Alimentos: Os artigos mais baratos já renderam à multinacional neste ano US$ 7 bi, com alta de 12%
O presidente executivo (CEO) da Nestlé, Paul Bulcke, não hesita um segundo quando é indagado sobre o que mudou no desenvolvimento dos negócios na líder mundial do setor de alimentos, no rastro da mais dramática crise financeira e econômica global. "Mudou o sentido de intensidade e urgência na empresa", disse o executivo ontem ao Valor, sinalizando uma reviravolta na doce e calma cultura helvética da companhia, que fatura quase US$$ 100 bilhões por ano, tem cerca de 400 fábricas e 280 mil funcionários no mundo inteiro.
"O que fazíamos antes com mais tempo, agora foi acelerado. Há mais pressa para ajustarmos muita coisa", disse, notando que o que não muda é a orientação estratégica. Nestlé quer ser reconhecida como número um em nutrição, saúde e bem-estar. No mais, a crise global impôs "prioridades diferentes" ao consumidor. "A relação de preço/valor do produto está mais aguda e isso vai ficar. O consumidor está mais consciente e mais sensível", diz Bulcke. "Não adianta só dizer que nosso produto é bom e por isso custa 50% a mais. O produto tem que ser efetivamente percebido como tendo mais valor para o cliente, que vale o preço". Nestlé fez mais do que só aumentar "muito fortemente" o gasto com marketing, e que deve somar várias centenas de milhões de dólares neste ano. A empresa acelerou a introdução dos "produtos populares" ("ppp", na linguagem da Nestlé), mais baratos, nos países desenvolvidos, contrariando os planos originais. "Estamos usando nos EUA, e na França inclusive, os instrumentos de marketing dos 'ppp' que eram destinados a países emergentes, como produtos específicos para certas comunidades". A venda dos produtos populares cresceu 12% este ano, alcançando US$ 7 bilhões nos nove primeiros meses do ano.
A crise também "forçou o passo" da Nestlé para investir em novas marcas, como as máquinas Nescafé Dolce Gusto, que preparam cafezinho e outros tipos da bebida. "Precisávamos de mais tempo para o lançamento, mas resolvemos acelerar". Três milhões de máquinas foram vendidas em 20 mercados, as vendas cresceram 50% este ano e o faturamento até agora está perto de US$ 300 milhoes.
Bulcke ampliou igualmente a luta com as marcas de grandes redes de supermercados, que dão preferências a seus próprios produtos nas prateleiras. "Argumentamos melhor sobre nossas próprias marcas e o valor agregado".
Outra frente de ataque tem sido no campo da eficiência operacional. "Pensamos duas vezes antes de autorizar uma viagem". Essas e outras "lutas contra o desperdício" vão gerar US$ 1 bilhão de economia este ano.
O executivo não está surpreso com os resultados. "É muito mais fácil quando o ambiente está assim (em crise). As pessoas entendem e vão na nova direção", disse. Ou seja, a crise acabou por facilitar e acelerar a aplicação de medidas que, de outra maneira, seriam adotadas lentamente e, provavelmente, enfrentando resistências.
Paul Bulcke deu entrevista na sede da empresa, à beira do Lago Leman, pouco depois de anunciar vendas de 79,5 bilhões de francos suíços (US$ 78,9 bilhões) nos primeiros nove meses do ano, numa queda de 2,2% em relação ao mesmo período do ano passado. Em todo caso, a ação da empresa fechou com alta de 1,2% na bolsa de Zurique.
Contrariando muitos especialistas e um certo ânimo nos mercados, Bulcke acha que a crise global não acabou. "Não existe uma crise, mas crises com impactos diferentes nos países. Alguns estão se saindo bem, outros continuam fragilizados. Não se pode dizer que a crise passou, não".
Nestlé aposta firme nos mercados emergentes, que estão crescendo. "E a primeira coisa que os consumidores fazem, quando a renda melhora: melhorar a qualidade de seus alimentos. E o crescimento está lá, no Brasil, na China".
Para cada 1% de alta do PIB global, a Nestlé quer crescer o dobro. "Esta é a ambição. É Impossível? Vamos ver", diz o CEO mundial da maior empresa de alimentos do mundo.
Emergentes e as prioridades femininas
Os mercados emergentes já representam 33% das vendas totais da Nestlé, que atingiram US$ 78,9 bilhões entre janeiro e setembro. O crescimento orgânico das vendas no bloco foi de 7,5%, o dobro da média no grupo. E foi o triplo nos Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), que representam hoje 10% das vendas e onde o crescimento dos negócios chegou a 9,9%.
"No Brasil, a administração (pública) é muito complicada, nem sempre é facil trabalhar no país, mas somos parte do Brasil", disse o CEO mundial da Nestlé, Paul Bulcke, que aposta numa forte expansão da economia e de seus negócios no país. "O Brasil está na moda, todo mundo quer fazer negócio lá", acrescentou o vice-presidente para as Américas, Luis Cantarelli. Ele confirmou que os investimentos da empresa para 2010 serão idênticos ao valor deste ano. Em 2009, os investimentos no Brasil devem somar cerca de R$ 400 milhões.
"Mas como a economia está crescendo mais e tem muita coisa ocorrendo e a ocorrer, se for preciso investiremos mais", avisou Cantarelli. Os executivos na matriz acham ser muito provável o patrocínio para a Copa do Mundo de 2014.
Nestlé anunciou que vai aumentar a recompra de suas ações, de 4 bilhões de francos para 7 bilhões de francos este ano. Para analistas, esse é um sinal claro de que a operação de venda da parte da Nestlé na farmacêutica Alcon ocorrerá no primeiro trimestre de 2010. A Nestlé já vendeu 24,8% do capital da Alcon, líder mundial de produtos oftalmológicos, para a Novartis, que tem a opção de comprar os 52% restantes entre janeiro de 2010 e julho de 2011.
O anúncio da recompra de ações foi visto também por outros analistas como uma sinalização de que a Nestlé não vai entrar na disputa pelo produtor de chocolate Cadbury e contrapor-se à oferta da Kraft de US$ 16 bilhoes.
Bulcke evitou comentar a questão. Disse que a empresa colocou no orçamento para o ano que vem um total de até US$ 3 bilhões para aquisições, o dobro da cifra preliminar dada em agosto.
Dos resultados anunciados ontem, a divisão de água mineral continuou sofrendo perdas, sobretudo nos EUA. As vendas melhoraram nos países emergentes. Por sua vez, o negócio de comida para animais mantém crescimento espetacular. "É que a dona de casa tem como prioridade primeiro seu bebê, depois o animal de estimação, depois as crianças e enfim o marido", disse Bulcke.
Veículo: Valor Econômico