Luxo no supermercado

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Como Alexandre Poni transformou a rede Verdemar, um misto de delicatessen, mercearia, hortifrúti e padaria, num dos maiores fenômenos de varejo em Minas


Vestindo uma calça jeans escura e uma camisa azul listrada com as mangas arregaçadas, Alexandre Poni, um homem alto, de rosto arredondado e cabelos escorridos, senta à mesa de uma de suas sete lojas e pede desculpas à repórter pelo atraso. "Estava resolvendo um problema destes sucos", diz, apontando para a bebida de laranja com framboesa fabricada ali, um dos mais de 20 mil itens vendidos na rede. "Por causa de uma exigência da Vigilância Sanitária, vou ser obrigado a mudar a fórmula. Vai perder todo o charme", explica, inconformado. Algum tempo depois, já andando pelos corredores de outra unidade, ele aponta para um pote de geleia inglesa: "Esta aqui não deu certo, o pessoal achou difícil tirar o restinho. Não vou comprar mais". Quando encontra o gerente da loja, pergunta se ele já ligou para a fabricante Osram para trocar as lâmpadas de LED brancas por amarelas.

Pelo resto do dia, a rotina de Poni seguiria assim, muito mais próxima da de um gerente detalhista de um restaurante requintado do que da de um dono de uma cadeia de supermercados com 2,8 mil funcionários, sete lojas e R$ 333 milhões de faturamento. Mas o Verdemar, criado em 1993 por três jovens de 20 e poucos anos (um deles deixou o negócio em 2001), não é uma rede convencional. "Não considero isso aqui um supermercado, mas uma casa gastronômica que por acaso vende sabão em pó", diz Poni, hoje com 42 anos. "E falo isso sem prepotência."

Com um conceito que mistura delicatessen, padaria, restaurante, hortifrúti e mercearia, o Verdemar tornou-se um fenômeno de varejo em Belo Horizonte. Vive cheio e volta e meia é copiado pela concorrência. Não faz sucesso porque é barato. Pelo contrário. O que mais se ouve dos clientes é que o Verdemar é caro, mas tem produtos finos e coisas que só existem ali. Exemplos: biscoitos de chocolate poloneses e franceses, vinhos da Grécia, mais de uma dezena de tipos de mostardas Dijon e de temperos tailandeses, sushis e sashimis frescos, peças de carne nobres grelhadas na hora - para levar para casa ou comer ali mesmo, acompanhadas de uma salada. Isso sem falar nos quitutes tipicamente mineiros, como o pão de queijo (eleito pelo oitavo ano consecutivo o melhor da cidade, segundo a revista Veja BH). Chefes de cozinha da cidade adoram. Cozinheiros amadores não saem dali. Para quem vem de fora, está virando parada quase obrigatória.

Poni vendia e distribuía queijos da Serra da Canastra em Belo Horizonte quando comprou, quase sem querer, uma mercearia modesta no bairro São Pedro, zona sul da capital, por US$ 6 mil. Como não tinha todo o dinheiro, chamou um amigo, que "entrou" com um Opala, e um ex-colega da faculdade, que contribuiu com um telefone e US$ 500. "Telefone valia muito. Nós vendemos e alugamos a linha, porque o irmão dele era músico e precisava manter o número", lembra. "Era época da inflação. Fazíamos nosso mix comprando produtos em oferta nos supermercados. Fomos criando fama de loja sortida com conveniência."

Salmão. Poderiam parar por aí. Mas foram além. Essas compras eram feitas no cartão de crédito. Com isso, os meninos acumularam tantas milhas que puderam embarcar para Nova York logo depois. Foi lá que viram, pela primeira vez, as operações de varejo em que buscaram inspiração. Na volta, reformaram a loja e começaram a seguir o caminho da gastronomia. "Eu me lembro até hoje de quando fiz uma oferta de filé de salmão a R$ 9,90 o quilo. Fiz até outdoor. Comecei a pesquisar receitas para ensinar a fazer salmão, porque era um peixe muito novo para as pessoas. Na época, o chique era estrogonofe."

O Verdemar se beneficiou da abertura econômica do País - hoje a rede importa, em média, um contêiner a cada dois dias - e, mais recentemente, do enriquecimento da população brasileira, que ficou mais sofisticada, mais bem informada e com mais dinheiro para gastar. Tanto é que a maior parte de seu crescimento se deu nos últimos anos. Até agosto de 2009, o Verdemar tinha três lojas. Hoje são sete, com uma oitava a caminho. Embora não esteja entre as 40 maiores do País, a rede mineira tem um dos maiores faturamentos por metro quadrado e um dos maiores contingentes de funcionários por loja, segundo dados do ranking da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).

