Produto era vendido no país como rum; agora, fabricantes querem multiplicar as exportações e chegar a 5 milhões de caixas ao ano
Depois de mais de uma década de negociações, o Alcohol and Tobacco Tax and Trade Bureau (TTB) - órgão do governo americano especializado no comércio de álcool e tabaco - publicou ontem registro reconhecendo a cachaça como produto genuinamente brasileiro. Com a decisão, que passa a valer a partir de 11 de abril, a bebida deixa de ser vendida como "Brazilian Rum", conforme determinava a autoridade americana.
O governo brasileiro, com isso, evita nos Estados Unidos que aconteça com a cachaça o que ocorreu com a vodca russa. A Rússia perdeu o direito exclusivo internacional de utilizar o nome vodca como uma marca do país, porque não tinha seu registro na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Em troca do reconhecimento americano, o governo brasileiro agora terá 30 dias para formalizar o reconhecimento do "Bourbon Whisky" e o "Tennessee Whisky" como produtos genuinamente americanos.
"O registro oficializa um processo que começou há um ano, pelo qual estamos lutando há mais de uma década", diz César Rosa, presidente do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac).
O processo de reconhecimento da cachaça foi iniciado oficialmente em abril do ano passado. Na ocasião, a presidente Dilma Rousseff esteve em Washington e celebrou o início do processo presenteando o presidente americano, Barack Obama, com uma edição especial de cachaça avaliada em R$ 212 mil, com a garrafa cravejada de diamantes.
Contra. Durante o processo, houve um período de consulta pública em que era possível apresentar manifestações contra o reconhecimento da cachaça. A única manifestação apresentada foi feita pela União Europeia. "Há um processo parado há mais de 15 anos na União Europeia para que a Europa reconheça a cachaça. Para eles, não é interessante esse reconhecimento, porque eles perdem força na OMC", afirma Rosa.
Os EUA são o segundo maior mercado importador da cachaça brasileira, perdendo apenas para a Alemanha. "Mas eles são os maiores consumidores mundiais de destilados e também o mercado de cachaça que mais cresce", diz Maria das Vitórias Cavalcanti, diretora de relações externas da cachaçaria Pitú.
O Ibrac prevê que o reconhecimento vai impulsionar as exportações para os EUA. Hoje, são vendidos para o mercado americano 700 mil litros por ano. "Acredito que, em cinco anos, podemos chegar a ter 5% do mercado americano de rum, o que significa exportar 5 milhões de caixas, ou 60 milhões de litros, por ano", afirma Rosa.
Isso, no entanto, não vai acontecer sem um trabalho de promoção da bebida, segundo o produtor Otávio Possas, da cachaça Vale Verde. "Nos EUA, ninguém pede cachaça por marca. Lá, cachaça é uma bebida genérica."
A diretora da Pitú concorda. "O americano não sabe nem como consumir a cachaça. Precisamos começar um trabalho de educação, que, sem o reconhecimento, não era possível", afirma Maria das Vitórias.
O mercado nacional tem capacidade de produção de 1 bilhão de litros, mas produz cerca de 700 milhões de litros por ano. As mais de 4 mil marcas nacionais movimentam cerca de R$ 2 bilhões anualmente.
No ano passado, o consumo interno encolheu 3,5% em volume, segundo dados preliminares do Ibrac. Houve, segundo César Rosa, uma migração do consumo para a cerveja e para marcas de segunda linha de uísque e vodca.
Por outro lado, o faturamento do setor cresceu em média 10%, já que muitos consumidores passaram a comprar marcas mais finas, de maior valor agregado.
Veículo: O Estado de S.Paulo