Abilio Diniz decidiu, pela primeira vez, pedir diretamente a Jean-Charles Naouri, dono do Casino, uma definição sobre os próximos passos envolvendo o Grupo Pão de Açúcar (GPA), onde são sócios. Quer saber se assumem de uma vez o papel de negociadores ou se deve se dedicar, exclusivamente, ao papel de presidente do conselho do GPA.
O empresário brasileiro comunicou o interesse de sair do Pão de Açúcar e ficar com a Via Varejo em carta enviada a Naouri, no domingo à noite. No texto, ao qual o Valor teve acesso, Abilio diz que é preciso definir "qual rota" irão tomar e enfatiza que a "indefinição" é prejudicial à companhia.
A carta foi enviada pouco antes de Abilio decolar para Paris, onde tentou ontem participar de reunião sobre o planejamento estratégico do Pão de Açúcar. Mas o empresário não passou da recepção. Dali mesmo, mandou e-mail a Naouri: "A proibição de minha participação (...) será considerada ofensa aos meus direitos, com as responsabilizações e demais consequências cabíveis". Naouri respondeu a Abilio em carta de quatro parágrafos, cujo teor foi divulgado ontem pelo Valor PRO, serviço de tempo real do Valor: "O encontro discute a visão de longo prazo do Casino e nós não somos obrigados a dividir essas visões com você (...), especialmente à luz de uma reiterada e explícita intenção de obter modificações em acordos que nos amarram, com o objetivo de concorrer com o GPA".
A despeito da confusão de ontem, a carta de Abilio sobre a negociação é encarada pelo Casino como o passo mais importante do empresário, que tem 55 milhões de ações do GPA, avaliadas em bolsa em cerca de R$ 5,2 bilhões. No desenho da transação, 40 milhões de ações e mais as 61 lojas físicas que possui seriam usadas para uma oferta por 100% da Via Varejo. A intenção é lançar a proposta tanto ao Casino como à família Klein, minoritária na empresa de eletroeletrônicos.
Naouri barra entrada de Abilio
O Casino, controlador do Grupo Pão de Açúcar, e Abilio Diniz, sócio minoritário, voltaram a se desentender ontem, com troca de carta e mensagem eletrônica com palavras duras entre as partes, num momento em que os sócios tentam costurar um novo acordo de acionistas, após antigos desgastes em uma relação já insustentável. Em reunião de planejamento estratégico do GPA ontem à tarde, que tratou dos planos da empresa para o período de 2013 a 2015, o Casino não permitiu a participação de Abilio. Este ficou na recepção do escritório do Casino, próximo a avenida Champs-Élysées, em Paris, enquanto a reunião transcorria.
Abilio mandou, da recepção, e mail a Naouri: "A proibição de minha participação em referida reunião será considerada ofensa aos meus direitos, com as responsabilizações e demais consequências cabíveis". Apesar do tom, Abilio não quer endurecer sua postura. Essa não é a ideia. Ontem, o sócio francês não chegou dizer, literalmente, que o proibia de participar do encontro, mas afirmou que sua presença era desnecessária. Naouri respondeu a Abilio ontem, numa carta de quatro parágrafos, informou ontem o Valor PRO, serviço de tempo real do Valor.
"A agenda do encontro inclui a discussão das concepções de longo prazo do Casino e nós não somos, de forma alguma, obrigados a compartilhar essas concepções com você em outros lugares que não nas reuniões do conselho de membros do GPA, especialmente tendo em vista sua intenção reiterada e explícita de obter uma emenda nos acordos que nos amarram, com o propósito de concorrer contra o GPA", escreveu Naouri. Disse que a mensagem que Abilio mandou a ele, da recepção, foi preparada "há muito tempo". Para Naouri, Abilio teria preparado o texto antes.
Abilio tem negociado hoje a sua saída do GPA, envolvendo a compra de Via Varejo, empresa do grupo, por meio da troca de ativos. Há rumores de que Abilio pensa em continuar a atuar em varejo alimentar, após o fim da sociedade com o Casino. Por isso Naouri menciona a concorrência na carta.
