"Precisamos aprender a falar bem do Brasil" - Um sotaque do interior paulista está presente o tempo todo na sede do Magazine Luiza, na zona norte de São Paulo.
O acento de Franca não vem somente da empresária Luiza Trajano, presidenta do grupo. Na verdade, é resultado da estratégia de blindagem do DNA da rede de varejo. Para manter a alma da empresa, Luiza importou de Franca, terra natal do Magazine Luiza, 250 funcionários e suas respectivas famílias. “É isso que faz a diferença”, diz a empresária, em sua sala envidraçada, que reproduz a arquitetura da sede original do grupo. Há dois anos, esse time está em São Paulo comandando os passos da companhia, que faturou R$ 2 bilhões no segundo trimestre deste ano. Depois de abrir capital na bolsa, em 2011, Luiza se diz tranquila, mesmo que as ações não tenham deslanchado como o esperado, até agora (sua valorização, no ano, foi de 22,8%, bem inferior à de varejistas como a Marisa e a Lojas Renner). “É um momento de consolidação”, afirma. “Quem não entrou para especular, terá o retorno esperado.”
DINHEIRO – Neste ano tivemos desoneração da folha, queda de juro e desconto do IPI na linha branca, e ainda há um plano para reduzir o custo da energia elétrica. De que maneira essas medidas beneficiam o varejo de eletroeletrônicos?
LUIZA TRAJANO – A redução do preço de energia é muito boa, é custo na “veia”. Sem o desconto do IPI não cresceríamos tanto nas vendas em 2012. O varejo deve crescer 6% neste ano. Foi um ano mais difícil, porque houve a crise global, e também fomos afetados. Mas, agora, a inadimplência está sob controle, o custo Brasil está baixando, e crise global não passou, mas não tem novidade pior. Acredito que isso incentive a retomada.
DINHEIRO – Como foi o ano para vocês?
LUIZA – Nós temos crescido dois dígitos, nestes últimos anos. Entramos na Bolsa de Valores em 2011. E apareceu a oportunidade, que eu, particularmente, defendi bastante, que foi a compra das Lojas do Baú, do Grupo Silvio Santos, em junho do ano passado. Porque eu tinha uma estratégia de fortalecer o mercado de São Paulo, onde só contávamos com 50 lojas. Foi um ano de consolidação. As sinergias vão aparecer a partir do ano que vem. Em outubro, terminamos de incorporar as Lojas Maia, presente em nove Estados do Nordeste, e já dobramos o faturamento dessa rede.
DINHEIRO – Como a senhora lida com a necessidade de administrar os negócios desde São Paulo, e não mais em Franca, berço da empresa?
LUIZA – Há dois anos mudamos 250 famílias de Franca para São Paulo. Buscamos um bairro que tinha a ver com a gente – Vila Guilherme, na zona norte da capital –, e um prédio que tivesse uma loja da rede embaixo, como era em Franca. Houve apoio psicológico, logístico, para essa mudança. O mais difícil é não perder a alma, o nosso jeito. Isso faz a diferença. E ao mesmo tempo, somos uma empresa muito profissional. Temos o nosso CEO, o Marcelo Silva, nos estruturamos para crescer, com governança. Então, além do planejamento estratégico, na área operacional eu só estou ligada ao Serviço de Atendimento ao Cliente. Crescimento e governança sempre andaram juntos.
DINHEIRO – E o convite para ser ministra?
LUIZA – Fiquei muito honrada com a sondagem, mas o ministério ainda nem existe. Eu sou uma idealista das pequenas empresas, que são a grande alternativa do emprego. Agora, não houve convite oficial. Meu objetivo é servir meu País, não importa como.
DINHEIRO – Como a senhora se sente por termos uma mulher na presidência da República?
LUIZA – Ainda não avaliamos o que representará para a sociedade brasileira o que é ter uma mulher na presidência. Na minha área, por exemplo, convivo com poucas representantes do sexo feminino. Ainda precisamos de cotas, algo que desperta preconceito. Mas, veja, anotei aqui uma definição de cotas (procura em um caderno de anotações): é uma ferramenta de transição, uma ação afirmativa para corrigir uma desigualdade. Muita gente acha que cota é para incompetente. Mas é uma ferramenta necessária.
DINHEIRO – A senhora acha legítima a utilização de qualquer cota, seja para negros, seja para portadores de deficiência ou para baixa renda na educação?
LUIZA – Sim, se não houvesse cota para deficientes físicos, por exemplo, não teríamos empregado tantos no País. Não se pode desprezar o fato de o Brasil vir de um histórico de escolaridade baixa, de escravidão. Eu nunca tive preconceito contra idade, raça ou gênero. Minha tia, Luiza Donato, fundadora da Magazine, sempre pediu para empregar pessoas diferentes, era exigida essa diversidade. Repito: é uma ferramenta de transição para corrigir uma desigualdade.
DINHEIRO – Como as empresas podem ajudar a melhorar a educação?
