Casino recusa ideia de "fatiar" Pão de Açúcar

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O grupo francês Casino, que desde sexta-feira assumiu o controle do Pão de Açúcar, não tem a menor intenção de perder fatias da companhia número um do varejo brasileiro. Jean-Charles Naouri, o executivo que comanda o Casino, disse ao Valor em Paris que isso "destruiria, em poucas semanas ou poucos meses, a liderança conquistada ao longo dos últimos 15 anos". "Destruir tudo isso num passe de mágica seria uma pena", concluiu. Esteve na mesa de negociações a separação do negócio de varejo de alimentos (GPA Alimentar) da operação do Via Varejo (Casas Bahia e Ponto Frio). Abilio Diniz ficaria com a Via Varejo.

Naouri e Abilio têm uma reunião marcada hoje, no escritório do Casino, em Paris, e devem tentar tratar das bases de um novo acordo entre os acionistas. Abilio indicará a possibilidade de sair do grupo com o Via Varejo. Mas Naouri não só pretende manter o GPA íntegro, sem vender partes dele ao ex-controlador, como não vê motivos para dispensar Abilio da cláusula de não concorrência à qual está amarrado por contrato, no caso de sua saída. O executivo francês disse que esse é um dos pontos confidenciais em discussão e que a resposta será dada diretamente a Abilio. "O que orienta nossa reflexão é o interesse social do GPA. Será que é do interesse de um pequeno acionista que o senhor Diniz possa ter sua cláusula de não-concorrência dispensada? Estas decisões não são movidas por sentimentos de capricho ou emoção".

Naouri está decidido a mexer pouco no grupo que passou a comandar. Ele defende a "aceleração do crescimento", com a "continuidade da estratégia e continuidade do management", e descarta a necessidade de mais investimentos no país no momento. "A empresa está capitalizada, não é altamente endividada. A prioridade é o crescimento pela via orgânica, a priori, mas estamos atentos a oportunidades de aquisição", disse.

Ele afirmou que manterá o quadro de comando do GPA e que vai propor ao Conselho de Administração um plano de retenção dos executivos. Naouri fez questão de apontar que não fará um "controle autocrático" e que evitará que os desentendimentos entre os sócios "respinguem na companhia". "Não somos brasileiros, é portanto importante para nós assumir nosso papel como controlador do GPA com muita humildade", completou.

Naouri disse que não existem atualmente negociações do Casino com a família Klein, ex-controladora da Casas Bahia. Esse seria, para ele, mais um de uma série de boatos, "lançados para causar um certo estresse".



Para Naouri, dividir o GPA só vai destruir sua liderança


Desde a última sexta-feira, a rede francesa Casino, comandada por Jean-Charles Naouri, passou a ser controladora do Grupo Pão de Açúcar (GPA), a maior rede de varejo do Brasil e da América Latina. Dois dias antes, na tarde de quarta-feira, Naouri falou ao Valor no escritório do Casino em Paris. O executivo, que deve encontrar-se hoje em Paris com Abilio Diniz, ex-controlador do GPA, deixou claro que não apoiará ações que levem ao encolhimento da empresa.

Nos últimos meses esteve na mesa de negociações entre Naouri e Abilio a separação do negócio de varejo de alimentos (GPA Alimentar) da operação de Via Varejo (Casas Bahia e Ponto Frio), o que levaria o GPA a ficar menor. Abilio ficaria com a Via Varejo, num pacote que teria sido avaliado pelo Casino (ver mais na página B5).

Até hoje, isso foi o mais perto que se chegou de um acordo, mas publicamente Naouri descarta essa saída. "Uma estrutura que levaria o grupo a perder a sua liderança, a passar de número 1 para número 3 ou 4 levanta muitos questionamentos. Um dos principais ativos do grupo é a sua liderança. Abrir mão disso só seria possível se realmente fosse provado que isso atende ao interesse social da empresa", disse ao Valor. "Um processo que destruiria, em poucas semanas ou poucos meses, a liderança conquistada ao longo dos últimos 15 anos não seria um projeto apropriado. Destruir tudo isso num passe de mágica seria uma pena".

Naouri reforça que manterá o quadro de comando do grupo. Deverá propor ao conselho de administração ações de retenção de executivos. Afirmou ainda que não adotará uma política de "controle autocrático " do GPA e comentou a questão da convivência com Abilio Diniz daqui para frente. Para ele, "desentendimentos não devem respingar no grupo".