Fatos ocorridos nas últimas horas antes da reunião, e apurados ontem, explicam melhor porque se chegou a esse ponto. Na quinta-feira passada, ciente da reunião já marcada, Abilio informou Enéas Pestana, presidente do GPA, que iria no encontro, como acontece há seis anos. Pestana reforçou que ele não havia sido convidado. Abilio disse que, como presidente do conselho, não era o caso de um convite, era um direito. No final de semana, Abilio e Pestana trocaram e mails. Pestana chegou a dizer que a ideia não era boa, mas não o demoveu do plano.
Ontem, pela manhã, Abilio encontrou os diretores do GPA no lobby do hotel em Paris, horas antes da reunião. Estavam lá Vitor Fagá, diretor de relações com investidores, Paulo Gualtieri, diretor de controle de gestão e Pestana. Os três saíram do hotel mais cedo. Abilio disse que chegaria 15 minutos antes da reunião. O Casino entendeu sua presença como um ato desnecessário, que causou "tumulto e barulho".
Abilio, por sua vez, interpretou a ação do Casino como "absurda" e "truculenta". Escreveu na mensagem endereçada a Naouri e Pestana (ambos já na reunião): "Estou no térreo do edifício sede do Casino aguardando para participar da reunião de planejamento. Como fiz ao longo de toda a existência do GPA e os deveres e direitos do meu cargo de presidente do conselho determinam, entendo indispensável minha participação".
Casino entende que foi uma reunião para discussões estratégicas, sem força deliberativa, e que o conselho de GPA tratará do tema. Para o sócio, Abilio foi a outras reuniões como membro do conselho de Casino, o que não é mais desde março.
Abilio entende que ia aos encontro como membro de GPA, e não de Casino. Avalia que eventuais alterações no plano estratégico precisam ter sua presença porque ele é a ponte entre o conselho e a diretoria. Mais do que isso: Abilio pode ser destituído do cargo de presidente do conselho se a empresa não apresentar bons resultados. Está no acordo dos sócios de 2005. O raciocínio dele é: "Se eu não for à reuniões, como poderei assegurar resultados?" É um desgate numa hora de mudanças na rede, visto que Casino e Abilio negociam a saída do empresário do Grupo Pão de Açúcar.
Proposta de Abilio envolve R$ 8 bilhões
Abilio Diniz decidiu, pela primeira vez, pedir diretamente a Jean-Charles Naouri, dono do Casino, uma definição sobre os próximos passos envolvendo o Pão de Açúcar, empresa na qual são sócios. Quer saber se assumem de uma vez o papel de negociadores ou se deve se dedicar, exclusivamente, ao papel de presidente do conselho de administração do grupo.
O empresário Abilio Diniz comunicou o interesse de sair do Pão de Açúcar, empresa que ajudou a fundar ao lado do pai, e ficar com a Via Varejo na carta enviada diretamente a Naouri, o dono do Casino.
No texto, ao qual o Valor teve acesso, Abilio diz que é preciso definir "qual rota" irão tomar e enfatiza que a "indefinição" é prejudicial à companhia. Espera, com isso, colocar um ponto final na insegurança do sócio sobre seu real interesse na negociação e acelerar as tratativas. A comunicação atende a uma necessidade sinalizada pelo próprio Casino, por conta do temor de que o apetite de Abilio pela Via Varejo, maior varejista de eletroeletrônicos do país, seja um jogo de cena.
A carta foi enviada pouco antes de Abilio decolar para Paris, no domingo à noite, na tentativa de participar de reunião na sede do Casino. Embora Naouri não tenha permitido a presença de Abilio na reunião (ver página B1), a carta é encarada pelo Casino como o passo mais importante dado pelo empresário desde que as negociações começaram, pois até então todos os documentos que corriam entre São Paulo e Paris eram "apócrifos" e utilizavam "codinomes" para as empresa envolvidas.
