Preço dos importados reduz o consumo de produtos nacionais

Leia em 11min

Setor considera que em dois a três anos será restabelecido o equilíbrio entre a produção e o consumo de vinhos finos, perdido entre 2006 e 2008

 

O Rio Grande do Sul, estado que se destaca como maior e mais tradicional produtor de vinhos, começa a mudar o cenário de desequilíbrio entre o volume de produção de uva e vinho, que se manteve maior do que a demanda entre os anos de 2006 a 2008. A comercialização de vinhos finos e de mesa no ano passado foi de 240 milhões de litros, 12% superior à registrada em 2008. Se o aumento nas vendas continuar com este percentual de crescimento, em breve atingirá a marca de 290 milhões de litros, quantidade comercializada em 2005, o melhor ano para o Estado em termos de volume de vendas. 

 

O presidente do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), Carlos Paviani, explica que vários fatores levaram à retração do consumo de 2006 a 2008. Entre eles a redução do imposto dos vinhos importados, que passaram a entrar no País a custos muito baixos, dificultando a concorrência dos produtos nacionais. “Com o consumo de vinho em larga escala também começaram a surgir subprodutos como sangrias e coquetéis que muitos consumidores classificam como sendo vinho. No entanto, a bebida recebe apenas um percentual de vinho, que muitas vezes não é respeitado conforme as exigências indicadas na composição”, afirma Paviani. Confusão semelhante acontece com as sidras, que são bebidas feitas de maçã e gaseificadas artificialmente. No entanto, os consumidores compram acreditando que o produto é igual ao espumante – este, sim, produzido à base de uvas e com gás carbônico gerado pela fermentação natural da fruta.

 

Até que se estabeleça novamente o equilíbrio entre a produção de matéria-prima e o consumo de vinhos finos, no entanto, vai levar de dois a três anos, segundo Paviani. Para atingir esse fim, o Ibravin vem fazendo um trabalho de comunicação voltado aos consumidores, como as ações promocionais em supermercados, onde degustadores oferecem amostras de vinhos e espumantes aos clientes e informam sobre a produção, procedência e características de cada produto. O Ibravin também formulou uma cartilha descrevendo as diferenças entre os vinhos e as bebidas que são confundidas com vinhos e espumantes, mas são produzidas com outras matérias-primas.

 

Que cada vez mais o consumo de vinho faz parte do desejo dos brasileiros é inegável. Só que, para aumentar a comercialização, dois fatores são imprescindíveis: a qualidade do produto e a garantia de uma boa logística de distribuição, que irá se refletir nos preços. No quesito qualidade, o presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE), Christian Bernardi, afirma que a Serra gaúcha - região que concentra a maior produção vitivinícola do Estado - só vem melhorando nos últimos 15 anos.

 

Ele explica que esta evolução se deve em parte à maior participação de enólogos no processo produtivo dos plantios de uva. “Cada local tem seu clima e seu solo, que vão fazer diferença no sabor final do produto. E estes aspectos estão sendo considerados na hora de escolher o tipo de uva a ser plantado de acordo com o local. Estamos buscando as referências mundiais usadas pelos consumidores para construir o gosto”, conta Bernardi.

 

O cultivo da videiras também está mais equilibrado, no que se refere à quantidade de uva produzida por hectare de terra. Quanto menor a quantidade de uva colhida por hectare, maior a qualidade do produto final. “Estamos num ponto de equilíbrio, que gira em torno de 8 a 10 toneladas por hectare”, afirma Bernardi. “Hoje há muito mais profissionalismo na produção da uva. O processo de plantio deixou de ser algo empírico e passou a ser uma ciência.”

 

Para Brandelli, união de vinícolas poderia baixar o custo do transporte
Se a qualidade da uva está em evolução, o grande desafio para que a produção vinícola gaúcha chegue até a mesa dos brasileiros fica por conta da logística. As pequenas empresas, principalmente, ainda enfrentam muitas dificuldades para conseguir distribuir seus produtos em todo o País. Para a família Brandelli, que é dona de 15 hectares de plantação de uvas no Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, e produz 120 mil garrafas de vinhos finos da marca Don Laurindo por ano, a logística é um dos fatores que dificultam a comercialização da produção.

 

Ademir Brandelli, proprietário da pequena vinícola, que produz vinhos tintos, brancos e espumantes de castas europeias, conta que sua primeira preocupação é com a qualidade da produção. Neste aspecto Brandelli afirma que não tem tido problemas. Ao  contrário, garante que a empresa está sempre melhorando seu produto em função das exigências dos próprios consumidores. Inclusive adotou o sistema de plantação em espaldeiras, que se assemelham à cercas verticais, o que garante uma maior ensolação e ventilação das uvas e consequentemente uma melhoria da qualidade.