Naouri responde sobre a possibilidade de retirada da cláusula de não concorrência num eventual novo contrato, algo que interessa a Abilio Diniz e assunto já tratado entre os assessores das partes: "Será que é do interesse de um pequeno acionista que o senhor Diniz possa ter sua cláusula de não-concorrência dispensada? Estas decisões não são movidas por sentimentos de capricho ou emoção".

Na sexta-feira, em São Paulo, após formalizada a transferência do controle do GPA, Naouri voltou a falar com o Valor e explicou por que não esteve na assembleia geral de acionistas do GPA. "Era um dia difícil para o senhor Diniz. Em respeito, não me pareceu apropriado ir". A seguir, a entrevista:

Valor: Como avalia essa fase final de transição no controle do Grupo Pão de Açúcar?

Jean-Charles Naouri :Este momento estava previsto há muito tempo, na medida em que os primeiros acordos foram feitos em 1999. O momento atual é a conclusão de um processo muito longo que começou em 1999. O Casino investiu US$ 1 bilhão no grupo para comprar 22% do negócio. Na época, a empresa estava bastante endividada. Seu índice de dívida/ebitda era de 3,6. Foi reduzido para zero graças a este US$ 1 bilhão, o que permitiu acelerar o crescimento do grupo, numa época em que o Brasil não era o que é hoje. Para nós, era um ato de fé no Brasil e no Grupo Pão de Açúcar. Investimos novamente cerca de US$ 800 milhões em 2005 para comprar o controle diferido da empresa. O momento atual é de conclusão deste processo muito longo que era público e conhecido de todos.

Valor: Deve ser, então, uma transição com foco na continuidade?

Naouri : Continuidade da estratégia e continuidade também do "management". No ano passado surgiram informações de que iria mudar o "management" e estou confirmando que o senhor [presidente executivo do GPA, Enéas] Pestana tem toda nossa confiança e desejamos mantê-lo. Nós vamos até propor ao conselho de administração do grupo a implementação de um plano de retenção [do "management"].

Valor: E quanto aos diretores do grupo?

Naouri : A equipe depende do senhor Pestana. É ele quem decide, não somos nós.

Valor: Como fica a companhia sabendo que a confiança entre os sócios foi afetada?

Naouri : Eu disse com frequência que tivemos na pessoa do senhor Diniz um parceiro e empresário de destaque. É verdade que fiquei extremamente surpreendido e decepcionado com os acontecimentos do ano passado [fusão de GPA com Carrefour, proposta do Abilio Diniz]. Hoje, o contrato prevê que o senhor Diniz pode continuar sendo presidente do conselho de GPA. Naturalmente, iremos respeitar totalmente o contrato. A decisão de saber se o senhor Diniz deseja ficar ou não ficar cabe a ele. Não irei me permitir nenhum comentário pessoal. Estou muito confiante quanto às perspectivas do grupo após o dia 22 de junho.

Valor: Mas conflitos pessoais não irão prejudicar o futuro do grupo Pão de Açúcar?

Naouri : De maneira alguma. Estou confiante pois o grupo é maior do que cada um de nós. O GPA tem uma força graças às suas equipes que extrapolam as relações que um acionista possa ter com outro acionista. Insisto realmente sobre o fato de que se trata hoje de uma empresa profissional.

Valor: Então qual a sua prioridade hoje?

Naouri : A prioridade é o interesse da empresa. Nós não queremos que um desentendimento eventual entre acionistas respingue sobre a companhia. Nossa prioridade é o grupo, seu "management", seus colaboradores, suas equipes no sentido amplo, seus clientes e sua imagem no Brasil. De maneira mais geral, nosso posicionamento deve ser de humildade. Não somos brasileiros, é portanto importante para nós assumir nosso papel como controlador de GPA com muita humildade. É esta, aliás, a estratégia de Casino. Nossa estratégia não é um sistema de gestão autocrática na qual o Casino decida o que a filial deve fazer. O Casino está a serviço do GPA.

Valor: Qual deve ser a postura do Casino no processo de transição, de mudança na empresa?

Naouri : Será feito de forma calma, transparente, com respeito entre as pessoas, e com atitude de cortesia. É a atitude do Casino há 13 anos no Brasil e no mundo inteiro. Chegamos no Brasil com muita modéstia e fiquei impressionado, com o passar dos anos, pela capacidade profissional das equipes de GPA. Não desejamos agir como um controlador autocrático. Queremos um "management" com poder. Finalmente, como estrangeiros, temos um dever ainda maior de respeito, de cortesia, de humildade. Temos muitas obrigações e responsabilidades. Iremos nos esforçar para cumpri-las.

