerada o último grande alvo de aquisições no setor de doces, a Cadbury poderia ajudar a suíça Nestlé a recuperar parte da grande fatia de mercado perdida quando a Mars Inc. se fundiu com a Wm Wrigley Jr. Co., no ano passado. Para a Hershey, a Cadbury oferece o tipo de alcance global que a empresa da Pensilvânia necessita para manter-se competitiva.

 

Uma pessoa familiarizada com o pensamento da Hershey já disse que a empresa "provavelmente terá alguma reação". Isso provocou a especulação de que a Hershey poderia se associar à Nestlé. Mas o tamanho relativamente pequeno da Hershey e sua estrutura organizacional podem complicar uma oferta. A Hershey é dirigida por uma fundação que tem insistido em manter o controle da empresa.

 

Um porta-voz da Hershey negou-se a comentar o assunto ontem. A ação da Hershey subiu 1,3% na Bolsa de Nova York, para US$ 39,13.

 

O presidente executivo da Nestlé, Paul Bulcke, disse a repórteres, há dois dias, que a empresa está sempre "aberta a oportunidades de aquisição se elas fizerem sentido estrategicamente", mas que seu apetite é limitado.

 

"Em termos de acordos transformativos, (a compra da Cadbury) seria um deles", disse Neil Saunders, diretor consultivo da Verdict Research, de Londres. Se a Nestlé não conseguir a Cadbury, acrescentou, "eles apenas terão que trabalhar mais duro com o que já possuem".

 

A fusão Mars-Wrigley tirou a Cadbury do primeiro lugar no negócio mundial de fabricação de doces e chocolates. Ao mesmo tempo, a Mars estava pronta para se juntar à Cadbury como a segunda empresa do setor a ter presença forte nas três categorias de produção: chocolate, goma de mascar e balas.

 

Para a Nestlé, a terceira maior empresa do ramo, a união entre a Mars e a Wrigley rapidamente realçou fraquezas. A Nestlé estava em primeiro ou segundo lugar em três dos quinze maiores mercados de doces, mas, depois da fusão, ficou com apenas um, de acordo com uma pesquisa da Sanford C. Bernstein.

 

Quando Bulcke assumiu a direção da Nestlé, no ano passado, ele transformou o negócio de doces em uma das prioridades, dizem executivos da empresa. Agora, uma união Kraft-Cadbury poderia desafiar a Nestlé em alguns mercados geograficamente importantes. Por exemplo, o chocolate Milka, da Kraft, é forte na Europa continental, oferecendo a plataforma para o lançamento das marcas Cadbury, que têm sido fracas lá.

 

Além disso, o segundo lugar que a Kraft ocupa no mercado latino-americano de chocolates - particularmente no Brasil, onde desfruta de uma fatia de 30% do mercado - seria impulsionada pela posição dominante da Cadbury no ramo de gomas de mascar. O maior mercado de doces da Nestlé é o Brasil.

 

A união Kraft-Cadbury poderia ter seu maior impacto ao consolidar a indústria de chocolate na Europa ocidental. As duas empresas unidas passariam a ser líderes desse mercado tão segmentado, com cerca de 21% das vendas, de acordo com o analista Andrew Lazar, do Barclays Capital.

 

Uma união Kraft-Cadbury poderia até mesmo ser mais arriscada para a Hershey, que depende quase exclusivamente do mercado dos EUA para vendas e lucros. Essa nova combinação poderia levar a Hershey para um distante quarto lugar no mercado mundial de doces.

 

Sem um parceiro internacional como a Cadbury, a "Hershey vai perder a competitividade nos mercados globais", diz o analista Christopher Growe, da Stifel Nicolaus. "Se alguém investe US$ 1 milhão para desenvolver um novo produto, pode obter um retorno melhor do investimento se vendê-lo em 150 países, em vez de apenas 1."

 

A Hershey tem um contrato de longo prazo, assinado nos anos 80, para vender os produtos Cadbury nos EUA. Nem a Cadbury nem a Hershey informam se o contrato tem alguma cláusula relativa a "mudança de controle" que possa ser acionada por uma compradora da Cadbury.

 

Como a Hershey tem pouca presença fora dos EUA e não obteria uma grande economia de custos com a compra da Cadbury, Growe diz que a aquisição seria muito mais custosa para ela do que para a Kraft. A Kraft informou que espera cortar US$ 625 milhões em custos com a aquisição da Cadbury.

 

A Hershey, que tem sido uma das mais lentas entre as grandes fabricantes de alimentos embalados, está se recuperando. Suas marcas populares têm ganhado com a tendência dos consumidores de evitar marcas premium, e a Hershey tem conseguido aumentar seu mercado mesmo tendo aumentado um pouco seus preços.

 

Depois de cair por vários trimestres, o lucro operacional subiu nos últimos meses. As vendas da Hershey no segundo trimestre aumentaram 6%, para US$ 1,171 bilhão, enquanto o lucro cresceu 46%, para US$ 147 milhões.

 

Para os consumidores, qualquer nova consolidação pode acarretar preços mais altos. As empresas de doces já aumentaram preços por causa do custo maior dos ingredientes.

 

Em agosto de 2008, a Hershey anunciou que aumentaria os preços de seus produtos em 10%. Mas, àquela altura, os preços dos doces e bombons que estão nas prateleiras agora já haviam sido definidos pelos varejistas. Por isso, os feriados de Halloween e Natal serão a primeira vez em que os consumidores da Hershey verão produtos mais caros.

 

"Toda a atenção será dada à reação dos consumidores a esses preços e isso definirá o tom de quanto mais espaço existe para aumentos adicionais", diz Erin Swanson, analista da Morningstar Inc. Swanson acrescenta, no entanto, que, se os fabricantes de doces brigarem por fatias de mercado, eles podem cortar preços a qualquer momento.

 

Analistas dizem não acreditar que uma outra grande aquisição no setor de doces significará uma ampla consolidação no setor de alimentos como um todo. (Colaborou Anjali Cordeiro)
 


Veículo: Valor Econômico


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