 

A comercialização dos vinhos, segundo Brandelli, é feita diretamente aos consumidores, em casas de vinhos e em restaurantes. A empresa não atende a grandes redes de supermercados. Do total de garrafas produzidas, 40% são comercializadas no Rio Grande do Sul e 55% seguem para outros estados, principalmente São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Santa Catarina e Paraná. Uma pequena parcela também tem como destino as regiões Norte e Nordeste do Brasil.

 

Os pedidos são feitos por e-mail e as remessas são enviadas embaladas em caixas de papelão por transportadoras rodoviárias. Essa logística torna o vinho gaúcho mais caro. Brandelli afirma que, dependendo do destino da carga, o frete custa mais caro do que a própria mercadoria. “Muitas vezes o consumidor analisa o preço do frete e, como o valor é alto, acaba optando por comprar um importado no supermercado”, desabafa Brandelli. “Há muita rejeição a tudo que é brasileiro. Muitos consumidores acham que só porque são importados, os produtos são melhores ou dão mais status, que são mais chiques. E o pior é que, muitas vezes, ainda oferecem um preço melhor. Nós temos que valorizar mais o que é nosso. O brasileiro não prestigia a sua produção, diferentemente do que acontece em outros países, onde a população dá preferência para seus produtos”, destaca Brandelli.

 

E foi graças à qualidade do produto que os vinhos Don Laurindo chagaram ao exterior. Parte da produção, em torno de 5%, é comercializada nos Estados Unidos, México e na República Checa. “O vinho chegou nestes países através de importadores que conheceram o produto, gostaram e decidiram comercializar na sua terra”, explica.

 

Uma das saídas para baratear os custos dos processos logísticos, na opinião de Brandelli, seria o associativismo entre as empresas, principalmente entre as pequenas que não possuem condições de manter pontos de venda em outros estados. “Só o transporte representa 6% do valor do produto. Unidas, este custo poderia baixar sem prejuízo para a concorrência entre as marcas, pois hoje nosso maior concorrente não é o vinho brasileiro, mas sim o importado. Hoje dos vinhos finos consumidos no Brasil, 76% são importados, principalmente da Argentina e do Chile”, justifica.

 

A vinícola Don Laurindo faz parte da Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale), uma reunião de 31 vinícolas dos municípios de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul. “Em 2010 estimamos que mais de 180 mil turistas visitem o Vale dos Vinhedos”, comemora Brandelli.

 

Dal Pizzol recorre ao telemarketing para ampliar vendas

 

A vinícola Dal Pizzol Vinhos Finos, localizada nos Caminhos de Faria Lemos, no distrito de Faria Lemos, em Bento Gonçalves, possui um sistema de distribuição mais diversificado, mas também enfrenta problemas com os altos custos da logística, o que acaba inviabilizando o envio do vinho para alguns estados do Brasil.

 

Para a fabricação dos vinhos da empresa, que produz 300 mil garrafas por ano, toda a uva utilizada é fornecidas por produtores parceiros. Segundo o enólogo da Dal Pizzol, Dirceu Scottá, a empresa optou por este sistema para obter matéria-prima com diferenças regionais, com mais diversidade e para garantir o fornecimento. Pois com o plantio centralizado em apenas um local, em caso de alguma intempérie climática, a vinícola correria o risco de ficar totalmente sem insumo.

 

A empresa é abastecida por agricultores que produzem uva em 10 pontos diferentes, localizados em André da Rocha, São Jorge, São Valentim, Bento Gonçalves, Pinheiro Machado, Encruzilhada e Livramento. O plantio é todo feito em espaldeira, que segue o formato de uma cerca vertical. Todos os produtores selecionados firmaram contrato com a empresa assumindo o compromisso de seguir as orientações técnicas dos especialistas da Dal Pizzol a respeito de aspectos como forma de plantio, variedade de produtos e tipo de poda. “A cada visita que recebem dos encarregados da vinícola - dois enólogos e um engenheiro agrônomo - os produtores são avaliados. Se seguirem todas as orientações, ganham pontos; caso contrário, perdem pontos”, conta Scottá. No final, a pontuação é utilizada como bônus ou como desconto no valor da uva comercializada. Caso a uva não tenha qualidade, a vinícola ajuda a encontrar um destino para a produção, que pode ser a fabricação de suco de uva.

 


A Dal Pizzol produz uma linha de 25 tipos de vinhos entre tintos, brancos e roses, além de espumantes e suco de uva. A comercialização é feita para todo o País por telemarketing ou por representantes. Scottá explica que a venda por telemarketing da empresa é diferente do que acontece no mercado normalmente. “No caso da Dal Pizzol, são contatadas apenas pessoas físicas que já possuem cadastro na empresa, e os atendentes que entram em contato são enólogos, ou seja, pessoas que entendem de vinho e que só ligam nos horários permitidos pelo consumidor”, explica Scottá.