A partir de agora, aumenta a pressão sobre ambas as partes. De um lado, Casino terá de se posicionar objetivamente. Do outro, Abilio empenhou seu compromisso.
Nessa carta, Abilio deixa claro que o caminho da Via Varejo, com uma troca de ativos, para a transação foi uma sugestão do próprio Naouri, que ele aceitou. E lembrou que em 25 de julho, último encontro que tiveram pessoalmente, ambos tinham se comprometido com a negociação. "Isso já faz cinco meses", desabafa o brasileiro.
Desde agosto, os representantes de ambos os lados trabalhavam num modelo para a separação definitiva de Abilio Diniz do grupo Pão de Açúcar, ainda que numa negociação vagarosa. Entretanto, há três semanas que Abilio não tem retorno sobre alguns pontos encaminhados ao sócio francês.
Abilio tem, no total, 55 milhões de ações do grupo, entre preferenciais em ordinárias - avaliadas em bolsa em cerca de R$ 5,2 bilhões. No desenho da transação, 40 milhões de ações e mais as 61 lojas físicas que possui seriam usadas para uma oferta por 100% da Via Varejo. A intenção é lançar a proposta ao Casino (Grupo Pão de Açúcar) e à família Klein, minoritária na empresa de eletroeletrônicos.
Não está definido se Abilio aceita ou não ficar com a empresa caso os Klein não aceitem vender sua fatia. Esse ponto tem incomodado o Casino.
A transação envolve 19 milhões de ações ordinárias de Abilio, mais as 61 lojas, que serão entregues à empresa. As lojas são avaliadas em R$ 2,5 bilhões.
Somados às ações ordinárias, o que está na mesa é entregar ao Pão de Açúcar ativos avaliados em R$ 4 bilhões. A companhia pagaria Abilio com o controle da Via Varejo (52,5% da companhia) e mais a participação na empresa de comércio eletrônico Nova Pontocom - 50% desse negócio está debaixo da Via Varejo, 44% sob Pão de Açúcar e 6% estão com executivos.
Com isso, restam cerca de 21 milhões de ações preferenciais dedicadas ao negócio que serão a proposta à família Klein, que tem 47% da Via Varejo. A preços de mercado, esses papéis valem hoje pouco menos de R$ 2 bilhões.
Restariam na mão de Abilio aproximadamente mais 15 milhões de ações preferenciais que seriam vendidas ao Casino, ou seja, mais R$ 1,4 bilhão.
Assim, a troca de ativos pela Via Varejo e Nova Pontocom envolveria R$ 6,5 bilhões, aproximadamente, e mais R$ 1,5 bilhão seriam recebidos em dinheiro, para a saída completa e imediata de Abilio do grupo que ajudou a fundar. No total, a operação movimentaria cerca de R$ 8 bilhões.
Na BM&FBovespa, o grupo Pão de Açúcar - operação alimentar, mais Via Varejo (Ponto Frio e Casas Bahia) e a Nova Pontocom - está avaliado em R$ 24,4 bilhões.
Ainda não está claro se o Casino vai considerar a carta de Abilio, além de um passo importante, como a segurança que faltava para a transação avançar. Recentemente, por conta do preço atrativo em bolsa (Pão de Açúcar está próximo de sua máxima histórica), o Casino teve receio de que Abilio poderia vender suas preferenciais na bolsa. Na carta à Naouri, o empresário diz que não o fez e que a prioridade é levar o negócio adiante.
Com a troca de ativos, o Pão de Açúcar cancelaria as ações ordinárias recompradas de Abilio e, com isso, o Casino seria o dono isolado do capital votante da empresa.
Quando as conversas foram paralisadas, Abilio oferecia sua contraproposta para dois detalhes cruciais. Ele deseja ficar com a sede da empresa - a loja número 1 do grupo. Ofereceu ao sócio francês ter a garantia de compra do prédio em até dois anos. Outro ponto era o acordo de não competição, cuja proposta era um bloqueio até junho de 2013.
Veículo: Valor Econômico