Se uma companhia tivesse um horóscopo, o do Pão de Açúcar descreveria um inferno astral para essa temporada. O cenário para o início dessa semana decisiva, na qual a empresa deve oficialmente trocar de mãos, tem todo tipo de discussão entre sócios e ex-sócios.
Os até agora co-controladores, Abilio Diniz e Casino, comandado por Jean-Charles Naouri, estão sem ambiente para convivência pois perderam a confiança um no outro, e ainda aguardam o resultado de uma arbitragem em curso. Principal sócio do ramo de eletroeletrônicos, a família Klein está notoriamente arrependida do negócio e prometendo uma oferta para se separar do restante do grupo.
E desde quinta-feira, Lily Safra, a antiga controladora do Ponto Frio, adquirido há três anos, se somou à lista de insatisfeitos e iniciou uma arbitragem para cobrar R$ 200 milhões da companhia e dos controladores, insatisfeita com o acordo fechado no passado.
Basicamente, o Pão de Açúcar enfrenta discussões importantes a respeito das duas maiores aquisições fechadas nos últimos três anos, Ponto Frio e Casas Bahia. Foram esses negócios que fizeram a receita líquida do grupo saltar de R$ 18 bilhões, em 2008, para R$ 46,6 bilhões, no ano passado.
Tudo isso acontece enquanto Abilio e Casino discutem nos bastidores formas para encerrar a sociedade. Desde 2005, está previsto que em 22 de junho, esta sexta-feira, o grupo francês assume a empresa, ficando com a maioria no conselho de administração, mas deixando Abilio na presidência do colegiado.
Leo Pinheiro/Valor / Leo Pinheiro/ValorJean-Charles Naouri, do Casino, assume maioria no conselho na sexta-feira
A nova estrutura deve ser ratificada na assembleia agendada para a mesma sexta-feira, o dia mais importante para a empresa na sua história recente, bem como para Abilio - que ajudou a fundar o negócio ao lado do pai, a partir de uma doceria.
A sociedade, porém, não precisaria acabar. O negócio foi constituído em 2005 e previa a convivência até 2022, quando Abilio estaria, então, com 86 anos e deixaria totalmente a companhia.
Entretanto, desde o ano passado, as relações azedaram depois que Abilio propôs a compra do Carrefour e uma nova composição de controle, que o colocaria novamente em situação de igualdade de poder com o Casino, que não só vetou o projeto, como também iniciou o processo arbitral alegando rompimento de contrato.
A companhia parece preservada de tudo isso. Na BM&FBovespa, não está muito distante de sua máxima histórica e só recentemente as incertezas passaram a influenciar um pouco os investidores.
Na sexta-feira, fechou o pregão avaliada em R$ 19,8 bilhões, mas depois de as ações caírem 3%, reagindo ao novo conflito do front, com Lily Safra. A antiga dona da rede Ponto Frio alega que teria direito a mais ações do Pão de Açúcar do que recebeu quando fechou a transação. Os primeiros sinais de insatisfação da empresária surgiram cerca de seis meses após o negócio, tão logo as ações da companhia começaram a subir. Mas só agora perto de prescrever a chance de questionamento é que ela decidiu tomar medidas práticas.
A ex-dona do Ponto Frio vendeu o controle da rede por R$ 824,5 milhões. Esse total foi dividido em duas formas de pagamento, R$ 373,4 milhões à vista e em dinheiro e mais R$ 451,1 milhões a prazo e em ações do Pão de Açúcar.
Jarbas Oliveira/Divulgação / Jarbas Oliveira/DivulgaçãoMichael Klein, dono anterior da Casas Bahia: arrependimento do negócio
Mas para emitir os papéis que daria a Lily, o grupo fez um aumento de capital superior a R$ 600 milhões, pois tinha de garantir a preferência dos minoritários. Como conseguiu levantar caixa relevante com a operação, dada a adesão de investidores de mercado, o Pão de Açúcar antecipou o pagamento da fatia parcelada com o dinheiro novo. Assim, no lugar de receber o equivalente a R$ 451 milhões em ações do Pão de Açúcar, Lily recebeu apenas cerca de R$ 100 milhões - R$ 350 milhões foram pagos antes, em dinheiro.
A emissão foi feita com as ações do Pão de Açúcar valendo R$ 40. Recentemente, chegaram a ultrapassar R$ 90 na bolsa. Na sexta, fecharam cotadas a pouco mais de R$ 75. Como quitou a maior parte da parcela a prazo em dinheiro e não em ações, Lily perdeu essa valorização. Daí sua insatisfação.
Nessa semana decisiva, Abilio Diniz enfrenta, só que na pele do Pão de Açúcar, o outro lado da moeda de suas insatisfações com o Casino. Assim como ele, os Klein estão descontentes de perder o poder dos negócios, embora tenham aceitado isso contratualmente. E da mesma forma que Lily, o empresário acredita que de alguma forma o que possui vale mais do que o que recebeu ou o que está acertado com o Casino.
Fontes que participam das negociações acreditam que só depois desta sexta será possível que Casino e Abilio consigam desenhar uma saída para a relação. No modelo que vinha sendo discutido até pouco tempo, Pão de Açúcar e Via Varejo seriam separadas e ficariam com Casino e Abílio, respectivamente, após um descruzamento de participações. O minoritário de Pão de Açúcar hoje se tornaria acionista de duas companhias, após uma cisão.
Os conflitos não possuem relação entre si. Contudo, compõem um só cenário tumultuado. Os analistas, por ora, em sua maioria, acreditam numa solução que afetará pouco os negócios e, portanto, o valor das empresas.
Veículo: Valor Econômico