 

A outra parte das vendas é feita por representantes - cerca de 20 - espalhados pelo País. A atuação hoje está mais concentrada no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo. Mas a logística é bastante complicada para alguns estados. Scottá conta que para fazer a distribuição dos vinhos Dal Pizzol em São Paulo, onde os consumidores estão acostumados a comprar garrafas, e as entregas são muito pulverizadas, é difícil montar uma logística que cubra os custos. Já no caso de remessas para as regiões Norte e Nordeste, em função das distâncias, o valor do frete é tão alto que praticamente torna a venda inviável. “A logística é um grande problema para as pequenas empresas e também para as médias. Nós estamos no meio termo. Não somos grandes o suficiente para termos um CD, mas ao mesmo tempo temos que encontrar alternativas para fazer a distribuição”, desabafa Scottá.

 

Os vinhos Dal Pizzol são comercializados em garrafas e meias garrafas. Além disso, a empresa também vem utilizando as embalagens bag-in-box. O objetivo é disponibilizar ao consumidor mais uma alternativa de recipiente. De 2007, quando adotou o novo modelo, até ano passado, a movimentação de vinho em bag-in-box pela Dal Pizzol aumentou de cinco mil litros para 40 mil litros. “Estas embalagens são práticas, leves, fáceis de acomodar na geladeira, e, na comparação com os garrafões, têm a vantagem de possuírem um sistema interno que não permite a entrada de oxigênio, o que garante a qualidade do vinho por 30 dias depois de aberta”, revela.

 

Para o Ibravin, atraso na entrega inibe o consumo

 

O vice-presidente do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), Arnaldo Passarin, diz que apesar dos avanços da logística na distribuição dos vinhos gaúchos, o Estado ainda está longe do ideal. É preciso melhorar o tempo de entrega do pedido do comprador. “Há casos em que a entrega pode levar até um mês, e isso acaba inibindo o aumento do consumo”, explica. Esses problemas em parte são motivados pelo ainda baixo consumo de vinho pelo brasileiro, que não chega a três litros per capita por ano.

 

O resultado é a falta de volume para fechar uma carga completa. A alternativa, enquanto o consumo brasileiro ainda não está em níveis elevados, segundo Passarin, é de implementar uma logística coletiva, uma espécie de associativismo. “Aqui no Estado são cerca de 600 empresas. Se 100 delas se unissem, seria muito mais fácil lotar uma carga. Seria um caminho para resolver o problema da distribuição”. Outra maneira de melhorar a logística seria as vinícolas utilizarem melhor os recursos da informática. “A tecnologia ainda não está sendo aproveitada em todo o seu potencial e poderia ser um grande auxílio”, afirma Passarin.

 


Veículo: Jornal do Comércio - RS


Veja também

AmBev planeja investir R$ 2 bilhões para ampliar a produção no Brasil

Bebida: A capacidade instalada de 157,4 milhões de hectolitros pode crescer até 15%   João C...

Veja mais
Coca-Cola Brasil cresce 4% e investe R$ 2 bilhões no país

Bebidas: No mundo, alta de 5% foi impulsionada por Brasil, China e Índia     Novas fábrica...

Veja mais
Mais gente bebe água com açúcar e venda sobe

Talvez o mundo não queira perceber que está apenas bebendo água com açúcar. A Coca-Co...

Veja mais
Coca-Cola aumenta aposta no Brasil

Empresa quer crescer na classe C e em produtos não-carbonatados   Com os investimentos de R$ 2 bilhõ...

Veja mais
Ingredientes da caipirinha sobem 51,7%

Alguns itens, como o açúcar refinado e a aguardente, tiveram alta nos preços de mais de 50%  ...

Veja mais
Coca-Cola anuncia investimento de R$ 2 bilhões no Brasil em 2010

Filial brasileira cresce 4%, mas perde para China posto de 3º maior mercado   A Coca-Cola vai investir R$ 2 ...

Veja mais
R$ 11 bi em investimentos

A Coca-Cola Brasil, que ao elevar em 8% o volume de vendas no último trimestre do ano passado superou o desempenh...

Veja mais
AmBev sofre nova derrota em discussão judicial com investidor

Ministro do STJ mantém decisão que causa prejuízo de US$ 500 milhões à companhia &nb...

Veja mais
Kirin planeja crescer fora do Japão

A Kirin Holdings, maior cervejeira do Japão, planeja acelerar a expansão internacional depois que fracassa...

Veja mais