Valor: Representantes de Diniz e Casino conversaram nos últimos meses para tentar alinhavar um eventual acordo. Por que não houve avanços?

Naouri : Temos uma regra extremamente simples que é o interesse social do grupo. Quando fazemos propostas, não olhamos simplesmente para o interesse de um acionista, mas para o interesse da empresa. Não se trata meramente do interesse de um acionista, o senhor Diniz no caso. O que importa, é que todos os projetos que são propostos sejam bons para o GPA, que sejam do interesse do GPA e de seus acionistas em geral, não unicamente do senhor Diniz. Analisamos todos os projetos com a devida atenção. Somos particularmente meticulosos, muito abertos. Tomamos o tempo necessário. Somos pacientes e corteses, mas não podemos aceitar um projeto que vá contra os interesses da empresa.

Valor: Então o sr. quer dizer que aquilo apresentado não era interessante para o grupo?

Naouri : Por respeito pelo nosso interlocutor, não vou poder comentar os projetos que foram apresentados, mas posso lhe dizer que não encontramos as bases de entendimento sobre um projeto que satisfaça ao senhor Diniz e que ao mesmo tempo, corresponda aos interesses sociais de GPA.

Valor: A possibilidade de novas propostas está aberta?

Naouri : Sempre fomos abertos, estamos sempre abertos para qualquer discussão que atenda aos interesses de todos os acionistas do grupo e não apenas de um.

Valor: Como avalia a hipótese de divisão da empresa em dois negócios [alimentar e eletroeletrônico] para que aconteça a saída de Abilio Diniz?

Naouri : Tivemos inúmeras reuniões. Somos abertos. Não somos rígidos. Não somos fechados. Analisamos muitas propostas mas, até agora, achamos que nenhuma atende o interesse social da empresa.

Valor: Interlocutores ligados a Abilio Diniz dizem que Casino não teria apresentado realmente propostas para um acordo, o que explicaria o fato de as conversas não terem evoluído.

Naouri : Estou muito contente com o acordo que temos. Portanto, nossa proposta é que o acordo é perfeito e que o seguiremos à risca. Acho que nosso comportamento mostra que respeitamos o contrato no passado e hoje, e que o respeitaremos. Além disso, a empresa é hoje líder de distribuição no Brasil. Uma estrutura que levaria o grupo a perder sua liderança, a passar de número 1 para número 3 ou 4 levanta muitos questionamentos. Um dos principais ativos de GPA é sua liderança. Abrir mão disso, aceitar perder esta liderança só seria possível se realmente fosse provado que isto atende ao interesse social da empresa. Um processo que levaria, em poucas semanas ou poucos meses, a destruir a liderança conquistada ao longo dos últimos 15 anos não seria um projeto apropriado. O processo foi longo e trabalhoso porque estávamos diante de concorrentes muito poderosos. Destruir tudo isso num passe de mágica seria uma pena.

Valor: O senhor aceitaria a retirada da cláusula não concorrencial [permitindo que Abilio Diniz atuasse no setor após uma separação] num novo contrato?

Naouri : Isso faz parte dos pontos realmente confidenciais que estamos discutindo com o senhor Diniz. Portanto, não posso lhe responder. Daremos a resposta diretamente ao senhor Diniz. Mas, aqui também, o que orienta nossa reflexão é o interesse social de GPA. Será que é do interesse de um pequeno acionista que o senhor Diniz possa ter sua cláusula de não-concorrência dispensada? Estas decisões não são movidas por sentimentos de capricho ou emoção. Remetem para uma análise racional daquilo que é do interesse da empresa.

Valor: Está em análise a compra com ágio da participação de Abilio Diniz na companhia?

Naouri : O acordo prevê que o senhor Diniz tenha uma opção de venda e somos maníacos quanto ao respeito dos acordos. Respeitaremos essa opção de venda. Não tenho conhecimento de um pedido diferente por parte do senhor Diniz.

Valor: O senhor assume o controle da empresa num momento em que duas questões estão pendentes. A família Klein, fundadora da Casas Bahia, não estaria satisfeita com o acordo atual com o grupo. E Lily Safra, que vendeu o Ponto Frio ao GPA, foi para o tribunal de arbitragem. Como vai se posicionar?

