07/11/2008
Com crise ou sem, as chances da aquisição da cervejaria americana Anheuser-Busch pela belgo-brasileira InBev não se concretizar são muito pequenas. O contrato assinado pelas duas em julho, determinando o valor do negócio em US$ 52 bilhões ou US$ 70 por ação, tem brechas, mas a maior beneficiada é a AB, e não a InBev.
O documento foi enviado ao Valor pela Securities and Exchange Commission (SEC, entidade americana equivalente à Comissão de Valores Mobiliários, a CVM) e analisado por advogados de dois grandes escritórios de direito empresarial do país. "Pelo contrato, a única empresa com fortes possibilidades de desmanchar o acordo seria a Anheuser. A InBev tem brechas que poderiam ser aproveitadas, mas as chances de sucesso são remotas", diz o advogado Luiz Arthur Caselli Guimarães, do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra.
Os rumores de que a aquisição poderia não se concretizar começaram em setembro, quando o mercado levantou suspeitas de que os dez bancos (Santander, Bank of Tokyo-Mitsubishi, Barclays Capital, BNP Paribas, Deutsche Bank, Fortis, ING Bank, JP Morgan, Mizuho Corporate Bank e o Royal Bank of Scotland-RBS) comprometidos a financiar a Inbev poderiam não levar adiante os empréstimos firmados.
Dentre esses bancos, muitos passaram por dificuldades e tiveram que ser socorridos recentemente. No dia 6 de outubro, por exemplo, os papéis do RBS chegaram a cair 40%, para 87,4 pence, o menor nível em 15 anos. O RBS foi um dos bancos que compraram o holandês ABN Amro, ao lado do Fortis e do Santander. Depois de ter sido socorrido pelos governos da Holanda, Luxemburgo e Bélgica, o Fortis foi dividido e teve uma parcela dos seus negócios vendida ao BNP Paribas. Ontem, perguntado, por um analista da Merrill Lynch, sobre os problemas enfrentados por alguns bancos do consórcio, Felipe Dutra, diretor financeiro da InBev, respondeu: "Não podemos comentar."
Para a InBev, que planeja obter o dinheiro da aquisição com empréstimos de US$ 45 bilhões e mais US$ 9,8 bilhões por meio de oferta de papéis, o cenário piorou quando, no mês passado, a companhia anunciou que iria atrasar a operação com as ações. O motivo: a crise mundial e a volatilidade das bolsas. Essa decisão gerou especulações de que a InBev estaria tendo dificuldades para obter o dinheiro do negócio. "Uma disputa entre os advogados das duas empresas começou nesse momento nos Estados Unidos", disse um advogado ao Valor.
O objeto da discussão seria o capítulo do contrato chamado de "Material Adverse Effect", ou Efeito Material Adverso. Nesse trecho do documento estão listadas sete condições que poderiam mudar a negociação. A primeira cita "mudanças na economia ou no ambiente financeiro, no crédito, no sistema bancário, na moeda, em commodities ou em mercados de capital dos Estados Unidos ou de qualquer país onde as duas empresas operam".
"A InBev estaria querendo se valer dessa cláusula", diz um analista. Mas haveria dois empecilhos para isso. O primeiro é que, segundo algumas interpretações do contrato - e essa seria a dos advogados da AB - não basta uma cláusula contrária ao negócio. "Está no contrato que o negócio só pode ser desfeito ou reavaliado se houver uma combinação de mais de um dos fatores citados na lista de Efeitos Materiais Adversos. Ou seja: não bastam apenas as 'mudanças na economia, no crédito ou na moeda'. É preciso haver outra exceção combinada", diz um especialista em fusões e aquisições que preferiu não se identificar.
A segunda barreira teria sido criada pela própria InBev. "A InBev anulou a possibilidade de uma renegociação usando o argumento da crise ao soltar, no dia 29 de setembro, quando os mercados começaram a derreter, um comunicado público reafirmando os termos da aquisição", disse Caselli Guimarães.
Ontem, ao divulgar o resultado do terceiro trimestre (recuo de 14% no lucro líquido do terceiro trimestre, para US$ 575 milhões), a InBev reafirmou o compromisso feito em julho. "Pessoalmente, acredito que nossa companhia está bem preparada para o ambiente econômico que se preconiza", disse o diretor financeiro da InBev, em conferência eletrônica com analistas. Dutra e Carlos Brito, presidente da cervejaria, disseram que a compra da AB está em vias de ser fechada até o final do ano, prazo final também para a oferta de ações. "A empresa continua com o já anunciado plano para pagamento da aquisição, que é de US$ 45 bilhões em empréstimos bancários e US$ 9,8 bilhões por meio de oferta de ações", disse Brito.
O financiamento, pelo que mostraram os resultados divulgados ontem, são imprescindíveis para o fechamento da compra, uma vez que o caixa da InBev soma ?1,330 bilhão (ou US$ 1,720 bilhão).
E, pelo contrato, não adianta chorar ou espernear para que o preço seja revisto. No capítulo "Financing of the Merger" (Financiamento da Fusão), fica determinado que "dificuldades em obter financiamento para fechar o negócio não são passíveis de gerar revisão do acordo".
A possibilidade de alguma mudança também será mínima na quarta-feira da semana que vem, quando os acionistas da AB se reúnem para aprovar ou não o negócio. "Como o valor acertado foi de US$ 70 por ação, e os papéis da AB estão cotadas entre US$ 64 e US$ 63, o negócio é matematicamente irrecusável", diz o consultor especializado em bebidas, Adalberto Viviani.
Além disso, conforme o contrato, qualquer investidor pode desistir do negócio, mas se isso acontecer, ele estaria automaticamente expulso do quadro de acionistas da fabricante da Budweiser. Nesse caso, o descontente receberia os US$ 70 por ação e teria o direito de recorrer à Justiça dos EUA para pedir revisão do valor.
Na visão dos especialistas, a AB, se quiser, pode mudar o acordo. "Ela ainda pode se valer das condições previstas no Efeito Material Adverso", diz Caselli Guimarães. Resta saber se os americanos abririam mão dos US$ 70 por ação. Ontem a AB anunciou queda de 6% no lucro, para US$ 666 milhões, e alta de 6,5% nas vendas, de US$ 4,9 bilhões, no terceiro trimestre.
Veículo: Valor Econômico