São Paulo multa quem não recolhe embalagem

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Reciclagem: Coca-Cola, AmBev, Petrobras e Shell são notificadas a pagar R$ 250 mil cada uma e indústria contesta


 
Coca-Cola, AmBev, Petrobras e Shell são as primeiras vítimas da lei 13.316/2002 do município de São Paulo, informou a Secretaria do Verde e Meio Ambiente da prefeitura da capital paulista. As quatro empresas, segundo o órgão, estariam descumprindo a norma que responsabiliza as companhias pelo recolhimento de pelo menos 50% de todas as embalagens que essas indústrias usam para vender seus produtos na cidade. "As empresas são responsáveis pelo lixo que produzem", afirma o secretário do verde e meio ambiente de São Paulo, Eduardo Jorge. Mas boa parte das indústrias não concorda com isso.

 

A multa, de R$ 250 mil para cada empresa, foi dada, segundo Jorge, porque AmBev, Petrobras, Shell e Coca-Cola foram notificadas pela secretaria no final de agosto - assim como ocorreu com Avon e Colgate. "Essas duas pediram prazo de 30 dias para responder. Já as outras sequer deram algum retorno", diz o secretário. As notificações, de acordo com ele, pediam às companhias que explicassem à secretaria de que maneira elas pretendiam cumprir a lei. A resposta deveria ser encaminhada uma semana após a notificação. A prefeitura esperou por 15 dias, antes de decidir pela multa.

 

O problema é que boa parte das indústrias alvo da norma - "empresas produtoras e distribuidoras de bebidas de qualquer natureza, óleos combustíveis, lubrificantes e similares, cosméticos e produtos de higiene e limpeza", conforme o texto da lei - não concordam com a determinação.

 

"Os percentuais de recolhimento são extremamente elevados", diz um manifesto enviado à prefeitura assinado João Carlos Basílio da Silva, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) e por Luiz Carlos Dutra, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Limpeza e Afins (Abipla).

 

Conforme a lei, as empresas teriam que obedecer a um cronograma progressivo de recolhimento: 50% da produção de 12 meses no primeiro ano de validade da regra, 75% no ano seguinte e 90% no terceiro.

 

"Nem nos países mais desenvolvidos da Europa as metas são tão altas", diz Maria Eugenia Proença Saldanha, diretora-executiva da Abipla. Na cidade de São Paulo, segundo dados oficiais, a coleta de lixo reciclado, que é lei desde 1991, atinge apenas 7% do lixo gerado pelo município. "Isso mostra que é absolutamente impossível a meta de recolhimento de 50% das embalagens plásticas pós-consumo", diz o presidente da Abihpec.

 

Mas a indústria não está descontente só com as metas. Segundo as associações representantes dos setores envolvidos, também há discussão sobre as datas das metas. Criada em 2002 e regulamentada somente no ano passado - a lei estabelece como sendo o primeiro ano de validade da norma o período entre 28 de maio de 2008 a 28 de maio de 2009. Sendo assim, o percentual que deveria ser exigido agora deveria ser o de 75%. Mas a própria secretaria vem trabalhando com os 50%.

 

"Quando houve a regulamentação, as indústrias entraram com um recurso na Justiça, que foi julgado agora, em 24 de agosto", diz o secretário. "Nessa decisão, o Poder Judiciário entendeu que a secretaria tem poder de fiscalização e de multa para colocar a lei em prática. Por isso começamos a notificar e a multar as empresas agora".

 

Assim que as notificações foram entregues, as manifestações desfavoráveis começaram. A Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas (Abir) ajuizou uma medida cautelar contra a Prefeitura Municipal de São Paulo no Tribunal de Justiça. Outras entidades também estariam abrindo ações semelhantes.

 

O grande problema da lei é que - ao contrário do jargão futebolístico - a regra não é clara. "Tentei me colocar no lugar de um empresário que quisesse cumprir a determinação", diz Helio Mattar, do Instituto Akatu, que defende o consumo consciente. "Mas não consegui imaginar uma maneira de fazer o recolhimento do jeito que a norma exige", diz ele.