Referência. O Eataly, de Torino (Itália), é até hoje sua grande referência. Nesse segmento, muito mais do que nos supermercados convencionais, estar ligado às tendências mundo afora é fundamental para o sucesso. Poni viaja mais de seis vezes por ano para fora do País em busca de novidades - sejam operações de varejo ou produtos que ainda não são vendidos aqui, como um refrigerante de apelo saudável que acabou de experimentar em Nova York. "Faço sourcing de tudo. Tem um francês que me ajuda, ele diz que é o sourcing manager", conta, para, mais adiante, perguntar: "O que é sourcing?"

Embora tenha se tornado um homem rico, Poni ainda preserva aquela simplicidade dos empreendedores que começaram do zero. "Não falo inglês. Volto das feiras morrendo de vergonha, mas me viro. Precisava aprender, mas não tenho tempo. Italiano não é problema, acabei aprendendo de ouvido. Mas, no começo, era um inferno. Fugia quando um italiano chegava perto de mim."

No Brasil, os modelos que mais se aproximam do Verdemar são a Casa Santa Luzia, com apenas uma loja em São Paulo, e a Perini, com oito unidades em Salvador. Fundada há 46 anos pelo galego José Faro Rua, o Pepe, a Perini não resistiu à concorrência ferina da chilena Cencosud e acabou sendo vendida em 2010 para o grupo, que no Brasil também tem as redes GBarbosa, Bretas e Prezunic.

"Eles chegaram e não deixaram a gente respirar. A Perini era uma ‘mulher’ muito bonita, que eu já não podia mais sustentar. Para ampliar, era preciso investir muito dinheiro", assume Faro. "É um negócio difícil de manter. Exigia uma equipe bem treinada e bem paga. E o cliente quer tudo isso sem pagar mais." O segredo, explica ele, está nos produtos fabricados pela própria rede. No caso da Perini, eram mais de 3,2 mil itens diariamente, principalmente na área da padaria. "A margem é muito maior, pode variar de 30% a 150%, dependendo do produto."

Mesmo tendo vendido, Faro, aos 69 anos, ainda frequenta as lojas diariamente. Diz que é para se certificar de que os chilenos não estão maltratando a "mulher" que ele amava. "Os clientes me chamam de traidor", afirma. Com a entrada do Cencosud, a Perini vai se expandir. Se a qualidade será preservada, ainda é cedo para dizer. O plano, segundo Faro, é abrir mais três lojas neste ano, sendo uma no Recife. "O Cencosud não comprou para ganhar dinheiro, mas para ter prestígio", acredita o empresário. "Imagino que o Alexandre (do Verdemar) vai acabar fazendo o mesmo. Com o tempo, esse negócio cansa, a gente não desliga. Não sei até quando ele pode aguentar."

Limite. Diferentemente da maior parte das redes varejistas, o Verdemar só pode crescer até onde o braço alcança, avalia o consultor Mauro Pacanowski. "A companhia não tem como atuar da mesma maneira se o número de lojas for maior ou se elas estiverem além de um certo raio. Como o Stew Leonard’s, nos Estados Unidos", diz ele. Especializado em alimentos frescos, o Stew Leonard’s tem apenas quatro lojas, mas desde 1992 detém o posto de varejista americana mais rentável por metro quadrado, com lucratividade cinco vezes maior do que a média dos Estados Unidos. Suas vendas anuais chegam a US$ 300 milhões, com quase 500 funcionários por loja. No Verdemar, essa proporção é de 400 por unidade.

Aos 42 anos, casado e pai de dois filhos pequenos, Poni parece não desligar nunca. Seu sócio cuida das áreas financeira e de recursos humanos. Já ele se mete em tudo. É ainda o sujeito que pega no telefone para fazer compras, viaja para feiras de alimentos, circula pelas unidades, muda móveis de lugar, sabe o que vende e o que não vende, pensa na arquitetura, na iluminação e até nas pautas da revista customizada da rede.

O empresário tem consciência de que esse perfil centralizador limita o crescimento. "Poderia rachar de ganhar dinheiro em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. São cidades com alto poder aquisitivo e onde esse modelo não existe", diz. "Posso padronizar a operação, profissionalizar a empresa e fazer ela crescer. Mas aí vou deixar de inovar, e pode perder o sentido para mim. Gosto é do detalhe." Já deu para notar.


Veículo: O Estado de S.Paulo


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