Os tintos nacionais pegaram um atalho para a modernidade. Mas terá sido bom?
Uma coisa estranha aconteceu nessa viagem entre Viamão e o mundo. Algum desvio na estrada. Em três décadas o vinho brasileiro ganhou mercado, visibilidade, respeito e avançou tecnicamente. Mas perdeu algo, uma noção de origem. Não vamos cair no simplismo de achar que a tecnologia amesquinha a complexidade, nem no exagero contrário de pensar que quanto maiores as instalações, melhores vinhos. Nada de emprestar virtudes éticas ao que é mero estético. Nem o luxo dos châteaux, nem a rusticidade do camponês garantem qualidade. Vinho bom é avaliado na taça.
A grande questão que os vinhos de Oscar Guglielmone provocam é de outra natureza: se um terroir pouco considerado como Viamão - fora das regiões produtoras consagradas, como a serra gaúcha - foi capaz de dar vinhos com tal longevidade e elegância, por que desapareceram produtos assim do nosso mercado?
É compreensível que a indústria quisesse crescer. Quem faz vinhos quer vendê-los, não é um passatempo. Então o crescimento, os investimentos em tecnologia e toda a melhora do ambiente tanto no Sul quanto no sertão são bem-vistos e desejáveis. Mas houve uma perda: abandonou-se quase por completo a produção com um perfil menos imediatista, vinhos para guarda, que reflitam os acidentes de cada ano, tanto climáticos quanto agrícolas. Em resumo, os vinhos de autor e de terroir.
O vinho brasileiro médio chegou a um patamar australiano, não há mais os defeitos horríveis de décadas passadas e nem variações: são vinhos de boa fruta, jovens, para beber sem pensar e atingindo sua finalidade primeira de matar a sede. Mas são só isso. E os grandes vinhos, os tops, feitos com mais ambição, ainda não atingiram a qualidade complexa de um Adega Medieval. O Brasil continua capaz das duas coisas, bons vinhos perfeitos, bons vinhos rústicos. E de maus vinhos também. Mas poucos dizem de onde saíram com clareza e pouquíssimos têm tamanha longevidade.
Em que parte da estrada entre Viamão e o contemporâneo a sedução do atalho fez que o vinho brasileiro tomasse a estrada mais rápida e veloz e deixasse o tanto que teria ganhado na viagem lenta até o dia de hoje? Não saberemos. A suposição permanece improvável. Entretanto, os vinhos de Guglielmone, para quem os puder provar, mostram que ainda há um vinho brasileiro a ser feito, ou recuperado, não antagônico ao produto vigente, mas outra coisa. Nem melhor, nem pior: complementar.
A tarefa da indústria brasileira de vinhos seria utilizar a trilha esquecida. Não é preciso abandonar a velocidade, nem a rodovia, mas reencontrar autenticidade. Nem é tão difícil assim: a estrada ainda existe. E ela conduziria o vinho brasileiro a uma coisa que ainda não tem, um verdadeiro lugar no mundo, algo como uma impressão digital.
Veículo: O Estado de S.Paulo