Encontro reuniu governo, produtores, cientistas e ONGs; patrocínio da indústria a ações de prevenção gera críticas
São Paulo recebeu, há duas semanas, um encontro internacional para discutir políticas de controle do consumo abusivo de álcool que reuniu representantes do governo estadual, de universidades brasileiras e estrangeiras e da indústria da bebida.
O evento ocorreu logo após a conferência Ações Globais: Iniciativa para Reduzir o Consumo Nocivo de Álcool, em Washington, na qual a indústria do álcool firmou novos compromissos na área de prevenção.
Um dos principais desafios discutidos na reunião foi a necessidade de mudar os padrões de consumo de bebida alcoólica entre os jovens. O crescente abuso do álcool entre mulheres e garotas, situação que demanda estratégias específicas, também foi tópico importante na pauta de discussões.
"Foi a primeira vez que colocamos no mesmo ambiente diferentes atores - governo, ONGs, universidade e indústria - para debater e entender os diferentes ângulos dessa questão", diz o psiquiatra Arthur Guerra, presidente executivo do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa). O evento foi organizado pelo Cisa junto com o International Center for Alcohol Policies (Icap), entidade financiada pelos maiores produtores mundiais de álcool.
"A indústria se tornou muito pró-ativa em monitorar sua própria publicidade e no Brasil, particularmente, tem um exemplo forte de mecanismo autorregulatório, que é o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar)", diz a vice-presidente do Icap, Marjana Martinic.
Acordos. Em Washington, os cinco compromissos firmados pela indústria do álcool foram reduzir o consumo de bebidas por menores de idade, tornar mais rígidas as regras de marketing, providenciar informações para consumidores, impedir que as pessoas bebam e dirijam e pedir o apoio de quem vende a bebida no varejo.
"Existe uma grande diferença entre aqueles que produzem e aqueles que vendem. É preciso ter certeza que eles saibam o que a conduta responsável significa", diz Marjana.
Ela acrescenta que, nos próximos anos, os produtores querem "desempenhar um papel cada vez maior de liderança em providenciar informações para consumidores" e ainda "fazer produtos inovadores de maneira responsável".
O apoio da indústria do álcool às estratégias de prevenção é contestado por alguns pesquisadores que estudam os malefícios da bebida. Nesta semana, o assunto veio à tona em audiência pública realizada na sede do Ministério Público do Estado de São Paulo a respeito da proposta de alteração da lei para restringir a publicidade da cerveja.
Na ocasião, o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretor da Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas (Uniad), lembrou que 6% de todo o consumo de álcool no Brasil é feito por menores de 18 anos e 40% é feito por jovens de 18 a 29 anos, de acordo com levantamento nacional domiciliar. "Não acredito que a Ambev seja um parceiro legítimo para desestimular os jovens a beber. Pergunta se a Ambev daria 6% de seu faturamento para investir em saúde pública?"
Ele também criticou o fato de a indústria financiar programas de educação sobre álcool nas escolas. "Onde se discute a saúde pública, interesses privados não têm lugar. Não podemos cair nessa armadilha."
A psicóloga Ilana Pinsky, também professora da Unifesp e vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos em Álcool e outras Drogas (Abead), alertou sobre o papel nocivo da publicidade em incentivar a iniciação precoce ao álcool. "A influência da publicidade é indireta, sutil e cumulativa", diz.
Veículo: O Estado de S.Paulo