Cervejaria holandesa afasta-se da Europa e a mexicana fica com fatia de 20% no negócio mundial
O acordo de US$ 5,4 bilhões da Heineken para comprar a divisão de cerveja da gigante mexicana de bebidas e varejo Femsa dá à cervejaria holandesa uma base na América Latina e reduz sua dependência dos mercados europeus, de crescimento mais lento.
A transação, inteiramente em ações, reunirá sob o mesmo teto as marcas europeias Heineken, Newcastle Brown Ale e Amstel, as mexicanas Tecate, Dos Equis e Bohemia, e as brasileiras Kaiser e Bavaria. Com o acordo, a Heineken se torna a segunda maior cervejaria do México e amplia sua presença no Brasil e nos Estados Unidos.
A Heineken também vai assumir US$ 2,1 bilhões em dívidas como parte do acordo. A Femsa receberá 20% da Heineken em troca da sua divisão de cerveja.
Jean-François van Boxmeer, o diretor-presidente da Heineken, disse que dormiu com o notebook e o celular aninhados ao lado da cama no fim de ano para ajudar a garantir o acordo, e chegou a trabalhar em meio período durante suas férias na Ilha Maurício.
A Heineken superou a britânica SABMiller pouco antes do Natal, quando a Heineken iniciou negociações exclusivas com a Femsa que deveriam durar até esta semana, disseram pessoas a par da questão.
"É um acordo realmente transformador para a Heineken", disse ontem Van Boxmeer numa entrevista ao "Wall Street Journal" por telefone. "Ele abre uma grande oportunidade para nós nas Américas."
Outras cervejarias estudaram o negócio da Femsa, mas a SABMiller era considerada por muitos observadores como a favorita para vencer o leilão da Femsa Cerveza, sediada em Monterrey. No fim, a cervejaria britânica foi atrapalhada por sua relutância em adquirir as operações brasileiras da Femsa Cerveza, segundo fontes.
As alianças anteriores entre a Heineken e a divisão de cerveja da Fomento Económico Mexicano SAB, nome oficial da Femsa, colaboraram para a concretização do acordo. "Temos muita coisa em comum na maneira como operamos", disse Van Boxmeer. Tanto a Femsa quanto a Heineken são empresas de controle familiar.
A fusão permitirá à Heineken obter 24% dos seus lucros de países como México, Brasil, EUA e Chile. Atualmente, essa proporção é de 11%. O acordo vai aumentar a participação dos emergentes no lucro operacional da cervejaria de Amsterdã de 32% para 40%.
Analistas dizem que a Heineken tem pela frente a difícil tarefa de melhorar os negócios de cerveja da Femsa no México, onde ela tem 43% do mercado em volume, mas tem perdido terreno para a concorrente maior Grupo Modelo SAB, fabricante da marca Corona.
Van Boxmeer disse que a Heineken "não vai ficar obcecada" em tentar aumentar o volume de vendas no México e, em vez disso, se concentrará em aumentar a receita e o lucro. Através do acordo, a Heineken planeja expandir as vendas da marca Heineken - atualmente minúscula no México.
A Heineken, terceira maior cervejaria do mundo em volume, também fechou um acordo exclusivo de dez anos com a Femsa para vender cerveja em sua rede de lojas de conveniência Oxxo, a maior do México.
Os investidores da Heineken ficaram satisfeitos com o acordo e impulsionaram a ação da empresa em 3,3% na Bolsa de Amsterdã. Já os ADRs da Femsa desabaram 13,3% na Bolsa de Nova York, para US$ 43,17, já que o acordo decepcionou investidores apostavam na ação desde que a possibilidade da venda de suas cervejeiras foi anunciada no início de outubro.
Segundo fontes, a SABMiller não estava interessada em comprar o braço brasileiro da Femsa, a Cervejarias Kaiser Brasil, que enfrenta forte concorrência da Anheuser-Busch InBev . A SABMiller também ficou desanimada com o acordo de distribuição de longo prazo da Kaiser com a Coca-Cola Femsa, a engarrafadora filial da Femsa. A Heineken, por outro lado, já tem uma fatia da Kaiser.
Tanto a SABMiller quanto a Heineken ofereceram à Femsa uma participação, disseram pessoas a par da questão. Como a Heineken é menor que a SABMiller, a Femsa receberá uma fatia maior da Heineken. Como parte do acordo, os representantes da Femsa também ganham dois assentos no conselho supervisor da Heineken.
O Credit Suisse Group e o Citigroup Inc. deram consultoria à Heineken no acordo. O Rothschild, Allen & Co. e Rebecca Miller aconselharam a Femsa. A empresa inteira agora tem valor de mercado de quase US$ 18 bilhões.
Uma onda recente de consolidação no mercado mundial de cerveja culminou na aquisição da Anheuser-Busch pela belgo-brasileira InBev em novembro por US$ 52 bilhões, aumentando ainda mais a pressão para as cervejarias menores se expandirem. (Colaborou Anna Marij van der Meulen)
Holandesa é a segunda maior do mundo
Tal qual cerveja vertida com entusiasmo desmedido, a espuma inicial do preço das ações da Heineken após sua aquisição das operações da Femsa por US$ 7,64 bilhões assentou. A alta de 5% no início do pregão retrocedeu, na segunda-feira, para um patamar mais modesto de 3%. Mas a Heineken, que tornou-se a segunda maior cervejeira em vendas do mundo, ficou com a melhor parte nesse negócio fechado no México.