Nouri : Eles [Lily Safra] têm uma posição, e nós outra. A posição deles é respeitável, mas não concordo com o que ela pensa. Compartilhamos da opinião do grupo [GPA disse que o pedido de Lily Safra é infundado] mas esse é um contencioso normal, sem nenhum comentário especial. Confirmo que não existe negociação do Casino com a família Klein. Isso faz parte dos vários boatos que circulam na últimas semanas, lançados para causar uma certa confusão, certo estresse. Também é boato que não éramos favoráveis à compra da rede Tenda. Confirmo-lhe que éramos a favor. No ano passado, tivemos também muitos rumores lançados pela parte contrária para criar confusão e estresse. Também é rumor que iríamos vender o GPA para o Walmart. E outro rumor: não seríamos favoráveis ao crescimento. Somos orientados para o crescimento. Sem querer comparar Tailândia e Colômbia ao Brasil, mas na Tailândia multiplicamos a cotação na bolsa de valores por nove desde 2005 e na Colômbia, por seis. Nosso foco vai ser a aceleração desse crescimento.

Valor: O sr. pode detalhar os planos para o grupo e se há a necessidade de novos investimentos do Casino na empresa?

Naouri : Atualmente não é necessário. Se a necessidade surgir, se exercerá o dever de acionista. A empresa está capitalizada, não é altamente endividada. A prioridade é o crescimento no Brasil, pela via orgânica, a priori. Mas estamos atentos a oportunidades de aquisição.

Valor: Por que o senhor não foi à assembleia de acionistas do grupo hoje [tarde de sexta-feira]?

Naouri : Não é segredo para ninguém que é, com certeza, um dia difícil para o senhor Diniz. E nesse momento, em espírito de respeito, nos pareceu apropriado sermos discretos e consideramos melhor não ir.

Valor: E como o senhor se sente hoje?

Naouri : Estou muito feliz, foi uma longa viagem, e não no sentido de vir até o Brasil, mas em termos de tempo passado. O ponto de chegada me deixa muito feliz.



Reunião em Paris define novos rumos


Abilio Diniz e Jean-Charles Naouri se encaram frente a frente hoje em Paris. Agora, cada um em seu novo papel. O brasileiro como acionista minoritário relevante e o Casino, de Naouri, como controlador do Grupo Pão de Açúcar, a maior rede brasileira de varejo, avaliada em R$ 20 bilhões.

A reunião foi marcada a pedido de Abilio Diniz em meados da semana passada. A condição de Naouri era de que o encontro ocorresse em Paris. Os dois não sentam juntos desde fevereiro.

O objetivo é restabelecer o diálogo para reabrir negociações. Contudo, Abilio não vai com uma proposta pronta debaixo do braço. Quer estabelecer o compromisso de que as conversas serão pragmáticas de ambas as partes daqui para frente.

As negociações anteriores estiveram contaminadas, de um lado, pelo receio de Naouri de que Abilio pudesse dificultar a passagem do controle na sexta-feira passada - o que acabou não acontecendo. Do outro, pelo desejo do empresário brasileiro de tentar manter-se próximo do negócio, buscando sua permanência com papel relevante - algo sempre presente nas negociações anteriores.

A diferença nesse encontro de hoje é que não há dúvida sobre qual a situação de cada um. Abilio Diniz sabe que o Casino é o dono efetivo do negócio.

E o Casino até se permite admitir, pela primeira vez, que não tem interesse em manter Abilio no negócio enquanto estiver insatisfeito. Pessoas próximas ressaltam que há disposição de encontrar um caminho para sua saída.

O grupo francês está ciente de que o Pão de Açúcar tem o DNA do empresário, como este frisou no discurso de sexta-feira, quando o controle do GPA foi transferido ao Casino. Abilio é o único conselheiro que dá expediente diário na empresa, num modelo de gestão de portas abertas com a diretoria - num andar em que os principais executivos trabalham juntos, sem paredes entre eles.

A separação dos sócios com a cisão da Via Varejo, empresa que reúne Casas Bahia e Ponto Frio, ainda é uma saída acalentada pelos principais envolvidos nas negociações. Naouri, contudo, mais do que nunca, tem a função de preservar o valor do Pão de Açúcar. Por isso, a menor disposição por esse modelo. Mas é verdade que o Brasil é o único país em que o Casino atua no ramo de eletroeletrônicos tão fortemente.

