Tudo o que o mercado queria do grupo Carrefour era um sinal. Não veio do jeito sonhado, ancorado num projeto agressivo e detalhado de melhorias, mas serviu para dar outro gás à crença de que pode existir uma saída - ainda que só no longo prazo - para a segunda maior rede de varejo do mundo. Na teleconferência com analistas do novo presidente mundial da rede, Georges Plassat, o francês de 63 anos escolhido para colocar o grupo nos eixos apresentou resultados com novas perdas e vendas subindo lentamente. Mas o que contou para muitos - e explica a alta de 6,7% nas ações da empresa ontem, a maior do dia na bolsa de Paris - foi entender aquilo que Plassat quer. E principalmente, o que ele não aceita de jeito nenhum.
Na conversa com analistas ontem às sete horas da manhã em Paris, o comando da rede comentou a redução do prejuízo líquido (atribuído aos acionistas controladores), que passou de € 249 milhões de janeiro a junho de 2011 para € 31 milhões no mesmo período de 2012. Também reforçou que as despesas operacionais, em relação à receita, mantiveram-se praticamente estáveis. E as vendas líquidas, de € 39,6 bilhões no primeiro semestre, subiram 1,4% sobre 2011 (taxa acima da média dos últimos trimestres).
As mensagens, no entanto, vieram depois - na divulgação (ainda que pouco detalhada) de ações de um "plano de recuperação global" comentado por Plassat. Em meio a rumores sobre o destino de filiais em mercados emergentes, ele deixou a entender que não vai vender as operações na China e no Brasil. Até então, Plassat não havia se manifestado sobre o assunto. O antecessor Lars Olofsson rechaçava a ideia. "Estamos nos mantendo nos países maduros, vamos defender nossa posição neles. Outros importantes países são Brasil e China", afirmou.
"Em certos países, como a Polônia, poderemos ajustar nossas posições. Na Indonésia e Turquia também estamos considerando fazer isso", acrescentou, sem comentar o que poderia ser feito. Analistas estrangeiros creem na possibilidade de venda de uma ou duas dessas operações. Ainda ontem, a rede informou que está saindo do mercado de Cingapura neste ano, com fechamento de duas lojas restantes.
Plassat ainda admitiu que a previsão de investimentos (Capex) para a empresa hoje está fora da realidade - a soma precisaria ser maior para continuar a fazer todas as mudanças necessárias no modelo de operação do grupo. "Nós planejamos €1,6 bilhão em Capex em 2012. Eu admito que isso não é o bastante", disse o executivo, sem falar na forma como obter novos recursos. Bancos e corretoras calculam que a empresa precisaria de até €3 bilhões. "Isso não deve ser feito por meio de um aumento de capital. Há outras ferramentas, mas eu não vou dizer quais."
Analistas estrangeiros têm comentado que a empresa poderia considerar a hipótese de abrir capital em mercados como o Brasil, para tentar obter novos canais de recurso. Sobre esse assunto, Plassat não se manifestou ontem.
Em alguns momentos, o executivo também disse o que foi considerado óbvio para os analistas. Falou que a empresa precisa diminuir a dívida, cortar os custos financeiros e melhorar a geração de fluxo de caixa. É a receita comentada pelos especialistas desde que a companhia decidiu reestruturar a operação um ano atrás. O executivo, antigo conhecedor do mercado de varejo, defendeu o que chamou de ações focadas na "simplicidade" para a empresa voltar a dar resultados.
"Precisamos trabalhar de novo na simplicidade. como na qualidade, por exemplo, na indústria têxtil", disse. O executivo afirmou ainda ser contra a ideia de abandonar a venda de itens de não-alimentos (como eletroeletrônicos) nos hipermercados. O mercado esperava um sinal dele a respeito desse assunto.
Ainda ontem, a empresa divulgou resultados por região geográfica, com menção positiva ao negócio na América Latina. No primeiro semestre, o grupo Carrefour informou que o lucro operacional na região latina foi de € 245 milhões, alta de 10% em relação à primeira metade de 2011. No país, o destaque mais uma vez foi a bandeira Atacadão. O Carrefour Brasil - comandado por Luiz Fazzio - tem sido mencionado positivamente de forma constante nos resultados. No país, a rede fechou o segundo trimestre com alta de 7,4% nas vendas (excluindo postos de combustíveis), sendo que as vendas no mundo caíram 0,4% em igual período.
A operação de atacado tem sustentado os resultados da rede no país porque a empresa já detectou que o modelo de hipermercado - dentro e fora do Brasil - não tem trazido os mesmos resultados do passado. Na prática, esse é o centro da crise que o Carrefour atravessa. A empresa continua a gastar muito no mundo, sem conseguir crescer no mesmo ritmo para os formatos de grandes lojas. É aí que está o nó que Plassat tenta desatar.
Veículo: Valor Econômico