Cachaça Havana luta por direito ao próprio nome

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Empresa disputa marca com fabricante de rum, em batalha que já se estende por dez anos

 

Uma das disputas sobre marcas de maior repercussão no País completou dez anos sem perspectivas de um acordo. A briga que opõe uma fabricante internacional de rum e a família que produz a mais famosa aguardente artesanal mineira foi parar nos tribunais depois que, em 31 de janeiro de 2001, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) arquivou o pedido de registro da cachaça Havana.

 

A decisão obrigou a pequena indústria de aguardente a alterar o nome nos rótulos, já que a marca havia sido registrada pela Havana Club Holding S/A, do rum Havana Club. Em outubro de 2005, os herdeiros de Anísio Santiago - que em 1943 iniciou a produção da cachaça Havana, na fazenda de mesmo nome, localizada na Serra dos Bois, em Salinas, no norte de Minas - conseguiram reaver o nome por meio de liminar, mas agora lutam para ter a marca em definitivo.

 

"Está fazendo dez anos, a gente esperava que já tivesse uma solução", reclama João Ramos, genro de Anísio Santiago, que morreu em dezembro de 2002, aos 90 anos. Segundo familiares, ele faleceu extremamente desgostoso com a perda da marca, tanto que pediu que colocassem fogo em todos os rótulos da Havana.

 

Na tentativa de conseguir reverter a decisão do Inpi, herdeiros de Anísio pediram ajuda a políticos do Estado. No início do governo Lula, o ex-vice-presidente José Alencar - cuja família também é produtora de cachaça - encaminhou carta à direção do instituto. No ano passado, Ramos fez um apelo à então candidata Dilma Rousseff quando, durante a campanha, ela visitou Montes Claros, cidade vizinha a Salinas. No fim de 2010, ele participou de uma audiência em Brasília com o ex-ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge. "A gente tem buscado apoios, mas tem sido uma luta inglória. Por que outros países defendem os seus produtos, a França defende seus vinhos, seus queijos, e nós não defendemos a nossa cachaça?", questiona.

 

"Avana". A liminar concedida pela Comarca do município à Indústria e Comércio de Aguardentes Havana foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. O processo de dez volumes foi remetido em 2008 para a 8.ª Vara Federal de Belo Horizonte e aguarda sentença desde junho. Figuram como réus o Inpi e a Havana Club Holding.

 

Para encerrar o litígio judicial, a fabricante do Havana Club chegou a fazer uma proposta para a família Santiago: eles poderiam manter o nome, desde que sem o H (Avana), além de ficarem impedidos de exportar o produto. "Isso é uma indecência", desabafa Osvaldo Santiago, um dos sete filhos de Anísio, que tomou a frente da produção desde a morte do pai. Oswaldo, de 66 anos, é o principal fiador das tradições da cachaça mineira. Embora hoje a empresa tenha dois produtos - a Anísio Santiago (devidamente registrada) e a Havana -, a produção continua limitada. Por ano, a empresa fabrica de 12 a 15 mil litros de cachaça, o que garante os altos preços.

 

A fazenda Havana possui apenas dez funcionários envolvidos na produção. Eles ainda recebem garrafas da cachaça como bônus salarial. "Enquanto eu estiver no comando, vai continuar do jeito que está. Não compensa, porque se (a produção) aumentar, não teremos como atender aos pedidos", diz Oswaldo. "Onde tem oferta, a tendência do preço é cair. Quando tem procura, a tendência é subir."

 

Em Salinas, ponto de partida da comercialização, a garrafa de 600 ml da Havana (segundo os produtores, rótulo usado nas cachaças mais envelhecidas) é vendida por R$ 380. Já a Anísio Santiago não sai por menos de R$ 180. Nos principais centros urbanos do País ou mesmo em cidades do interior, o preço costuma ser bem mais salgado.

 

Anualmente, diz Ramos, são comercializadas em torno de 10 mil garrafas, das quais cerca de 2 mil a 3 mil são da Havana. Apesar da preocupação manifestada pela Havana Club, a cachaça mineira não é vendida em outros países. "Há algumas pessoas que levam, mas a gente não tem esse mercado", observa. "No futuro, quem sabe um dia algum neto, algum bisneto, algum tetraneto nosso resolva investir nisso."

 

Patrimônio. A declaração de Ramos mostra que os atuais herdeiros encaram a produção da aguardente como uma tradição familiar e uma forma de preservar a memória do patriarca. "Nós mantemos a mesma estrutura do seu Anísio. Nossa preocupação não é muito financeira, é mais manter o patrimônio moral dele. Cada um toca a sua vida normalmente, mantendo seus negócios, suas coisas", diz.

 

O faturamento da pequena indústria é mantido em sigilo. Oswaldo garante que o negócio não é capaz de sustentar os sete irmãos - cinco homens e duas mulheres. "Uns mexem com fazenda, outros trabalham como funcionários públicos, outro já está aposentado. Se for para todos viverem em função dela, aí vai ter de vender muita cachaça."

 

É justamente o que não deseja o produtor, que costuma atender empresários de outros Estados na portaria da fazenda. Os clientes chegam com a esperança de levar caixas do produto, mas só levam algumas garrafas. "Eles querem toda semana e a gente entrega de 60 em 60 dias."

 


Cobiçada, cachaça especial vira presente corporativo

 

Caráter exclusivo do produto atrai quem aprecia a bebida; em Belo Horizonte, garrafa é vendida por até R$ 1,5 mil


 
Desde que retomou provisoriamente a marca Havana, a antiga cachaça de Salinas passou à condição de grife da bebida genuinamente brasileira e artigo de presente. Na capital mineira, o preço da garrafa da Havana varia de R$ 450 a R$ 600, seja em bares, seja em casas especializadas. Se o exemplar tiver rótulo antigo - o mais cobiçado -, o preço depende de negociação.

 

No tradicional Mercado Central de Belo Horizonte, o casal Leonardo Hann e Rafaela Garcia oferece em sua loja de cachaças e licores mineiros uma Havana engarrafada em 1984. Por "meros" R$ 1,5 mil. Rafaela conta que, há alguns anos, a loja vendeu uma outra garrafa antiga para o chef Olivier Anquier, por R$ 890.

 

Como a produção e a comercialização são restritas, as lojas de bebidas não possuem muitos exemplares, que costumam ficar escondidos no meio de diversas outras marcas. O lançamento da Anísio Santiago, contudo, tornou mais acessível a aguardente da Serra dos Bois. Leonardo diz que a loja chega a vender 20 garrafas ao mês. No caso da Havana, a última venda foi feita no Natal.

 

Uma empresa de aviação adquiriu seis garrafas para dar de presente. "A Havana sai mais no fim do ano, como presente para alguém importante", conta Rafaela. Embora os produtores garantam que a diferença entre as duas marcas esteja no tempo de envelhecimento nos tonéis de bálsamo, há quem suspeite que os clientes paguem pelo rótulo.

 

Mesmo com a indefinição em relação à marca, a Havana deu fama à região de Salinas, que hoje conta com uma verdadeira cadeia produtiva da cachaça de alambique e se intitula a "capital mundial" da bebida.

 

"Esse negócio (a disputa envolvendo a família Santiago e a Havana Club) acabou ajudando, porque a mídia falou muito sobre o município", avalia Gilmar Pereira de Freitas, presidente da Coopercachaça, que reúne os produtores de Salinas e região.

 

Segundo Freitas, são cerca de 60 marcas que produzem 5 milhões de litros por ano e geram 1,5 mil empregos diretos.

 

Veículo: O Estado de S.Paulo

 

 


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