No passado, os sócios já estiveram bastante próximos de uma solução, separando a Via Varejo. O Casino avaliava o negócio em R$ 6 bilhões. Abilio, em R$ 5,5 bilhões.

Embora a saída de Abilio em dinheiro seja sempre uma alternativa, não é a solução mais provável. Isso porque, como o próprio empresário ressaltou, o que ele mais quer é garantir que pode trabalhar no que sabe pelo resto de sua vida. E isso o contrato atual já lhe proporciona, fez questão de frisar em seu discurso na assembleia de acionistas na sexta-feira. Essa possibilidade foi um de seus argumentos para dizer que o acordo com o Casino não foi ruim, apesar de lhe tirar o controle da companhia que ajudou a fundar, ao laudo de seu pai, Valentim dos Santos Diniz. O outro motivo que o deixava satisfeito era que o negócio lhe permitiu dar liquidez aos ativos do pai para que ele pudesse, em vida, dividir a herança entre os filhos.

Ou seja, se não houver acordo, Abilio pode trabalhar o restante de sua vida no Pão de Açúcar, como o próprio contrato garante com a cláusula que trata da saúde do empresário, atualmente com 76 anos.

Algo fora de cogitação para o grupo francês é que Abilio fique com as unidades das quais é dono do imóvel. São cerca de 75 unidades - 60 detidas pela holding Península e outras 15 pela família diretamente. Por elas, o Pão de Açúcar gastou cerca de R$ 180 milhões em aluguel no ano passado. Essas unidades são avaliadas em aproximadamente R$ 2 bilhões.

Ficar com essas lojas, inclusive a parte comercial, estava entre os desejos de Abilio, assim como ficar com a área de hipermercados - segmento no qual Naouri não acredita muito, um dos motivos pelo qual recusou a proposta com o Carrefour.

Apesar de sua idade e de estar passando o controle do Pão de Açúcar, o discurso de Abilio Diniz na assembleia de acionistas não era de quem encerrava um ciclo de vida, mas de quem começava outro: o de um acionista diligente à frente do conselho de administração. "Sigo (...) tendo como missão a defesa intransigente do grupo. Estando aqui não medirei esforços para atingir esse objetivo. Tudo farei para que nossos princípios e valores sejam respeitados." E fez questão de ressaltar seus talentos. "Ninguém entende mais de distribuição do que eu."

Contudo, Abilio sabe também que não terá a mesma liberdade para a tomada de decisões, como enquanto esteve como co-controlador ao lado do Casino, especialmente no período anterior aos desentendimentos.

E o empresário também tem consciência de que tem uma parte de seu investimento em ações líquidas, do Pão de Açúcar. Outra parte - a que lhe garantiu o co-controle até agora - está numa holding sem liquidez, a Wilkes. Lá está amarrado num acordo com os franceses e eles são, portanto, os únicos compradores naturais.

A valor de mercado, conforme a cotação de sexta-feira, a participação total de Abilio no Pão de Açúcar é de aproximadamente R$ 4,5 bilhões. Contudo, a fatia em Wilkes não tem uma precificação tão objetiva (ver reportagem nesta página).

É da reunião desta segunda-feira que devem sair as bases da convivência futura.

A dificuldade do diálogo entre Abilio e Naouri, conforme apontam os envolvidos nas negociações, é que o primeiro é muito emotivo nas decisões e o outro, excessivamente desconfiado.

Orientado por seus assessores, Abilio não usou a assembleia de sexta-feira para fazer um acerto de contas com o Casino. Mas também não escondeu sua insatisfação. "Devido aos acontecimentos dos últimos tempos, fui tomado por mágoas, tristezas e decepções. Injustiças e distorções da verdade me atingem mais do que agressões claras e diretas. Nega meu sofrimento seria falso e muito pouco convincente."

Já Naouri manteve a discrição na sexta-feira. Fez uma vista sem alarde ao Brasil. Teve um breve encontro com Abilio fora das reuniões que marcaram a passagem do controle para a empresa que comanda.

Ambas as partes tentaram mostrar disposição de convívio pacífico. Mas também mostraram uma parte do arsenal para uma situação de conflito. Confortável como controlador, Naouri apresentou sua resistência em diminuir o tamanho do grupo. O Abilio minoritário também já avisou que será "intransigente" quando o assunto em questão forem os valores do Pão de Açúcar - valores até hoje construídos por ele.


Veículo: Valor Econômico






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