 

"Embora a regra tenha boa intenção, a indústria não pode assumir a responsabilidade do serviço de recolhimento de lixo reciclável. Isso é tarefa do poder público", afirma Paulo Mozart, diretor executivo da Abir, para quem a lei "é impossível de ser cumprida".

 

A representante da indústria de produtos de limpeza concorda. "Seria um absurdo as indústrias terem de colocar um exército de caminhões na rua para fazer a coleta", afirma Maria Eugênia, da Abipla. E mesmo que colocassem, não daria certo, segundo Mattar. "Sem a colaboração do consumidor, não tem como a coleta funcionar", afirma ele. "A cadeia da reciclagem começa com a separação do lixo em casa. Hoje, segundo pesquisas do Instituto, só 29% das residências nas 11 regiões metropolitanas do país separam seus resíduos", acrescenta Mattar.

 

A logística do recolhimento, contudo, não foi definida pela lei e nem por sua regulamentação, segundo o secretário. Cada empresa, diz ele, deveria sugerir o que fazer. "Quando enviamos a notificação, pedimos às companhias exatamente isso: um plano de recolhimento das embalagens, seja ele feito pela empresa exclusivamente, ou com a participação de catadores de varejistas. A ideia é discutir uma maneira", afirma Jorge.

 

Ao contrário da parceria com varejistas, que já acontece em muitas cidades, a com cooperativas de catadores, apesar de válida, também não ajudaria no cumprimento da norma paulista, segundo Mattar. "A lei exige comprovação da entrega das embalagens. As cooperativas não são formais. Elas teriam que se formalizar para dar notas fiscais."

 

Os defensores da norma, porém citam um exemplo que dá certo: o recolhimento de embalagens de fertilizantes e produtos agrotóxicos que é responsabilidade dos fabricantes. Para André Vilhena, diretor executivo do Cempre - Compromisso Empresarial para Reciclagem -, o modelo de recolhimento das embalagens agrícolas não teria como ser aplicado a outras cadeias de produção. "No caso das embalagens de produtos tóxicos agrícolas, o recolhimento é feito pela indústria de uma maneira simples, uma vez que fertilizantes e outros preparados químicos são vendidos em canais específicos, para um público específico. Bebidas, cosméticos, produtos de higiene pessoal e de limpeza são comercializados em canais difusos, a capilaridade é imensa e aplicação da mesma logística é inviável", afirma ele.

 

Até do ponto de vista jurídico, a norma gera polêmica. O município não teria como multar empresas de outras cidades que vendem seus produtos na capital paulista, segundo o advogado Eduardo Nobre, do escritório Leite, Tosto e Barros, que defende empresas de cosméticos. "Um fabricante de São José dos Campos, por exemplo, não pode ser multado pela prefeitura de São Paulo", diz ele. "E a empresa que é de São Paulo mas vende, por exemplo, tudo o que produz na China? Como é que vai recolher as embalagens do outro lado do mundo? Pela lei, do jeito que foi escrita, essa companhia seria multada." O secretário, entretanto, diz que a prefeitura pode sim cobrar a multa de uma empresa com sede fora da cidade. "Basta ter atividade comercial aqui", afirma.

 

Caso a lei não receba amplo apoio da sociedade - como no caso da lei antifumo adotada pelo governo paulista - existe uma grande chance de que todo imbróglio, em vez de resultar no recolhimento das embalagens, transforme-se em uma longa briga judicial. As empresas multadas até agora só se pronunciarão sobre o assunto depois de serem notificadas pela secretaria - o que não havia acontecido até a sexta-feira.

 

Somente Shell e Petrobras tiveram a iniciativa de negociar com a secretaria. As companhias do setor, segundo o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), recolhem há dois anos as embalagens de lubrificantes no Rio Grande do Sul. No Paraná, o modelo está em fase de testes. Em Santa Catarina, em fase de licitação. A intenção é expandir o sistema ao país. "Assim como os produtos agrícolas, os frascos de lubrificantes representam um risco de contaminação", diz Alísio Vaz, vice-presidente da entidade.

 

O sindicato, segundo ele, contratou caminhões que recolhem as embalagens nos postos. O material, depois de processado, é vendido para reciclagem. "Mas o retorno que temos não é nem 10% do custo de toda a operação", diz ele, que não informou o valor investido no processo.
 


Veículo: Valor Econômico


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