A moda dos vinhos varietais - em que predomina uma variedade de uva e ela é mencionada no rótulo - mais o processo de globalização em que vivemos provocou, em especial nos últimos 20 anos, uma forte concentração de tintos elaborados com cabernet sauvignon e de brancos com chardonnay. A essas duas castas se juntaram a syrah e a merlot, mais a sauvignon blanc, para formar o chamado grupo das variedades internacionais, que têm, bem ou mal, certa facilidade de se adaptar às diferentes condições de clima e solo existentes em regiões vinícolas espalhadas mundo afora.
A escolha de tais uvas não foi apenas por sua capacidade de aclimatação, mas ao fato de estarem associadas a regiões de prestígio - cabernet sauvignon e merlot a Bordeaux, chardonnay a Borgonha, syrah ao Rhône e ao rápido sucesso obtido pelos tintos da Austrália na década de 90, o mesmo acontecendo com a sauvignon blanc, que tinha boa presença no Vale do Loire e explodiu no mercado com os frutados e sedutores brancos da Nova Zelândia. No fundo, todos queriam fazer seus "bordeaux", seus "chablis" e "montrachets", assim como aproveitar a onda dos australianos e neozelandeses.
Nessa galeria de vinhos de prestigio a serem "pirateados" faltava, ao menos, os borgonhas tintos, mas as várias tentativas de "domar" a caprichosa pinot noir, casta que reina soberana naquela celebrada região francesa, foram em sua quase totalidade malsucedidas. Qualquer resquício de pudor caiu por terra com os efeitos provocados pelo filme Sideways, em 2004, que ressaltava as virtudes dos vinhos com ela elaborados. Num mercado tão influenciável como o dos Estados Unidos, tal menção fez com que a busca por pinot noir explodisse (30% de imediato), sem que houvesse produção de vinho suficiente para atender a demanda.
Produtores das mais variadas procedências implantaram, às pressas, novos vinhedos para não perder o bonde que estava passando. "É inapelável, não existe pinot noir fora da Borgonha", disse certa vez a competente e geniosa Lalou Bize-Leroy, que comanda o renomado Domaine Leroy. Com efeito, a pinot noir é uma variedade delicada que necessita de uma conjunção de fatores - humanos, geológicos, vegetais e climáticos - para alcançar as preciosas e sofisticadas características que a distinguem de todas as outras variedades. Virou, no geral, um vinho fácil, frutado, com taninos leves, que agrada paladares pouco exigentes.
No fundo, no atualmente tão competitivo mercado internacional, o nome da uva, pela facilidade de se memorizar, tornou-se elemento fundamental para atrair consumidores. Vale até implantar castas com apelo mercadológico em locais pouco adequados a elas, em detrimento de outras que ali se expressam melhor. É sintomático o que tem ocorrido com a garnacha na Espanha - país, aliás, apontado como seu berço, mais especificamente na região de Aragon, cercanias da cidade de Zaragoza, centro norte do país.
Uma das castas mais plantadas mundo afora - perto de 90% dela está na Espanha e Sul da França (ali chamada de grenache), mas também na Sardenha, onde é conhecida como Cannonau, Califórnia, Austrália, e até na China - a garnacha tem grande e reconhecido potencial qualitativo, tendo sido historicamente a principal variedade espanhola. Seu cultivo, no entanto, diminuiu cerca de 20% só na década passada, estacionado hoje em torno de 80 mil hectares. Boa parte dessa área foi ocupada pela hoje líder tempranillo, que, embora tenha também raízes ibéricas, não tem a mesma capacidade de adaptação, sobretudo a zonas mais quentes, mais propícias à garnacha. É consenso que castas de ciclo curto, caso da tempranillo (seu nome deriva de "temprano", que significa "cedo" em espanhol), são mais apropriadas a climas amenos, caso de Rioja e Ribera del Duero, seus locais de excelência. O crescimento da tempranillo se dá, portanto, não por contribuir para vinhos melhores (ao contrário), mas pela sua maior identificação com a Espanha.
Há uma questão de comunicação com relação à grenache. A despeito de ser componente fundamental de tintos da grandeza dos châteauneuf du pape e dos da região catalã do Priorato, entre outros, o consumidor em geral a desconhece. Isso ocorre pelo fato de ela não estar citada nos rótulos dos vinhos, atendendo à norma imposta pela legislação europeia, que proíbe tais menções (vale não só para a grenache).
Foi exatamente com o objetivo de valorizá-la e colocá-la mais em evidência que foi realizado no sul da França, há três anos, o Grenache Symposium, evento que reuniu mais de uma centena de delegados de alta expressão no cenário vinícola internacional, de diferentes áreas de atuação, vindos de 23 países. Vários pontos foram discutidos no simpósio, desde questões técnicas ligadas a viticultura e vinificação no sentido de se estudar maneiras de atingir patamares qualitativos mais elevados, até, evidentemente, analisar as virtudes da casta e as diversas formas de divulgá-las.
Uma delas é a capacidade de se compor com outras variedades, dando caráter e equilíbrio ao vinho resultante. É o caso dos citados châteauneuf du pape, tintos onde a grenache tem presença marcante, contribuindo para dar textura, volume e grau alcoólico, e que, via de regra, é secundada pela syrah, que acrescenta cor e sensação de fruta, e pela mourvèdre, que confere estrutura (a coluna vertebral). Essa composição, aliás, é muito utilizada em outras regiões e países, sendo comumente identificada pela sigla "GSM" no rótulo.
A facilidade em se associar a outras uvas não significa que a grenache não possa brilhar sozinha, mas, a rigor, esse recurso, até por uma questão de tradição, é pouco utilizado pelos produtores europeus, que consideram que uma composição de castas, por melhor que elas sejam individualmente, permitirá alcançar melhor resultado num "blend" (vide Bordeaux).
Cabe ainda apontar outras virtudes da grenache, entre elas a possibilidade de ensejar grandes vinhos nos diferentes gêneros: tintos, rosés, brancos (elaborados com a grenache blanc, que tem a mesma linhagem em termos de DNA) e doces, caso aqui dos Maury e Banyuls, produzidos perto da fronteira com a Espanha e que têm a grande e difícil vocação de fazerem par perfeito com chocolate.
A capacidade de harmonização da grenache com comida é, aliás, bem ampla. Com todas suas possíveis variações, dependendo do terroir, da vinificação e do blend, os grenache têm grande afinidade com os mais diferentes pratos, devido a sua sedutora textura, bom corpo e ao mix de notas frutadas e condimentadas. Assim, ao "P" de parceria, se junta o "P" de prazer e se completa com outro "P", o do preço, uma interessante alternativa aos caros e cada vez mais inacessíveis grands crus de outras regiões.
Entre outras ações propostas no Symposium, no sentido de comunicar melhor os aspectos positivos da Grenache, foi instituído o International Grenache Day, celebrada no mundo todo. O dia escolhido foi a terceira sexta-feira de setembro, perto da mudança de estação e época em que o tempo é igualmente ameno nos dois hemisférios. Neste ano a data será comemorada amanhã, dia 20. Quatro importadoras no Brasil, Decanter (www.decanter.com.br), Zahil (www.zahil.com.br), Premium (www.premiumwines.com.br) e Vinissimo (www.vinissimo.com.br) estão participando com promoções em restaurantes com os quais têm parceria - ver período, rótulos em oferta e alguns dos restaurantes na tabela - e vendas diretas. Para acompanhar o movimento em todos os países acesse o www.grenacheday.com.
Veículo: Valor Econômico