Ao longo do verão, a sede da Cadbury mudou-se do esplendor da Berkeley Square, em Berkeley, para um prédio mais barato e prático em um centro empresarial, perto de Heathrow. Em breve, se a Kraft conseguir o que quer, os executivos que comandam a empresa de doces no Reino Unido poderiam acabar indo parar bem mais longe, em sua sede, nos subúrbios de Chicago.
Externamente, a sede de vidro e aço cinza da Kraft parece refletir a visão desfavorável da Cadbury em relação à Kraft, como um "conglomerado de baixo crescimento" que poderia ameaçar as atividades mais focalizadas - e dinâmicas - da Cadbury. Internamente, no entanto, a Kraft vem se redecorando, como parte de uma remodelação de sua marca empresarial: "Estamos infundindo mais cor no prédio, mais móveis contemporâneos, mais fotos nas paredes com consumidores desfrutando de momentos degustando nossos produtos", diz a empresa. As mudanças refletem a visão que a Kraft tem de si mesma, como uma empresa que se "reconectou" radicalmente nos últimos três anos - justificando o desejo de possuir marcas e herança bem diferentes da Cadbury.
Com um novo logotipo de uma flor multicolorida no lugar de seu antigo "crachá" monolítico, a nova declaração de propósitos da Kraft começa com a frase "os consumidores nos inspiram". Os funcionários da Kraft desejam "manter a simplicidade", ser "abertos e inclusivos" e "dizer as coisas do jeito que elas são". As frases refletem os esforços para transformar uma empresa que, como Irine Rosenfeld, CEO desde 2006, disse certa vez, havia "perdido sua alma", em meio a uma cultura de gestão excessivamente introvertida, enraizada em seu confortável domínio de mercado com marcas locais líderes, como Oreos, Jell-O e Kraft Macaroni and Cheese.
"O maior rótulo, no todo, que eu apontaria é que há focos significativos de arrogância, somados a uma lentidão burocrática de movimentos", diz um consultor especializado em consumo nos EUA, que lida com a Kraft há anos.
Robert Moskow, analista de consumo no Credit Suisse, em Nova York, diz que "ninguém nunca acusou a Kraft de humildade" e que a companhia no passado já foi "vítima de paralisia de análises".
A própria Rosenfeld acusou-se de ter uma abordagem hierárquica demais e de ter receios de expressar-se explicitamente, após o lançamento desastroso do excessivamente ambicioso sistema automático de cafés Tassimo, da Kraft, em 2004, que levou a encargos de US$ 245 milhões dois anos depois, pela paralisação da produção.
A Kraft sustenta, contudo, que deixou de ser uma empresa em que problemas locais chegavam a parar na mesa do CEO, como certa vez aconteceu com questões relativas ao preço do café na Alemanha. Em particular, Rosenfeld transferiu poder aos subordinados, cedendo a cada unidade operacional responsabilidade por todos os aspectos de sua própria contabilidade de lucros e perdas, incluindo marketing, inovação e produção. A mudança, diz Moskow, aumenta a prestação de contas e "inspira uma cultura mais centrada no consumidor e menos burocrática".
Como parte de seus esforços para crescer, a Kraft também viu uma abertura significativa de suas fileiras de altos executivos, antes dominadas por americanos que passavam a maior parte de suas carreiras na empresa, e uma onda renovada de inovações em produtos.
Patrick Gorot, que trabalhou para a companhia por cinco anos na década de 90, afirma que "a própria razão de ser da Kraft é [trabalhar como ] uma companhia de marketing e inovação", marcada por êxitos como a introdução da pizza congelada nos EUA e a criação da categoria de alimentos para crianças, com a linha "Lunchables". Ele também argumenta, no entanto, que a importância de suas maiores marcas faz com que ideias mais novas sejam algumas vezes privadas de contar com os principais talentos.
"O problema é possuir essas bases gigantescas de negócios, para onde vão grandes doses de talentos e recursos. Mas quando uma atividade fica bem grande, não há ninguém como a Kraft para sustentar essas atividades."
Internacionalmente, ele argumenta que as principais operações da Kraft encontram dificuldades para atingir a escala que costuma atrair os principais comerciantes - de forma que um acordo com a Cadbury poderia ter um efeito dinâmico em seu desempenho internacional em geral.
"A Kraft trata-se de tamanho: produção grande, distribuição grande, vendas grandes e talentos de marketing grandes [...] e eles não tiveram algum lugar nos negócios internacionais para direcionar seus principais talentos por um longo, longo tempo", afirma.
Quanto aos receios britânicos sobre o futuro de uma empresa que parece quase uma instituição nacional, Moskow, do Credit Suisse, argumenta que mesmo com o tamanho da Kraft, com vendas de US$ 42 bilhões em 2008, é difícil ver "como a cultura da Kraft necessariamente se infiltraria na cultura da Cadbury".
"O setor de doces é uma categoria muito diferente em relação ao que Kraft faz" e, se houver um acordo, "a Kraft terá de responder à autoridade e conhecimento da Cadbury sobre como gerir essas operações".
Veículo: Valor Econômico