A empresa holandesa está pagando um preço total 11 vezes maior do que os lucros históricos antes de juros, impostos, depreciação e amortização. Isso está acima de recentes pequenas aquisições cervejeiras, realizadas a múltiplos de oito a 10 vezes. No entanto, os valores estão bastante abaixo do visto durante a fervilhante era de aquisições - com múltiplos de 13 a 14 vezes -, como na compra, pela Heineken e Carlsberg, da Scottish & Newcastle.
O grupo Femsa, por sua vez, conseguiu um preço mais baixo do que muitos esperavam no leilão. A Femsa também ganha uma participação na Heineken durante cinco anos, em vez de dinheiro.
A operação é complexa porque a família Heineken queria manter o controle. Para isso, a Femsa obteve participações tanto na holding Heineken como nas empresas controladas. A Heineken não assumiu nenhuma dívida nova, pagando a maior parte da contrapartida em novas ações emitidas pela controladora. E a companhia tem também cinco anos para comprar no mercado o restante das ações que terá de entregar à Femsa. O grupo Femsa ficou com um interesse económico de 20% na Heineken, inclusive assentos no conselho de administração. A família Heineken mantém sua participação superior a 50%.
A Heineken diz que levará seis anos para cobrir o custo de capital, mas espera realizar 1 bilhão em sinergias anuais até 2013 . Mas, para fechar as contas, a Heineken ainda precisará elevar o crescimento das vendas da Femsa de 10% para 11% ao ano, partindo de um nivel pré-recessão de 8%. A meta é factível se considerados os ganhos da reunião da marca Heineken com as marcas da Femsa no México, Brasil e os EUA, os três mais lucrativos mercados do mundo.
No Brasil, plano é expandir produção para mais fábricas
A Heineken deve experimentar um grande crescimento no Brasil depois de fechado o negócio com a Femsa. O primeiro impacto da compra da cervejaria mexicana se dará sobre a produção. Hoje, a marca holandesa é produzida em apenas uma das oito fábricas da Kaiser no país. Mas, de acordo com fontes ligadas à cervejaria, pelo menos cinco já estão sendo adaptadas e recebendo maquinário para ainda este ano começar a produzir a cerveja da garrafinha verde.
Não é à toa. O Brasil, segundo dados consolidados pelo Barth-Haas Group, maior produtor mundial de lúpulo do mundo, era até o início do ano passado o quarto maior mercado de cerveja do planeta, com uma produção de 106,3 milhões de hectolitros. Só perdia para a Rússia, com 114 milhões de hectolitros de produção. Em primeiro lugar, vem a China e depois os Estados Unidos, com 410 milhões e 231 milhões de hectolitros, respectivamente. Mas com a produção mundial em queda devido à crise que atingiu vários países em 2009, a expectativa é que o Brasil chegue à terceira posição, ultrapassando o mercado russo, que enfrenta recessão.
A Femsa, por sua vez, também se saiu bem. Agora, com seus negócios concentrados na unidade de sucos e refrigerantes - a Femsa Coca-Cola (da qual a The Coca-Cola Company tem 31,6% do controle) - e na Femsa Comercio, a empresa poderá investir na expansão de suas fábricas e também da rede de lojas de conveniência Oxxo. No Brasil, isso deve se refletir em pelo menos mais oito plantas de refrigerantes, além das já existentes. A expansão está em linha com o investimento de R$ 11 bilhões (US$ 5,8 bilhões) para os próximos cinco anos no Brasil, anunciado pela The Coca-Cola Company em novembro. A Femsa é a maior engarrafadora do sistema Coca-Cola no país. Também é a maior na América Latina e a segunda o mundo.
No mercado interno, a Cervejaria Petrópolis, que tem 9,6% das vendas, e a Schincariol, segunda colocada com 11,6% (segundo a medição Nielsen de novembro) também acabaram se valorizando. "A SABMiller desistiu da Femsa porque os mexicanos não aceitavam fazer troca de ações com os britânicos. Queriam dinheiro vivo e estavam pedindo mais que os US$ 7,347 bilhões fechados com a holandesa", diz uma fonte que participou das negociações entre a Femsa e a SABMiller. "Mas eles continuam tendo interesse no país e as cervejarias que sobraram como alvo - a Schin e a Petrópolis - viram seu valor de mercado crescer em pelo menos 15%", afirmou a fonte.
A AmBev, com 70% das vendas, continuará sendo um desafio. A vantagem que a Heineken tem para enfrentar a rival é a distribuição em parceria com a Coca-Cola, dona de mais da metade do mercado de refrigerantes nacional. Por isso, os 20% que a Femsa conquistou na Heineken são estratégicos. É a parceria com a mexicana que permite essa sinergia de distribuição.
Já o futuro da marca Kaiser, que chegou a ser líder no mercado paulista, com mais de 30% das vendas, continua incerto. O que se sabe é que, por pelo menos seis meses, até que o negócio seja totalmente aprovado e fechado, ela continuará sendo produzida. Ou seja, até o final de julho, de acordo com fontes ligadas à Femsa no Brasil, nada deve mudar.
Veículo: Valor Econômico