LUIZA – Há mais de 20 anos, nós contribuímos com esse tema. Lidamos com funcionários que, por vezes, nunca pensaram em atuar no varejo. Muitos vêm despreparados. E para todos que desejam, nós concedemos bolsas de estudo. E nem olhamos se a pessoa fica na empresa ou não. Se temos problemas, todos devemos ajudar. Acabamos de fechar um acordo com a Fundação Getulio Vargas, do Rio, uma graduação em gestão de negócios, de três anos, de curso a distância. Por enquanto, está chegando a São Paulo e Curitiba, mas depois quero que seja liberada para todo o País, principalmente para o Nordeste.
DINHEIRO – E todo mundo quer estudar?
LUIZA – Quando lançamos o programa de bolsas, há mais de duas décadas, sobravam vagas. Agora, faltam. O que pudermos ajudar para a educação, no País, vamos ajudar. Hoje, temos de unir Senac, Sebrae e Sesi num grande planejamento estratégico, para que possamos unificar tudo e elevar a qualificação. Essa formação só será rápida se o governo e os empresários atuarem unidos.
DINHEIRO – A sra. tem uma postura pró-ativa. Mas há muitos empresários que esperam tudo do governo. A mentalidade está mudando?
LUIZA – Não é uma postura só dos empresários. Eu também participo do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e me impressiona quando todo mundo fica dizendo: “Nossa, será que os Jogos vão dar certo?” Ninguém se pergunta: “O que posso fazer para dar certo?” Como se o Brasil não fosse nosso, fosse só dos políticos. Se eu puder melhorar meu bairro, deixe eu melhorar. Nos Estados Unidos, os americanos podem deixar a casa suja, mas limpam o jardim em frente a ela. Aqui não é assim. Quem acha que algo dará errado no País, então ajude a fazer dar certo. O Brasil é nosso. Mas acho que a mentalidade está mudando, sim.
DINHEIRO – A sra. sente que está contagiando?
LUIZA – Quando voltei da Olimpíada de Londres, fiz esse teste. Coloquei essa ideia para um grupo de 300 pessoas: em vez de perguntar se vai dar certo, façam o exercício de se perguntar: “O que posso fazer para dar certo?” O pessoal aplaudiu tanto, que me deu a certeza de que as pessoas querem ajudar, e não sabem como. Temos de fazer o movimento para entender esse “como”. Gosto da administração “caórdica”. Colocar ordem no caos. Precisamos aprender a falar bem do Brasil. Mas muita gente só consegue ver o lado ruim do País. É um hábito.
DINHEIRO – Como a sra. percebe o varejo, comparado à indústria que sofre concorrência de importado?
LUIZA – Nós valorizamos a indústria brasileira, os importados são só 5% do mix de produtos na nossa loja. O varejo cresce mais que o PIB brasileiro, atendendo a uma demanda reprimida. Só 7% das famílias da nova classe média têm tevê tela plana, por exemplo. Haverá um grande investimento em banda larga. Imagine o que isso pode nos proporcionar.
DINHEIRO – Os novos consumidores já se tornam mais exigentes?
LUIZA – Sim, e acredito que a próxima onda deles será a troca de móveis. Nós estamos fazendo uma parceria com o arquiteto Marcelo Rozenbaum, para lançar móveis próprios, para o padrão de residências do Minha Casa Minha Vida, com 70 a 80 metros quadrados de tamanho. Passei uma semana na feira de Milão com o diretor de vendas dele. Encontrar móveis funcionais, como um beliche que se transforme em escrivaninha, que seja bonito e colorido, assim como o público vê na televisão.
DINHEIRO – A indústria brasileira não lança tantos produtos focados em qualidade e custo baixo, a exemplo da China e da Índia, que têm essa filosofia para os negócios, voltado para os consumidores emergentes.
LUIZA – O custo Brasil é muito complicado para a indústria. O governo sabe disso e está fazendo sua parte. Mas só conseguiremos chegar à fórmula do mais com menos investindo em produtividade. E teríamos de unir as diferentes cadeias para todos trabalharem com esse objetivo, dentro do conceito do “ganha-ganha”. Todos têm de estar muito mais pensando no global do que apenas no seu quintal.
DINHEIRO – As ações da Magazine têm oscilado, e estão abaixo do valor do lançamento. Qual é o seu balanço do IPO, feito no ano passado?
LUIZA – Não fico com a pressão se sobe ou desce, porque tenho confiança no que estamos fazendo. Os que não entraram para especular terão o retorno esperado. A companhia está fazendo a coisa certa, na hora certa. Nossa família detém 67% das ações do grupo. Este ano era consolidação, não podia dar outro resultado. Mas se não fizesse isso, eu jamais compraria as redes que comprei. Aí paramos de comprar. Surgiram ofertas, mas o momento é outro. Tudo que fazemos tem fundamento, e continuamos a crescer. Quem investiu, tenho certeza, vai ter o retorno esperado.
DINHEIRO – E no ano que vem?
LUIZA – Ainda passaremos um período de consolidação. E aí é uma questão de oportunidades. Mas continuamos crescendo. Neste ano, abrimos quase 30 lojas novas. Por isso não perco o sono. Não falamos uma coisa e fazemos outra.
Veículo: Revista Isto É Dinheiro