A quatro dias da mudança no controle no Pão de Açúcar, nada de acordo entre Abilio e Naouri, e a insatisfação dos Klein só aumenta
A quatro dias da data marcada para que Abilio Diniz passe o controle do Grupo Pão de Açúcar aos franceses do Casino, na próxima sexta-feira, o maior grupo de varejo do País está mergulhado numa rede de intrigas, desconfianças e ressentimentos. A briga entre Abilio e Jean-Charles Naouri, o sócio-presidente do Casino, hoje é apenas a parte mais visível de um conflito generalizado.
A família Klein, que vendeu a Casas Bahia ao Pão de Açúcar há quase três anos, também está incomodada e avalia caminhos para desfazer a sociedade. Assessores de Abilio e de Naouri passam o dia tentando descobrir o próximo passo do adversário e fazendo força para emplacar suas versões dos fatos. Procuradas, nenhuma das partes quis se pronunciar oficialmente.
Na semana passada, para colocar mais lenha na fogueira, apareceu na história a bilionária Lily Safra, viúva do banqueiro Edmond Safra, morto num incêndio criminoso em 1999 em sua casa em Mônaco. Lily iniciou um processo de arbitragem na Câmara de Comércio Internacional para brigar com o Pão de Açúcar por causa do valor pago pela rede de lojas Ponto Frio, que vendeu três anos atrás por R$ 824,5 milhões. A viúva acha que o pagamento não foi justo e pede mais R$ 200 milhões.
Apesar do clima belicoso entre os vários sócios, até agora o corpo de executivos conseguiu blindar os negócios do grupo. Tanto que, desde maio do ano passado, quando vieram a público os conflitos societários, os papéis do Pão de Açúcar subiram mais de 13%, enquanto o Ibovespa caiu 10% no mesmo período.
Sócios de Abilio desde 1999, os franceses foram aumentando sua participação e, sete anos atrás, garantiram o direito de assumir o controle do grupo no dia 22 de junho de 2012.
Agora, o capítulo mais aguardado desse enredo é mesmo o destino de Abilio depois de sexta-feira. Ele fica como sócio minoritário do Casino ou vai embora? Vai transferir as ações sem alarde ou buscar outra saída?
No lado francês, o fato de o empresário ter marcado a assembleia que vai transferir o controle do grupo ao Casino e dar posse aos novos conselheiros teria causado um certo alívio. Como isso precisa ser feito pelo presidente do Conselho - o próprio Abilio -, se estivesse disposto a atrapalhar o ritual, ele poderia não convocar a reunião.
Há três semanas, os dois lados até tentaram, novamente, chegar a uma reconciliação. Pela segunda vez desde que a briga começou, ensaiaram um acordo para que Abilio deixasse a sociedade levando o Viavarejo, que reúne as lojas Casas Bahia e Ponto Frio. Mas as conversas não avançaram porque os assessores de Naouri e Abilio não conseguiram se entender nem sobre a ordem em que os assuntos seriam tratados.
Na quarta-feira 30 de maio, as equipes dos empresários marcaram uma reunião para as 10 horas do dia seguinte. Só que se desentenderam por telefone e nem chegaram a se encontrar. A turma do Casino queria que, antes de falar em preço, fossem definidos os termos do acordo, como cláusula de não-competição e as condições de cisão da Viavarejo. O pessoal de Abilio exigia o contrário. Sem acordo sobre a ordem da pauta de discussão, a reunião foi cancelada.
"Nunca sentaram a sério para negociar. Se não estavam dispostos a falar em preço, como querem dizer que estavam negociando", diz uma fonte próxima a Abilio. "Quem quer fazer acordo tira tudo da mesa e deixa o valor para o final. Essa é a forma clássica de negociar, só que eles não sabem o que querem", diz uma pessoa ligada ao Casino.
O humor de Abilio também tem variado muito ao longo do processo. Tempos atrás, ele queria estar longe do Brasil no dia de passar o bastão para Naouri e marcou uma palestra para executivos num evento da McKinsey em Istambul, na Turquia. De repente mudou de ideia e desmarcou o compromisso internacional. "Ele vai ser aquele presidente de conselho briguento, vigilante, que cobra e quer saber tudo no detalhe. Ao menos é o que ele está pensando nesse momento", disse, na semana passada, uma pessoa próxima ao empresário.
Mais briga. Além da disputa entre Abilio e Naouri, há um outro foco de incêndio se alastrando dentro do grupo. Ele está queimando o relacionamento entre a família Klein e o Pão de Açúcar dentro da Viavarejo, a rede de eletrodomésticos do grupo.
A temperatura subiu com a aproximação do fim do mês, quando termina o direito dos Klein de escolher o presidente da Viavarejo. A exclusividade na indicação foi assegurada na venda da Casas Bahia para o Pão de Açúcar. Valia por dois anos e o escolhido foi Raphael, neto de Samuel, o patriarca da família.
Com a mudança, toda direção da Viavarejo passará a ser escolhida pelo conselho da empresa, onde o Pão de Açúcar leva vantagem por ter um representante a mais. Se quiser, portanto, o Pão de Açúcar poderá trocar Raphael - mas, para os Klein, isso só poderia ser feito a partir de novembro, quando termina o mandato de Raphael.
O novo cenário piorou o relacionamento entre os dois lados, que não deu certo desde o começo e levou a uma primeira briga em 2010. Profissionais ligados ao Pão de Açúcar reclamam que os Klein não estariam entregando os ganhos de sinergia potenciais com a integração das duas empresas e sugerem que poderia haver conflito de interesses entre a empresa e a família.
Os Klein alugam seus imóveis para a Viavarejo, assim como Abilio aluga os seus para abrigar lojas do Pão de Açúcar. Só que fontes do Pão de Açúcar têm dito que no plano de abertura de novas lojas da rede vão cobrar mais transparência nos casos em que os Klein ofereçam seus pontos.
Para responder os questionamentos que partem do lado do Pão de Açúcar, pessoas ligadas aos Klein afirmam que boa parte da integração de Casas Bahia com Ponto Frio já foi realizada, mas que há limites para o processo - já que o Pão de Açúcar tem os hipermercados Extra, que concorrem diretamente com a Viavarejo. Sobre os imóveis, o tema já estaria sendo discutido há três reuniões do Conselho.
O clima de desconfiança explica os movimentos de Michael Klein, presidente do conselho da Viavarejo, nas últimas semanas. Ele contratou o Citibank para assessorá-lo e procurou o Bradesco para perguntar pedir R$ 3 bilhões emprestados, caso sua família perca a gestão da rede e resolva tentar a recompra da Casas Bahia. A resposta do Bradesco está guardada a sete chaves.
Veículo: O Estado de S.Paulo